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sábado, 23 de novembro de 2024

Cultura e geopolítica: uma análise da América Latina

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Por Augusto César

“Un pueblo sin piernas, pero que camina”

Ao longo desse texto vamos buscar refletir sobre a América Latina, os desafios vivenciados pelo seu povo, a constante exploração a que são submetidos, o que significa ser latino-americano e a solução para as mazelas nesse território. Para discutir sobre essas temáticas, vamos utilizar como base a música “Latinoamerica” do grupo musical porto-riquenho Calle 13.

“Os sonhos do Mercado Mundial são o pesadelo dos povos latino-americanos”[1]

O grupo musical inicia a canção dizendo “Soy, soy lo que dejaron soy toda la sobra de lo que se robaron”; essas duas primeiras frases nos permitem discutir a respeito da superexploração da América Latina, que teve como marco inicial a colonização, período esse que seus países foram fortemente explorados por duas potências da época, Portugal e Espanha. Essas duas potências europeias no período colonial (1492- 1808) foram responsáveis por roubar grande parte das riquezas dos povos latinos e os colocar sob uma situação de miséria e de pobreza. Essa exploração se dava na medida que as metrópoles Portugal e Espanha buscavam conquistar mais riquezas, e para obter essas riquezas exploravam todo o território latino-americano, desde a força de trabalho dos seus povos até as pedras preciosas e recursos vegetais.

As intervenções e explorações do território latino-americano não acabaram após o período colonial, perduram por longos anos. A principal intervenção evidenciada na música é a dos Estados Unidos retratada no trecho da música que afirma: “La operación Condor invadiendo mi nido, perdono pero nunca olvido”. Essa operação surgiu como um projeto de combate ao tráfico de drogas, porém o seu real objetivo era intervir na soberania nacional dos países latinoamericanos e perseguir qualquer oposição às ditaduras militares, mesmo no exílio. A operação teve como consequência a morte e tortura de milhares de pessoas, ao contrário do que alguns afirmam – que só se matava criminosos. Se matava e torturava principalmente defensores dos direitos humanos e heróis populares que recusavam se calar frente ao autoritarismo militar neste período e lutavam pela redemocratização dos países. Também é necessário ressaltar que essa operação foi criada com base no desejo dos Estados Unidos de intervir livremente na política e nos países latinoamericanos, financiando golpes militares. Ao longo do tempo essa operação se configurou como uma rede de colaboração entre as ditaduras latinas, que se apoiavam, se financiavam e realizavam ações conjuntas, desde a prisão de militantes de esquerda até a construção de pontes ligando os países.

Ainda hoje, o território da América Latina é tido como o celeiro do mundo, somos os principais responsáveis pela exportação de diversas matérias primas para todo o planeta, porém somos os que menos lucramos com elas. As empresas Transnacionais como exemplo: Gerdau, Coca Cola, Pepsi, Unilever, Volkswagen, General Motors, Toyota, Nokia, Sony, entre outras se estabelecem em nossos países não para gerar riqueza e desenvolvimento nos mesmos, mas sim para conseguir arrecadar matérias-primas com mais facilidade e produzir com um menor custo, visto que a mão de obra nos países latino-americanos se encontra entre uma das mais baratas. Sendo assim, parafraseando o escritor uruguaio Eduardo Galeano, os países latinoamericanos crescem para fora e para dentro se esquecem. Todas nossas riquezas são mandadas para outros países, e o que resta para nossa população são os produtos que não se pode comercializar com as potências capitalistas e a miséria gerada pela falta de investimento na indústria nacional. Desse modo, podemos concluir que a América Latina é o principal território responsável pelo sustento do mundo, por isso o grupo musical afirma que “La espina dorsal del planeta, es mi cordillera”, pois são os países da América Latina os que mantêm o mundo, pois sem matéria-prima nada se pode produzir.

“Aquí se respira lucha”

Tal afirmação traduz a postura adotada pelos povos latinoamericanos frente aos seus exploradores. Uma postura marcada por rebeldia, combatividade e esperança, que se iniciou com os nativos enfrentando os colonizadores. Mesmo sendo notória a superioridade bélica dos europeus, os nativos que são denominados como indígenas pegaram em armas para defender as suas terras, suas riquezas e suas famílias que estavam sendo roubadas e mortas. Essa postura rebelde se fez presente em toda a história latina e mesmo com a tentativa de controle sobre o território por parte dos Estados Unidos, o povo latino conseguiu estabelecer inúmeras revoluções e governos populares, dentre as quais podemos citar: Revolução Cubana, Revolução Sandinista, Revolução Mexicana, Revolução Boliviana, Reforma Agrária no Peru, Ligas Camponesas de Julião no Brasil, o governo da Unidad Popular no Chile, entre outros. Cada revolução que se estabelecia era um golpe na exploração das potências capitalistas e na influência política norte-americana [sobre a região].

Devido a todas essas lutas marcantes realizadas pelo povo latino, o grupo musical afirma “Soy un discurso político sin saliva”, pois ser latinoamericano é carregar o heroísmo de Che Guevara, a rebeldia de Fidel Castro, a solidariedade de Simon Bolívar e todas as outras características dos diversos heróis desses povos.  Quando o grupo musical traz “Soy la fotografía de un desaparecido”, busca trazer a memória dos milhares de desaparecidos durante as Ditaduras Militares no Cone Sul. E também busca afirmar que por carregar todas as marcas das múltiplas opressões e explorações vivenciadas iria manter uma postura rebelde e de enfrentamento aos seus exploradores, essa postura é evidenciada a partir do trecho “Tampoco pestañeo cuando te miro”, isso indica que não nos amedrontamos, mas sim enfrentamos as mazelas e aqueles que as trazem.

Vale ressaltar que, mesmo com todos os ataques vivenciados pelos povos latinos, aqui ainda adotamos uma postura menos individualista [“Aquí se comparte, lo mío es tuyo”]. Essa solidariedade latino-americana é totalmente demonstrada pela diplomacia médica cubana, que busca sempre enviar médicos a qualquer parte do mundo que esteja necessitada desse auxílio, e também pela postura da Venezuela, que mesmo enfrentando uma pesada sabotagem econômica interna e externa, também enviou médicos para o exterior para ajudar no enfrentamento à pandemia de Covid-19. Além disso, a música reafirma a força dos povos latinos também no trecho “Este pueblo no se ahoga con marullo/Y si se derrumba yo lo reconstruyo”, ou seja, mesmo com as intervenções, ataques e bloqueios imperialistas, o povo latinoamericano se mantém de pé e caminhando rumo à construção de um futuro melhor, somos “El amor en los tiempos del cólera, ¡mi hermano!”, somos companheirismo em tempo de individualismo.

Mesmo possuindo todas nossas riquezas roubadas, possuímos tudo que precisamos. [“Todo lo que necesito, tengo a mis pulmones respirando azul clarito”] Essa frase nos traz uma importante informação, que os territórios latinos são autossustentáveis, ou seja, nós não precisamos das potências, as potências precisam de nós. Sendo assim, devemos formar uma unidade latino-americana. “Vamos caminando, aqui se respira lucha, vamos caminhando, yo canto porque se escucha, vamos dibujando el caminho, vamos caminhando, aqui estamos de pie. ¡Que viva la América! No puedes comprar mi vida.”. A solução para as mazelas geradas pelo capitalismo deve ser construída através de muitas lutas e a América Latina deve decidir sem influência das potências capitalistas o caminho a ser percorrido para se combater a pobreza e a miséria dentro da sociedade, além disso é necessário nos mantermos de pé, pois conforme Che Guevara disse “Os grandes só são grandes pois estamos ajoelhados”. Viva a [verdadeira] América.

[1] GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 12. Edição. São Paulo: L&PM, 1999.

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