Magno Francisco da Silva, dirigente da UP de Alagoas
A crise do modo de produção capitalista, iniciada em 2008, a maior de toda história do capitalismo, é marcada por uma contradição cada vez mais intensa: ao mesmo tempo que o desenvolvimento das forças produtivas alcança patamares jamais vistos, há uma produção de miséria e desigualdade social como nunca em toda a história. Dito de outro modo, nunca se produziu tanta riqueza e nunca se teve tanta pobreza.
Esse processo é resultado inerente a dinâmica de funcionamento do capitalismo. A cada crise, amplia-se a monopolização da economia e a concentração de renda, resultado da incorporação das grandes empresas de diferentes segmentos por um número cada vez menor de grupos econômicos e uma extração de mais-valia imposta a classe trabalhadora realizando-se de forma cada vez mais radicalizada.
Para se ter uma dimensão da situação, entre 2008 e 2018, ou seja, após uma década de crise econômica, o número de bilionários dobrou no mundo. Entre 2017 e 2018, surgiu um novo bilionário a cada dois dias e as 26 pessoas mais ricas do mundo possuem a mesma riqueza que 3,8 bilhões de pessoas, a metade mais pobre da humanidade[1].
Todo esse percurso, revelador do esgotamento do sistema econômico capitalista, foi pavimentado pelo neoliberalismo, controle cada vez maior da economia pelo capital financeiro e o acirramento das disputas pelo controle do mundo entre os países imperialistas contemporâneos, notadamente, Estados Unidos, China, Rússia, a União Europeia (liderada por Alemanha e França) e a Inglaterra.
Com efeito, podemos observar a ampliação dos conflitos e das tensões militares em diversos países, Síria, Ucrânia, Irã, Iraque, Afeganistão são apenas alguns exemplos. Porém, a disputa entre as grandes potências econômicas também se dá no terreno das intervenções políticas em diversos países, que podemos aqui chamar de ‘economicamente frágeis’[2].
Sem esforço para exercitar a memória, podemos citar a retomada das ações dos Estados Unidos na América Latina, como a derrubada recente de Evo Morales na Bolívia, anteriormente os Golpe contra Dilma Roussef no Brasil, Fernando Lugo no Paraguai, Emanuel Zelaya em Honduras e as diversas tentativas de destituir Hugo Chaves e depois Nicolás Maduro na Venezuela. O objetivo de tais disputas entre as potências imperialistas é nítido: recursos naturais, novos mercados e mão de obra barata[3].
O fato é que o modo de produção capitalista encontra-se num impasse que caracteriza a atual crise econômica como uma crise de superprodução relativa: Na medida em que concentra renda, gerando miséria, diminui a capacidade de consumo de amplas massas, fazendo com que as mercadorias permaneçam estocadas e a crise se intensifique.
Segundo dados da OXFAM, lançado no dia 19 de fevereiro de 2020, os 2.153 bilionários do mundo possuem uma riqueza maior do que 4,6 bilhões de pessoas, aproximadamente 60% da população global[4], um recorde histórico. É absolutamente inimaginável que após atingir os atuais patamares de concentração de renda a burguesia e os seus governos adotem medidas de distribuição de renda.
Para salvar o capitalismo e riqueza dos mais ricos, garantindo a ampliação dos lucros apesar da crise econômica, além das guerras e intervenções políticas para conquistar novos mercados, riquezas naturais e mão de obra barata, a burguesia dos países imperialistas, em parceria com as burguesias subalternas de países como o Brasil, implementa uma violenta exploração da mão de obra, resultado de uma cada vez mais intensa precarização do trabalho. O que explica a combinação entre o desenvolvimento das forças produtivas e da miséria. O objetivo é garantir o máximo lucro com a mínima vida.
Do ponto de vista da política, verificamos um avanço da extrema-direita em todo o mundo. Há uma nova onda fascistização do mundo, plenamente possível de ser compreendida. Imaginemos um moribundo que se mantém vivo apenas com a ajuda de aparelhos, pois bem, o fascismo é o instrumento político encontrado pelo núcleo duro da burguesia, em especial o capital financeiro, para dar sobreviva ao capitalismo.
Para salvar o capitalismo, a fascistização da política funciona nos países como contrarrevoluções preventivas. Por uma série de motivos, que não cabe discorrer no momento, desenvolveu-se uma crise da subjetividade revolucionária eliminando o horizonte imediato de superação do capitalismo, apesar disso, os efeitos da crise econômica sobre os povos do mundo, especialmente sobre o proletariado, são devastadores, geraram e geram revoltas, greves, mobilizações e instabilidade política[5].
Para garantir a implementação das políticas de radicalização da exploração, fortalecimento do capital financeiro, produção de guerras, intervenção de países, enfim, o capitalismo tem optado por um divórcio com as democracias liberais (Zizek 2010[6]). A burguesia precisa de governos altamente repressivos, que exerçam formas superiores de controle dos corpos, que impeça ao máximo a contestação e que promovam um formas mais violentas de domínio ideológico.
Jair Bolsonaro no Brasil, Donald Trump nos Estados Unidos, Boris Johnson na Inglaterra, Viktor Orbán na Hungria e o ex-comediante Volodymyr Zelensky na Ucrânia, são chefes de estado eleitos nos seus respectivos países, podemos citar ainda Jeanine Áñez na Bolívia, que ocupa o posto de presidente após o Golpe Militar contra o Evo Morales. Além de governar países, nos últimos anos tem se verificado avanços eleitorais de partidos fascistas em toda a Europa.
O conteúdo discursivo adotado pela nova onda mundial do fascismo é a reedição atualizada do que já foi utilizado no século XX: a defesa da família tradicional, repressão sexual, o apelo religioso, o nacionalismo, o combate a um suposto inimigo externo que precisa ser destruído junto com seus representantes internos e um discurso antissistema.
Cabe aqui considerar a extrema relevância da atuação das igrejas evangélicas, especialmente as chamadas neopentecostais, na consolidação de uma base social de apoio ao fascismo. O crescimento das teologias da prosperidade e teologia do domínio (CASARA, 2019)[7], promove lideranças religiosas cada vez mais populares e revelam um projeto de poder reacionário muito evidente.
Por outro lado, as ações de resistência ao avanço do fascismo no mundo têm se limitado a reivindicação de bandeiras liberais: a liberdade individual em relação a família, ao sexo, a religião e como contraponto ao discurso antissistema, a defesa da combalida democracia liberal. O atual estágio do capitalismo tem revelado que a autonomia proposta pelo liberalismo é simplesmente ilusória. A determinação do capital sobre a vida, em todas as suas dimensões, jamais permitiu a existência efetiva da liberdade individual, mesmo quando isso parece mais real. O funcionamento da vida e dos corpos sempre foi pautado pela necessidade de reprodução do capital, subordinados totalmente as dinâmicas da sociedade de consumo. Na realidade o fascismo é germinado nos solos das sociedades liberais.
A consolidação do fascismo na atualidade pode estabelecer um recrudescimento jamais visto no que diz respeito a família, a sexualidade e a liberdade política. A cada grande período da história, marcado pela obsolescência de um modo de produção, o conservadorismo reacionário ressurge como um último suspiro. Porém, nenhum outro sistema social, exceto o capitalismo, criou as condições para a destruição de toda a humanidade. Hoje, além dos Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Israel, Paquistão e Coreia do Norte possuem armas nucleares de destruição em massa. Apenas Estados Unidos e Rússia juntos possuem aproximadamente 14 mil ogivas nucleares.[8]
Diante dessa realidade, é fundamental:
- Nenhum diálogo com o liberalismo e suas variantes, como o pós-modernismo;
- Retomar a radicalidade revolucionária e socialista;
- Estabelecer o contato com amplas massas, sobretudo ouvindo-as;
- Não perder tempo tentando convencer um fascista;
- Saber separar um fascista de um enganado pelo fascismo;
- Combater profundamente a coisificação da vida humana;
- Abandonar a arrogância iluminista;
- A melhor maneira de ganhar um trabalhador é reconhecer no tratamento com ele o que ele é: um ser humano;
- Fortalecer a construção da Unidade Popular, instrumento político revolucionário do proletariado brasileiro.
[1] Disponível em <https://oglobo.globo.com/economia/os-26-mais-ricos-do-mundo-concentram-mesma-riqueza-dos-38-bilhoes-mais-pobres-23391701> acesso em 06 de abril de 2020
[2] Um ótimo livro para compreender esse processo: Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes. São Paulo: Expressão popular, 2019.
[3] Todos esses governos estavam bastante longe de serem socialistas, mas todos tem em comum o fato de vencerem a eleições a partir dos anos 2000 representando alternativas ao neoliberalismo e a submissão aos Estados Unidos. Os efeitos do neoliberalismo na economia dos países latino-americanos foram devastadores.
[4] Disponível em <https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/01/oxfam-bilionarios-tem-mais-riqueza-que-60-da-populacao-mundial/> acesso em 06 de abril de 2020.
[5] Desde 2008 acompanhamos greves operárias em vários países da Europa, rebeliões populares como o Movimento dos Indignados e o Ocuppy nos Estados Unidos. Também no Brasil aconteceu as Jornadas de Junho em 2013. O que esses eventos tinham em comum? a) contestavam o capitalismo e eram efeitos da crise econômica; b) não tinham um programa claro; c) negavam as formas tradicionais de política; d) passaram a ser disputados também por forças políticas de direita. Atualmente um processo insurgente tem se desenvolvido no Chile.
[6] Disponível em < http://slavoj-zizek.blogspot.com/2010/01/democracia-corrompida.html> acesso em 06 de abril de 2010.
[7] Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/tudo-deve-ser-simples-e-voce-vai-ser-controlado-sem-saber/> acesso em 07 de abril de 2020
[8] Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/06/internacional/1507284753_073640.html> acesso em 07 de abril de 2020