Géssica Sá Oliveira
RIO GRANDE DO SUL – Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. Podemos ver nessa definição uma ampliação da ideia de saúde. Essa visão, adotada também pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, coloca, juntamente com o bem-estar físico, o estado de saúde mental e a situação social do indivíduo. Ou seja, procura enxergar o ser na sua totalidade, além dos seus sinais vitais, como ele se sente, onde mora, do que se alimenta, se tem uma rede de apoio com que contar, além de outros determinantes sociais.
Esse entendimento de saúde está disposto na Lei Orgânica do SUS, a Lei nº 8080 de 1990, Artigo 3º, que diz: “Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.
Essa definição representa um avanço muito significativo, pois engloba as reais causas de diversos problemas de saúde. Podemos pensar em alguns exemplos desse impacto: uma situação onde diversas pessoas em uma comunidade estão com vermes, e a demanda no posto de saúde por medicamento vermífugo é tão grande que entra em falta. A reclamação é grande e há pressão para que se adquiram mais medicamentos do tipo, entendendo que isso irá resolver o problema. Se ampliarmos o olhar dessa situação, veremos que a comunidade não tem acesso a água limpa e tem esgoto a céu aberto, ou seja, não possui saneamento básico, e que diversas pessoas já trataram sua verminose e voltaram a se contaminar. Neste caso, qual o problema? A falta do medicamento ou ou o saneamento?
Vemos que a política e a economia têm ligação direta com os níveis de saúde da população e que esta deveria ocupar os espaços de discussão dos rumos da sociedade. Estamos vivendo uma crescente privatização e terceirização dos serviços de saúde, que tornam a reduzir a ideia de saúde a uma consulta médica, um diagnóstico e uma prescrição. A lógica em que a saúde é privatizada é uma lógica que lucra em cima da doença das pessoas, que não se importa se aquela comunidade tem saneamento, contanto que ela continue a pagar consultas e consumir os medicamentos para vermes, dando dinheiro tanto para as empresas que prestam o serviço quanto engordando ainda mais a conta da indústria farmacêutica que produz o medicamento.
Além disso, temos a precarização das condições e das relações de trabalho dos profissionais da saúde, que passam a ter como objetivo o cumprimento de metas que não visam à melhoria da qualidade de vida em geral, apenas a quantidade de atendimentos realizados. E perdem sua autonomia de tomada de decisão, quando deixam de prestar contas à população e passam a prestar contas a um patrão que somente visa ao lucro possível de se obter com aquele serviço. O atraso dos salários, as demissões sem justa causa, o não fornecimento dos materiais de proteção necessários para o trabalho são alguns dos relatos dos trabalhadores da saúde nos locais terceirizados.
Podemos ver nos Estados Unidos o fracasso de um sistema de saúde privado que tem obrigado algumas pessoas com suspeita da nova doença a ficar em quarentena no hospital e na saída entrega uma conta de milhares de dólares referentes à estadia, levando à falência milhares de famílias que não têm como pagar por isso.
Também vemos a influência da economia na saúde ao perceber que a principal causa de aumento extensivo de contaminados e mortos pelo coronavírus nos diferentes países foi o adiamento até o último momento das medidas de isolamento social, alegando que a economia não poderia parar. O custo foi e está sendo a vida de milhares de trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo. E aqui no nosso país esses rumos ainda estão em disputa. Temos um presidente que debocha da grave crise de saúde que estamos vivendo e pressiona os governos estaduais para liberarem o comércio e a circulação de pessoas, além do funcionamento das escolas e universidades, com a justificativa de que a economia do país não irá sobreviver a tantos dias de isolamento social e de manutenção apenas dos serviços essenciais.
Mas será que expor e sacrificar os trabalhadores e trabalhadoras, crianças, estudantes é a única solução para o problema? Para resolver esse impasse, podemos considerar que a saúde é um obstáculo na economia e no desenvolvimento de uma sociedade? Ou será esse discurso utilizado para proteger os grandes empresários que veem sua taxa de lucro caindo, os grandes bilionários desse país que vivem como parasitas escondidos com medo de terem suas fortunas taxadas, ou o capital estrangeiro com medo que se paralise o pagamento da dívida externa que retira do Brasil anualmente mais de R$ 1 trilhão?
Não podemos aceitar que negociem a vida do nosso povo e o ameacem com fome e miséria se não se sacrificarem por seus patrões, é momento de defender nosso Sistema Público de Saúde e entender que outras medidas devem ser tomadas para essa crise que se apresenta. É momento de o povo trabalhador tomar as rédeas da situação e cobrar dos poderosos a contenção desta crise.