Foto: UOL
Por Lorena Pires Barros
Rio de Janeiro
Nenhuma “reparação” fácil para o capitalismo parece viável agora: são mais de 11 anos amargando uma grave crise econômica que ameaça o funcionamento desse sistema. Diante disso, observamos o avanço das forças de reação com a ascensão do fascismo no mundo. Nesse contexto, surge a pandemia de Covid-19, que projeta o aprofundamento dessa crise e destaca desigualdades sociais. O novo coronavírus trouxe a certeza de que se não avançarmos na direção de um novo projeto de sociedade, ao contrário, assistiremos algo mais grave do que a barbárie.
A alternativa da burguesia: o fascismo
Aijaz Ahmad diz que “todo país recebe o fascismo que merece”, o que significa que tais forças têm seu elemento histórico-social e, por isso, se desenvolvem de diferentes maneiras de acordo com o acúmulo político de cada país. Um quarto da população mundial elegeu por meio de suas democracias formais governos neofascistas. Brasil, Hungria, Índia, Filipinas, Turquia e Estados Unidos são os principais exemplos. Cada um desses países traçou seu próprio caminho nessa direção. No entanto, alguns fenômenos globais influenciaram.
Se é necessário definir algum marco para analisar o início dessa nova onda de governos de extrema-direita, escolho setembro de 2008, mês em que se oficializa uma crise econômica de caráter internacional no coração do imperialismo. A queda da bolsa de valores nos EUA representou uma crise que não se limitou ao mercado financeiro, mas um estado de recessão geral: o desemprego disparou e muitas empresas faliram. Diante disso, a extrema-direita seduziu as massas de diversos países com um programa que se apresentava como promessa de salvação.
Em seguida, veio a crise do chamado “Estado de bem-estar social” promovido pela socialdemocracia europeia e o desgaste do neodesenvolvimentismo populista na América Latina. À vista disso, nenhuma proposta formal de projeto que radicalizasse os anseios da população surge por parte da esquerda. Com isso, o ceticismo popular em relação à política cresceu. Digo que essa tendência tem a ver, entre muitas outras coisas, com a grande limitação da democracia atualmente: uma democracia de baixa intensidade com desafios muito diferentes dos apresentados durante as ditaduras.
A decepção com a política que cresce cotidianamente entre a classe trabalhadora e os setores médios da sociedade não tem sido grave para a direita, mas para a esquerda com certeza o é. A direita já provou durante os regimes ditatoriais que consegue abdicar dos partidos políticos, tendo a vantagem do monopólio dos mecanismos de produção do consenso ao dispor da classe dominante. Por isso, conforme os símbolos políticos foram perdendo os seus significados, a extrema-direita os apropriou e os deturpou na intenção de manipular os afetos da sociedade.
O Covid-19 não é o verdadeiro problema da economia
Desde 2008, a burguesia não consegue dar resposta ao problema que ela mesma criou. O máximo que tem feito é usar os governos eleitos para salvar bancos e empresas à custa da vida da população, transferindo o peso da crise para os ombros classe trabalhadora através da retirada de direitos e programas de austeridade fiscal – que cortam o investimento dos serviços públicos e transferem recursos para bancos e grandes empresas. Essa política assassina faz com que 820 milhões de pessoas no mundo estejam enquadradas no mapa da fome, muitas permaneçam desempregadas e não tenham acesso aos serviços mais básicos para a manutenção da vida.
Agora, com a pandemia de Covid-19, o grau em que um país é afetado pela crise sanitária tem a ver principalmente com o governo que o preside. Na União Europeia, o Banco Central Europeu e os governos desses países também vêm adotando os chamados “planos de austeridade” desde 2008. Resultado: foram promovidas reformas econômicas que privatizaram vários serviços essenciais, cortaram direitos dos trabalhadores, achataram os salários, reduziram o valor da aposentadoria e cortaram verbas da educação e saúde. Por esse motivo, não é de se espantar que morram mais de 700 pessoas por dia na Itália, a 13ª economia do mundo, ou e na Espanha, 8ª economia.
Quando o lucro está acima da vida, adoecer significa empobrecer ainda mais
Não resta dúvida de que o novo coronavírus põe em risco a vida de muitas pessoas, sobretudo as mais vulneráreis – tanto no termo da saúde, ou seja, aqueles que se encontram no grupo de risco. Os especialistas apontam que a medida mais eficaz na contenção do vírus é o isolamento social. No entanto, muitas pessoas têm dificuldade de cumprir essa regra. Dentre elas, está a parte da população mundial que não tem o direito de moradia garantido, ou os refugiados que vivem em assentamentos superlotados e dificilmente conseguem contar com a assistência do Estado, já que seu status ilegal os ameaça de serem expulsos dos países que os abrigam. Além disso, em todo o mundo, conforme adverte a OIT, 61,2% das pessoas empregadas estão em trabalhos informais e, por isso, encontram-se mais vulneráveis aos riscos de saúde e de segurança.
As contradições do capitalismo também se manifestam quando as pessoas são infectadas pelo vírus. Quando o lucro está acima da vida, adoecer significa empobrecer ainda mais – essa é a situação de muitos infectados nos Estados Unidos. Com o fechamento do comércio, em duas semanas, dez milhões de cidadãos entraram na fila do seguro-desemprego, perdendo também o seguro-saúde. Estima-se que a cada ano cerca de 100 milhões de pessoas caem na pobreza como resultado de gastos médicos excessivos e, com a pandemia, a tendência é que esse número cresça. Entretanto, para outras pessoas, adoecer significa solicitar licença médica, acessar serviços de saúde e, na maioria dos casos, se recuperar.
A questão é que, no sistema capitalista, tudo é medido pelo lucro. A pandemia veio com a lição de que a sociedade é composta por humanos e que a atenção à saúde (e aos serviços essenciais) não pode fazer parte de um processo comercial. Recentemente, Juan Carlos Monedero, intitulou sua coluna no jornal Público reportando-se ao lema de Rosa Luxemburgo: “Coronavírus: socialismo ou barbárie” – uma colocação extremamente válida. O socialismo é o sistema do povo no poder. Nele, o objetivo da produção deixa de ser o lucro e passa a ser o de suprir as necessidades da sociedade.
No caso de uma crise sanitária como a que vivemos não resta dúvida de que a produção tem de ser direcionada às necessidades do povo. Não é difícil produzir em quantidade suficiente o álcool em gel e as luvas e máscaras que estão em falta no mercado e por isso têm sido vendidos a preços abusivos. No entanto, isso só será possível em uma sociedade controlada pela própria população, em uma democracia plena com a participação direta do povo nas decisões que beneficiem a coletividade.
Matéria extraordinária. Em meio a um sistema político onde o sangue do proletariado se torna lucro, pessoas como você se tornam necessárias e eminentes. O dom que você tem e sempre teve para lutar pelos seus ideais é algo inspirador. Você é e será capaz de fazer coisas inimagináveis
Obrigado por compartilhar suas ideais e por proporcionar uma leitura de qualidade impecável.