O Ministério da Defesa, chefiado pelo general Fernando Azevedo e Silva, publicou na tarde do dia 30/03 uma Ordem do Dia alusiva aos acontecimentos do dia 31 de março de 1964, os mesmos que culminariam no golpe fascista de 1º de abril que submeteu nosso povo a mais de 20 anos de torturas, falta de liberdade, desemprego, extermínio e crise econômica. Mesmo assim, para os gabinetes do governo Bolsonaro, a data é um “marco para a democracia brasileira” . Mais uma vez, os fascistas instalados no governo tentam falsificar a história do país para justificar seus próprios projetos de poder.
Gabriel Borges, União da Juventude Rebelião – São Paulo
BRASIL – Se quiséssemos fazer uma coletânea de documentos desse governo que apontam para um projeto fascista de silenciamento da oposição popular, reorganização das instituições do Estado para um escopo ditatorial e uma agenda econômica extrativista e submetida aos interesses do imperialismo, essa nota ocuparia um espaço especial. Afinal, nela, além de uma narrativa falsificada sobre o golpe de 1964, encontramos o espelho do que o governo Bolsonaro entende por “paz e estabilidade” em um país.
O golpe de 1964 foi uma movimentação da grande burguesia nacional amparada por sua tropa de choque das Forças Armadas para tomar o controle da vida política do país com mãos de ferro, torturando e matando todos aqueles e aquelas que lutavam uma vida melhor, uma democracia mais verdadeira. Verdadeira justiça para os pobres deste país.
O governo vitimado pelo golpe, encabeçado por João Goulart (o Jango), ainda que muito longe de qualquer projeto socialista, caminhava no sentido de mobilizar o povo para uma reforma agrária e para uma agenda econômica mais independente ao projeto do imperialismo estadunidense para os países subdesenvolvidos. Mesmo que o governo Jango fizesse essas movimentações mais tímidas, o movimento popular organizado caminhava cada vez mais no sentido de elevação de sua consciência e de seu papel a cumprir nos rumos do país, convencendo-se da necessidade de lutar para que os exploradores fossem derrubados de seus tronos e a riqueza do país estivesse à serviço de quem realmente a constrói: a classe trabalhadora.
E no sentido de proteger sua própria pele, a burguesia reagiu. Segundo a nota do governo, “reagiu com determinação”. Quantos crimes se escondem atrás de uma só palavra!
Nossa história. E a deles.
Os fascistas de ontem e de hoje sempre necessitaram inventar histórias e inimigos onipotentes para justificar todos os meios que ousam aplicar para se manter no poder. E é comparando a União Soviética – primeira nação socialista do mundo, farol para todos os povos em busca de democracia e liberdade do mundo – aos bandidos nazifascistas (colocando-os dentro da mesma caixinha, a dos “regimes totalitários”) que a Ditadura construiu o mito do perigo nacional, justificando que a escravização do povo brasileiro por um inimigo externo só seria evitada implantando “com determinação” a vigia absoluta sobre toda a atividade de contestação, a censura, a tortura nos porões dos órgãos da polícia, em outras palavras: o terrorismo de Estado.
Curiosamente, o monstro que a ditadura criou para assustar o povo mais se parecia com ela mesma. E o inimigo externo que escravizou o país na verdade foram os Estados Unidos e os bancos internacionais, fiéis apoiadores do golpe, que financiaram uma grande expansão em obras públicas no país para criar uma sensação de desenvolvimento e progresso só para anos depois pedir a conta ao Brasil, uma dívida impagável que os militares jamais arcaram. Enquanto a União Soviética ajudava os povos de África e Ásia a se libertarem das amarras do colonialismo, o Brasil e o bloco capitalista, nos mais diferentes rincões do mundo, firmavam compromissos com regimes remanescentes do fascismo da Segunda Guerra Mundial (as ditaduras de Espanha e Portugal), com políticas coloniais e vários outros regimes de exploração sobre o povo trabalhador.
Essa história ocultada pela nota do Ministério da Defesa ainda falsifica vários outros aspectos daquele momento. À Lei da Anistia de 1979 que, ainda que trouxe vários exilados políticos de volta ao Brasil, também deu aos torturadores do regime a mais ampla impunidade, os fascistas de hoje chamam de “pacto de pacificação”, como se os torturados estivessem interessados em pactuar com seus algozes. Os anos de eleições inexistentes ou fraudulentas são chamados pela nota de um caminho indicado pelos militares que “os brasileiros escolheram”. A censura e a exclusão da oposição popular é aqui ocultada, e se fala em adoção de “métodos para construir a convivência coletiva civilizada” (que tipo de civilização!). E a transformação das instituições do Estado em um aparato repressor é descaradamente chamada de um mecanismo para “estabelecer limites apropriados para à prática da democracia”.
História não se faz em vão
Isso é o que o Ministério da Defesa chama de manutenção da “paz e da estabilidade”. Justamente em um momento do nosso país em que o que o governo Bolsonaro menos tem é paz e estabilidade. Os cruéis ataques contra o povo, como a reforma da previdência, o recrudescimento da precarização do trabalho, as reformas administrativas propostas e, mais recentemente, o descaso do governo às recomendações de saúde contra a Covid-19, orientando o povo a deixar a quarentena em uma clara demonstração de privilégio do lucro sobre a vida, vem escancarando diante do povo a quem serve esse governo. Os panelaços nas grandes capitais do país apontam o desgaste da base popular de Bolsonaro e a organização popular cada dia se mostra como a única saída do povo para vencer essa crise.
Em suma, a burguesia brasileira não está mais 100% segura para implantar seu projeto de exploração. E não é muita novidade o flerte de Bolsonaro com regimes ditatoriais. Mas esse documento mostra com todas as letras o que esse governo entende por “paz e estabilidade”, por “limites para a prática da democracia” (isto é, democracia nenhuma). O governo exalta uma forma política do passado tendo em vista suas preocupações com a forma política do presente. A contenção da oposição que Bolsonaro elogia é o regime de “segurança nacional” da ditadura; o esquema de instituições que ele elogia, é o aparato repressivo da ditadura; o projeto econômico que ele elogia é a ilusão de desenvolvimento e progresso da ditadura escondida atrás da corrupção, do despejo, do genocídio indígena e do endividamento externo. O modelo de democracia de Bolsonaro é a não-democracia. É o fascismo.
A nota termina: “O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou”. Nós, lutadores sociais que almejavam uma sociedade nova, aqueles a quem o fascismo de ontem evitou e o de hoje quer evitar, lhe respondemos: Não conseguirão! Não mentirão para o nosso povo sem serem desmascarados. Não passarão incólumes pelo duro confronto com a História.
Nossa experiência de lutas, nossa inspiração no passado e no presente de duros combates nos aponta o caminho: apenas a organização popular leva à vitória. Apenas o enfrentamento nas ruas ao fascismo, com uma forte organização como Estado-maior das amplas massas revoltadas e insatisfeitas pode por abaixo as pretensões de morte e tortura da burguesia e dos militares.
Para tanto, é preciso vencer o medo e ter coragem para avançar nas lutas que nos são postas. É preciso organização. É preciso UNIDADE POPULAR.