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sexta-feira, 29 de março de 2024

Livraria Baderna, Cultura e Resistência no coração do Recife

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Em tempos de desgoverno e ataques a educação e a cultura a Baderna Literária Café, livraria que completa um ano em setembro de 2020 tem se tornado uma referencia de resistência e encontro das lutadoras e lutadores recifenses. O Jornal A Verdade conversou com Rosângela Sampaio e Katerine Contasti , à frente desse audacioso projeto no coração do Recife, capital de Pernambuco.

Clóvis Maia e Redação Recife

Rosângela Sampaio e Katerine Contasti

A Verdade:  O Recife tem uma história de livrarias muito forte, como a antiga Livro 7 na Boa Vista e a popularização do nome Sebo para caracterizar os locais onde se vendias livros usados. Esses espaços, mais do que negociar livros acabavam se tornando referências para o público leitor, pontos de cultura e de resistência. Como nasceu o projeto da Livraria Baderna Literária?

Katerine Constasti: Bem.  A ideia começou com a Rosângela. Ela tem uma estrada de anos se dedicando à militância com os livros. Ela desenvolveu uma militância como livreira, trabalhando com as obras da Expressão Popular. Mas ela não era apenas uma livreira. Era uma verdadeira militância com os livros. Ela tinha esse compromisso em promover, divulgar a literatura, o conhecimento e desenvolver nas pessoas um senso crítico. E foi ela quem percebeu o quanto o recife estava mudando. Havia uma carência de espaços de resistência. Foi aí que veio essa necessidade de se pensar uma proposta editorial e política para a livraria. Aí ela passou um ano se organizando, refletindo, fazendo as reformas aqui aos pouquinhos. E nesse um ano a conjuntura mudou muito. O cenário político brasileiro passou por mudanças drásticas, agressivas, violentas. E isso aumentou muito mais o desejo e a vontade de se criar esse espaço. Um espaço de resistência mais também de criatividade, onde as pessoas pudessem se sentir acolhidas e encontrassem aqui “água pra beber”. E uma água que pudesse fazer com que elas reencontrassem a esperança. Em uma conjuntura tá árida, onde vários direitos são atacados, e que a gente precisa pensar, refletir como a gente vai se organizar, em torno de que pautas, como reagir, quais as estratégias mais adequadas e as novas formas de militância precisava de um espaço que nos desse essas condições. E foi com essa proposta que a Rosângela me convida para fazer a curadoria da livraria. O espaço precisaria de outras editoras, outras obras, realizar outros diálogos. A gente já se conhecia de outros espaços de formação e militância e aí, quando ela me apresentou o projeto e o sonho que ela tinha aí não tinha como eu dizer não.

Rosângela Sampaio: A ideia da livraria era que não seria algo para dar apenas lucro. Não seria apenas mais uma livraria, sabe? Eu participava dos eventos, das atividades e sempre me perguntavam: “quando terminar aqui, eu encontro vocês aonde?”. E isso foi ficando na minha cabeça e a ideia amadurecendo. Depois foi todo esse processo até a gente chegar aqui.

A Verdade: O nome da livraria é muito interessante. De onde surgiu a inspiração para esse nome?

Rosângela: Depois de muito pesquisar, achamos esse nome, que é uma homenagem a uma dançarina chamada Maria Baderna1    que foi responsável por popularizar o ballet no Brasil. Aquilo que era pra ser algo pra poucos ela quis tornar algo pra todos. E não é assim até hoje? Do que é que somos chamados quando nos organizamos? “um bando de baderneiros”, então decidimos politizar o nome. Qual a baderna que nós propomos?

Katerine: Esse nome dialoga muito com a nossa visão, em relação ao acesso a cultura, o acesso ao livro, entende? E esse espaço dialoga dessa maneira, já que a ideia era ter uma outra cara, etnia, pluralidade, cor. Questionar territórios sabe? A gente entende que uma livraria não pode ser um espaço de privilégios, pois ainda é! E a ideia era fazer um espaço para todas as pessoas, sobretudo as marginalizadas. Para as pessoas interessadas em transformar a sua realidade.

A Verdade: Vocês abrem espaço aqui para as diversas editoras de esquerda, independentes e selos novos. Faz parte da proposta da livraria em levantar discussões, como por exemplo, a unidade?

Rosângela: Também. Esse aqui é um lugar que se propõe a ser um espaço para se pensar as saídas, ou, quem sabe, prensarmos juntos as perguntas. Nós passamos muito tempo com muitas respostas. É tempo de se pensar também sobre as perguntas. E esse espaço se propõe a juntar essas pautas, especialmente das pessoas marginalizadas. Esse espaço é um espaço para todos.

A verdade: Falem um pouco de como é esse desafio de manter uma livraria alternativa nesses tempos tão difíceis:

Katerine- veja; nós temos hoje no Brasil um crescente número de editoras pequenas. Várias pessoas tem se colocado nessa tarefa de escrever, produzir. E a gente sabe que o mercado editorial reproduziu, durante muito tempo, um pensamento profundamente colonial, traçando e definindo um perfil de quem poderia produzir, taxando quem poderia ou não ser classificado como “alguém que produziria saber”. E a gente quer fugir disso. Não nos interessa aqui saber quem são os Top 10 do momento. Se for um autor ou mesmo uma editora que não questiona nem reflete esse lugar de fala, que não propõe repensar esses privilégios, não nos interessa. Interessam, sim, esses grandes encontros, essas grandes descobertas, essas editoras que fazem um trabalho aguerrido, militante, que se preocupam em construir e trazer um outro discurso, mesmo que seja mais ácido. Que ponha o dedo na ferida. Buscamos aqui esses outros diálogos, sabe?

 1 Maria Baderna (Marietta Baderna Giannini) foi uma bailarina italiana radicada no Rio de Janeiro à partir de 1849. Por meio de suas apresentações ela popularizou a dança no Brasil. Sua principal era tornar a dança popular. Seu trabalho se popularizou tanto que passou a ser sinônimo até hoje. O motivo: suas apresentações causavam verdadeiro alvoroço na população quando ocorriam. Baderna é cultura popular. É símbolo de luta. 

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