A população em situação de rua de Porto Alegre em meio à pandemia

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Foto: Movimento Nacional da População de Rua

Por Fernanda Pegorini
MLB Rio Grande do Sul

PORTO ALEGRE – A Prefeitura de Porto Alegre acumula hoje nos cofres públicos mais de R$ 31 milhões enviados pelo Ministério do Desenvolvimento Social entre os meses de janeiro e março para ser investido na área de assistência social. Nos perguntamos: para onde vai esse dinheiro no momento em que a população em situação de rua mais sofre com o abandono e  diante da  pandemia do Covid-19?

Sabemos que é uma prática da gestão de Nelson Marchezan Jr. (PSDB) o desmonte da política pública de assistência social. Os ataques do governo aos direitos mais básicos da população em situação de rua se expressam nitidamente quando avaliamos um projeto como o “Mais Dignidade”, que oferece aluguéis pelo valor de quinhentos reais em locais insalubres para uma população em sua maior parte desempregada; outra expressão do desmonte das políticas sociais para esta população é o processo de entrega para a iniciativa privada e a terceirização dos abrigos e albergues que deveriam ser espaço de acolhimento. Tudo isso é aprovado e implementado sem qualquer diálogo com a população que se vê privada do direito à assistência social, e sem diálogo com os movimentos populares.

O desmonte dessa política deixa as pessoas sem saída. Os espaços existentes já não dão conta da demanda, que cresce com o aumento do desemprego, uma vez que milhares de pessoas sem ter como pagar seu aluguel passam a viver nas ruas. E em meio a tudo isso a  política implementada pela prefeitura é de fechamento desses poucos espaços existentes.

Com a pandemia, a necessidade de abertura de abrigos adaptados para quem está em situação de rua e precisar fazer quarentena foi ignorada. No abrigo Municipal Bom Jesus, espaço de acolhimento institucional que existia desde 1995, havia uma equipe completa acolhendo e trabalhando com 18 pessoas, que estavam organizadas com seus tratamentos e se alimentando bem. O espaço era adequado para o número pessoas acolhidas, o que com a necessidade do isolamento social não traria problemas ou impecilhos ao trabalho, nem à saúde dos trabalhadores e nem à da população atendida.

Mas no dia 28 de março, por uma mensagem de whatsapp, a equipe recebeu  determinação de transferir todas as pessoas do abrigo municipal Bom Jesus  para o abrigo Municipal Marlene onde estão hoje aglomeradas 41 pessoas em quartos onde não é possível adequar o espaço entre as camas recomendado para evitar a transmissão do coronavírus conforme a OMS. 

Além disso, os trabalhadores do abrigo estão tendo que dividir o espaço e muitos não contam com EPIs (máscaras, luvas, etc). A direção da FASC tem enviado equipamentos de proteção individual (EPIs) apenas somente para o setor de enfermagem; os educadores sociais, que seguem trabalhando na linha de frente, continuam sem proteção. Todos expostos ao contágio pelo Covid-19.

O documento entregue à presidência da FASC pedindo a reconsideração da transferência das pessoas acolhidas no abrigo Bom Jesus foi ignorado. Essas pessoas não foram simplesmente transferidas! Essas pessoas foram despejadas do dia para a noite sem garantia nenhuma dos seus direitos. Aquele espaço é onde elas viviam!

O espaço foi entregue a uma OSC, entidade privada contratada pela prefeitura, para tratar as pessoas infectadas pelo Covid-19, mesmo que as próprias autoridades já tenham considerado esse mesmo espaço insalubre e portanto impróprio para o tratamento de qualquer doença. 

Já o albergue Monsenhor Felipe Dhiel, que atendia 140 pessoas em situação de rua no Bairro Navegantes, foi desconveniado quando a FASC deixou de pagar a sua parte e com isso a prestação do serviço cessou. O prédio foi solicitado pela prefeitura que em tese diz que abrigará cerca de 205 pessoas em situação de rua, porém, não se tem informações sobre como ou que equipe vai trabalhar, nem a capacidade real de abrigamento no espaço, que segue sem funcionamento e abandonado. Não dá para esperar que que as portas da instituição se abram daqui a um, dois, três ou seis meses, é necessário urgência! Estamos entrando no momento do pico de contágio e adoecimento, e são de vidas que neste momento estão em risco que estamos falando.

Ao contrário de tudo o que se espera de uma política pública de assistência social o que a gestão atual faz na prefeitura nesse momento é estender a política de privatização dos serviços públicos ao serviço social e terceirizar o atendimento no pouco espaço que resta sem ser fechado, precarizando e segregando mais e mais a vida de quem precisa do serviço e de quem tem nesses serviços seu trabalho.

O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) se coloca ao lado do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e de trabalhadores dos abrigos municipais da assistência social, na denúncia dessa prática fascista de segregação do governo municipal. Marchezan Jr. (PSDB) está mais interessado em servir aos interesses da especulação imobiliária que transformou historicamente Porto Alegre numa cidade dividida entre ricos e pobres, em cumprir seus compromissos eleitorais, e com a própria reeleição, do que em atender as demandas da população que sofre com o desmonte das políticas públicas, negando o acesso a seus direitos mais básicos, os quais o Estado deveria suprir. Diante de uma pandemia como essa, esse descaso pode custar vidas, a negligência com a necessidade dos equipamentos de proteção das equipes de trabalho pode custar a vida de quem trabalha nos serviços essenciais e dos seus familiares. O Estado nega com isso o direito à assistência social, à saúde e à vida com dignidade! E também o direito à moradia digna que deveria pautar a política assistencial para a população em situação de rua! 

Um crime do governo Marchezan Jr. contra os trabalhadores e contra a população em situação de rua!

Diante do exposto, os movimentos exigem:

  1. Que as pessoas acolhidas no abrigo Bom Jesus tenham seu espaço novamente garantido, podendo retornar ao abrigo; a prefeitura precisa buscar um espaço adequado para a internação das pessoas doentes;
  2. Que todos os trabalhadores possam ter equipamentos de proteção para exercer suas atividades e, inclusive, para a proteção das pessoas atendidas, pois, sabemos que estes podem ser transmissores do Covid-19. Além dos familiares desses trabalhadores, suas mães, pais, filhos, idosos que também precisam ser protegidos;
  3. Participação social dos trabalhadores na construção da política de assistência social, pois ela diz respeito aos processos de trabalho, de quem está na linha de frente de um serviço essencial; 
  4. Que a política pública de assistência social seja construída também com participação da população em situação de rua, que atenda às demandas das pessoas e da estrutura dos abrigos; 
  5. Que a gestão municipal se comprometa com a vida  dessas pessoas, adaptando a cidade para diminuir riscos nesse momento; 
  6. Política pública habitacional que encontre as demandas da população em situação de rua.

Assinam o documento: Movimento Nacional da População de rua (MNPR), Trabalhadores dos abrigos municipais da assistência social e Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).