A resistência à Ditadura Militar Fascista no Cariri

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Levi Rabelo, Cariri – Ceará

Entre os anos de 1964 até 1985, nosso país é marcado por uma sanguinária ditadura militar, tendo à frente os generais e na retaguarda os grandes empresários, a grande burguesia nacional e internacional. Ditadura essa que os fascistas chamam de “revolução”, que uma boa parte da socialdemocracia, dizia-nos para esquecer e “seguir em frente”, que isso era coisa do passado. Porém, os comunistas brasileiros têm um dever para com esse período, o dever de lembrar, um dever com a verdade, a memória e a justiça de centenas de heroínas e heróis que lutaram e tombaram por uma sociedade mais justa.

A luta durante a ditadura possui vários momentos “marcantes”, que associamos a esse período, pois são símbolos da nossa própria resistência popular. No entanto, o processo de combate a esse regime se deu em todos os momentos, em todos os lugares e de várias formas de luta, seja na legalidade, como também na ilegalidade, mesmos os mais distantes dos polos políticos das grandes capitais.

Um desses locais, foi o Cariri cearense, que fica na fronteira com Pernambuco, Paraíba e Piauí, região que tem uma ampla resistência por meio da cultura, serviu de local de atuação, refúgio e rota de fuga para muitos revolucionários que ousaram desafiar o poder dos generais, como são exemplos os casos de José Luiz Guedes (presidente da UNE em 1966-1967), Haroldo Lima (um dos principais fundadores da AP – Ação Popular), além de outras lideranças políticas da época, tanto a nível local quanto nacional.

No Cariri, o golpe foi apoiado pelos coronéis e por grande parte da igreja católica, que chegou a organizar uma “versão caririense” da “Marcha da família com Deus pela liberdade”, como forma de saudar o golpe. Foram caçados os considerados comunistas e seus simpatizantes, efetuando-se prisões arbitrárias e de surpresa, sem poupar professores, pequenos proprietários de terra e qualquer pessoa que desafiasse minimamente a ditadura.

Temos diversos exemplos da resistência nessa parte do solo cearense, como pichações com palavras de ordem feitas para receber o ditador Castelo Branco no Crato, os festivais culturais de protesto contra o regime, a fundação do Movimento contra a ditadura, as passeatas em protesto pelo assassinato de Edson Luís, o trabalho entre os operários de fábricas de cerâmicas do Crato e Barbalha, além do processo de alfabetização de adultos no método Paulo Freire, em Juazeiro do Norte, que servia como trabalho de base da AP.

Dentro desse cenário de intensa luta de classes, o casal de lutadores Eudoro Santana e Ermengarda Sobreira desempenhou um papel essencial, pois foram localizar e apoiar diversos militantes que estavam na clandestinidade, com indicações de locais de trabalho, moradia e local de estudo para seus filhos, ou seja, uma rede de apoio aos lutadores. Além disso, montaram rotas de fuga aos que estavam sendo perseguidos.

A tarefa que desempenharam salvou à vida de vários militantes e facilitou o trabalho político na região. Um bom exemplo foi a atuação do já citado Luiz Guedes, que, enquanto trabalhava de vendedor na CECASA, teve uma liberdade maior para organizar os trabalhadores caririenses, pois Eudoro era diretor da empresa na época, que mesmo sendo vendedor e tendo uma lambreta, não vendia nada, mas para que não ficasse sem nenhuma venda, o diretor fazia com que as vendas feitas diretamente na fábrica entrassem na cota de vendas do ex-presidente da UNE.

No dia 28 de abril de 1974, em Juazeiro do Norte, Silmia Sobreira, professora e escritora de artigos contra a ditadura, e Eudoro Santana foram presos, sequestrados e levados para Recife. Na sede do IV Exército foram covardemente torturados, o papel que cumpriu Eudoro na defesa das lutadoras e lutadores clandestinos no Cariri rendeu torturas ainda mais brutais, demonstrando o papel que cumpriu o Exército na defesa dos interesses da grande burguesia, de repressão, torturas e assassinatos.

Não seria possível falar sobre a resistência do cariri cearense, sem colocar os festivais culturais, a poesia, a música e o teatro, que aglutinavam pessoas em torno da denúncia contra a ditadura sanguinária dos grandes empresários e dos generais, mesmo que, por vezes, não sendo feita de forma explícita, ajudavam a questionar a realidade que o país vivia. Diversos grupos de teatro se formaram para fazer essas denúncias. Um momento marcante na luta do teatro na região foi a apresentação do teatro de José Celso Martinez, na quadra Bicentenário no Crato, da peça “Pequenos Burgueses”, de Maximo Gorki, a peça foi feita de portas abertas, mostrando a rebeldia que deve caracterizar a atuação contra a ditadura.

Muitos foram os artistas que faziam da cultura uma arma pela liberdade, a figura que ficou marcada no cenário nacional foi Patativa do Assaré, emblemático no uso da poesia popular nas críticas aos desmandos da ditadura, contribuindo para jornais populares editados durante esse período, incluindo publicações da clandestina UNE. Segundo Gilmar de Carvalho (pesquisador da obra do poeta), Patativa estava, em geral, ao lado dos comunistas, embora não sendo membro de nenhum dos partidos atuantes na época, chegando a ajudar em jornais da Ação Popular com suas poesias, teve uma participação ativa na resistência do início da ditadura até a campanha pelas Diretas Já e a redemocratização.

Podemos ver que mesmo longe dos grandes centros urbanos, ondem a repressão era “menos estruturada”, a ditadura atacou sem pena os que levantavam suas vozes, ao mesmo tempo em que as vozes não deixaram de se levantar, nem durante os anos de chumbos. Os trabalhadores seguem levantando suas vozes antes, durante e depois da ditadura, não sendo diferente nos tempos que vivemos.

Estamos sob um governo cheio de generais que não tremerão por um segundo sequer em novamente soltar seus cães sob a classe trabalhadora, principalmente aos que lutam pelo fim da exploração humana, lutam por uma sociedade onde os mais pobres não morram nas filas dos hospitais enquanto sobram leitos em hospitais privados e os banqueiros enchem os bolsos como o dinheiro público.

Não podemos tratar a ditadura militar como um passado a ser esquecido, como algo que ficou para trás, devemos lembrar dos nossos heróis e heroínas, lembrar não somente para prestar nossas homenagens, mas para que suas vidas sirvam de exemplo para nossa luta de hoje, que o sangue de Helenira Rezende, Manoel Lisboa, Amaro Félix e de tantas outras e outros que nunca se dobraram para o poder do capital sejam adubo a nossa luta.

Precisamos avançar na organização da classe trabalhadora, da juventude e do povo pobre em cada canto desse país, buscando acumular forças, para que possamos barrar e resistir aos ataques que estamos sofrendo agora e que, certamente, não acabarão por aqui. Seguiremos até a vitória da revolução socialista no Brasil e no mundo.