Heron Barroso
RIO DE JANEIRO – Desde março, quando as medidas de isolamento social passaram a ser adotadas em várias cidades, o Movimento começou a arrecadar doações em dinheiro, alimentos, materiais de limpeza e de higiene. Em dois meses, com apoio da União da Juventude Rebelião (UJR), do Movimento de Mulheres Olga Benário, e do Movimento Luta de Classes (MLC), mais de oito mil famílias em ocupações, bairros de periferia, favelas e conjuntos habitacionais de 58 cidades nos estados do Amazonas, Pará, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal”.
“As famílias e comunidades atendidas pela Rede Solidária são escolhidas com base no cadastro que o MLB está construindo em cada cidade, com prioridade para pessoas organizadas no Movimento que estejam em situação de risco ou de insegurança alimentar”, explica Juliete Pantoja, que coordena a campanha no Rio de Janeiro.
Kleber Santos, do MLB em Pernambuco, avalia que o coronavírus aumentou o desemprego e a fome agravando o risco de morte para as famílias pobres e “como o governo se nega a implantar um programa emergencial de verdade, que proteja essas pessoas e garanta as condições mínimas de sobrevivência durante a quarentena, em favelas e bairros quem está cumprindo esse papel é o MLB e outros movimentos sociais”.
Um Mutirão de Solidariedade
Em Salvador, as 114 famílias das ocupações Luísa Mahin e Maria Felipa, despejadas no ano passado pelo governador Rui Costa, estão sendo acompanhadas pelo MLB. “Estamos levantando recursos junto a sindicatos, pedindo contribuição em dinheiro e alimentos às pessoas, e montando pontos de arrecadação em supermercados para aumentar a quantidade de itens doados às famílias. É um trabalho duro, mas recompensador”, explica Victor Aicau, coordenador do MLB na Bahia.
Em Manaus, uma das cidades mais atingidas pela pandemia no país, graças às doações recebidas por meio de uma vaquinha online, a campanha já ajudou 40 famílias pobres. É também por meio de arrecadação nas redes sociais e doação de apoiadores do MLB que 300 famílias em Pernambuco estão tendo o que comer. Além das cestas básicas, o Movimento ainda doou 150 equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus, numa ação conjunta com o MLC e o Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco (Seepe).
No outro extremo do país, no Rio Grande do Sul, 800 famílias receberam doações de alimentos e materiais de higiene, além de 150 máscaras de proteção. Em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), essas famílias receberam também uma cesta de produtos agroecológicos da reforma agrária não transgênicos. “Esse momento deve servir para estreitar laços entre os movimentos e mostrar que apenas com a união da classe trabalhadora venceremos a crise”, acredita Carla Castro, que coordena a campanha do MLB no estado.
Já em Santa Catarina, o MLB tem assistido 200 famílias de ocupações urbanas em Florianópolis, distribuindo cestas básicas, 150 máscaras de proteção, brinquedos e livros para as crianças e ajudando na construção de uma cozinha comunitária na Ocupação Fabiano de Cristo. “Se o próprio presidente não demonstra nenhuma preocupação com as mortes causadas pela Covid-19, só a solidariedade da classe trabalhadora pode garantir a vida do povo pobre de nosso país”, defende Jahy Pronsato, da Coordenação do MLB.
Só o Povo Salva o Povo
Em Minas Gerais, o MLB organizou um cadastro único de famílias sem-teto em sete cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Até o final do mês de maio, foram distribuídas quase três máscaras e seis mil cestas básicas. O Movimento também atendeu 65 famílias com a doação de botijões de gás, em parceria com o Sindipetro-MG e a Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Nas ocupações coordenadas pelo MLB, pias com água, sabão e álcool gel foram montadas na entrada das comunidades para livre acesso dos moradores. “Temos chamado essa campanha aqui de ‘Periferia Sem Fome’. Todo sábado, militantes do MLB, da UJR e pessoas voluntárias vão de casa em casa nos bairros recolhendo doações para as famílias sem-teto, sempre com o jornal A Verdade debaixo do braço. Cada pessoa que doa e cada família que recebe a doação adquire também um jornal”, relata Edinho Vieira, da Coordenação Estadual do MLB.
Em João Pessoa (PB), 180 famílias são acompanhadas pela rede solidária. “Seria muito bom que outras organizações tivessem esse mesmo compromisso que o MLB tem com o povo”, afirma Niedja Lopes, moradora da Ocupação Nelson Mandela. Além das cestas, 350 máscaras de pano foram distribuídas em comunidades da capital paraibana. O mesmo acontece em Aracaju (SE), Teresina (PI), Belém (PA) e Natal (RN), cidades onde a campanha do MLB atendeu mais de 200 famílias. “Essa ajuda do MLB tem sido muito importante, pois o auxílio do governo não está dando pra resolver. A gente fica muito feliz que o movimento continue atuando mesmo nesse momento tão difícil”, relata dona Zefinha, moradora do conjunto habitacional Village de Prata, em Natal.
Na mesma linha, Poliana Souza, do MLB de Minas Gerais, acredita que das campanhas de solidariedade podem nascer embriões do futuro poder popular. “É impressionante como na periferia as pessoas se mobilizam para ajudar umas às outras. Aqui ninguém tem nada sobrando, mas não pensa duas vezes antes de ajudar o vizinho que está necessitado. Agora, imagina isso no país inteiro! As pessoas percebendo que só o povo salva o povo, que elas mesmas é que precisam tomar os rumos do Brasil, que elas podem governar melhor que esses engravatados, que elas merecem uma vida digna”.
Omissão dos Governos
Fortaleza (CE) é a terceira cidade com mais mortes por coronavírus no país. Na capital cearense e em mais duas cidades da região metropolitana, o MLB tem garantido a alimentação de 430 famílias pobres. “O trabalho é dividido por equipes. Tem companheiros que compram os alimentos, outros higienizam e montam as cestas e tem aqueles que vão fazer as entregas nos bairros”, explica Dianne Glebia, da coordenação estadual do MLB.
“O MLB chegou em 22 bairros levando nossa mensagem de luta com o jornal A Verdade. Não estamos nos sentindo abandonados, pois temos o Movimento, que nos apoia nessa situação tão difícil para o povo pobre do Ceará”, afirma.
O panorama de abandono das famílias mais pobres também se repete em Alagoas, onde o MLB, em parceria com cooperativas de catadores, tem apoiado 260 famílias que vivem da coleta de materiais recicláveis e que, com a quarentena, viram sua renda diminuir drasticamente. “A minha comunidade é composta por 95% de catadores de materiais recicláveis. Graças a Deus e ao MLB, temos a oportunidade de receber alimentos através da rede de solidariedade. Se não fosse isso, a gente teria ficado desassistido, pois sem a coleta seletiva e sem poder comercializar os materiais recicláveis não temos renda, não temos o sustento de nossas famílias”, disse dona Ivanilda.
Em todos os Estados a recepção da população tem sido muito boa. “Temos a oportunidade de levar nossa ajuda e poder conversar com as pessoas, que relatam as inúmeras dificuldades que estão passando, especialmente em receber o auxílio emergencial. Além de cadastros que nunca saem de ‘análise’, existem muitos pedidos negados e longas filas na hora de sacar o dinheiro. Como muita gente tem dificuldade de fazer o cadastro pela falta de aparelho celular ou conexão com a internet, organizamos um mutirão na comunidade para auxiliar”, relata Lucas Barros, um dos coordenadores da campanha em Maceió.
“As brigadas de solidariedade são cruciais na vida das famílias. Nós vamos nas casas delas, perguntamos se estão bem, passamos as recomendações de saúde, entregamos as cestas básicas. O Estado deveria estar fazendo isso, garantindo a vida das pessoas, mas não está. Ao contrário, está matando as pessoas. É um Estado fascista”, denuncia Márcio Alves, do MLB em Diadema (SP).
A luta contra a fome durante a quarentena acompanha a luta contra a Covid-19. “Tão importante quanto impedir a propagação da doença é garantir que todo mundo tenha comida na mesa enquanto durar o isolamento social”, acredita Carol Carvalho, do MLB em Goiás, onde são assistidas 350 famílias da Ocupação Alto da Boa Vista, em Aparecida de Goiânia. “Além das doações, temos feito um trabalho de conscientização sobre os riscos da doença, passando com carro de som nos bairros e desmentindo as informações falsas divulgadas pelo Gabinete do Ódio de Bolsonaro”, relata.
Milena Souza, do Movimento de Mulheres Olga Benário, explica que o movimento vem desenvolvendo ações específicas de apoio às mulheres na ocupação. “Já montamos e distribuímos kits com itens que não estão na cesta básica, mas são fundamentais para as companheiras, como absorventes, fraldas descartáveis e máscaras de proteção”.
A mesma preocupação com as mães e seus filhos existe no Rio de Janeiro, cuja campanha também incluiu a arrecadação de brinquedos e livros infantis. Lá, a rede se mantém graças às doações financeiras e ao recolhimento de alimentos e materiais de limpeza feitos em prédios e condomínios por militantes da UJR. “Ao todo, 416 cestas básicas já foram distribuídas na capital, Niterói e em mais quatro cidades da Baixada Fluminense”, explica Renan Carvalho.
Outras iniciativas importantes também surgiram para construir uma rede solidária no Rio. Entre elas, o pedido de contribuição a sindicatos, a parceria com o Coletivo Linhas do Rio – que produziu mais de 500 máscaras de pano –, agitação com carro de som nos bairros da Baixada e panfletagens e brigadas do jornal A Verdade nas filas da Caixa Econômica. Até um show ao vivo do cantor sertanejo João Victor foi promovido pelas redes sociais para levantar fundos para a campanha. “O MLB se preocupa com as pessoas. Nessa quarentena vejo que o Movimento tem se esforçado muito para apoiar as famílias. O Brasil precisa de movimentos assim, que ajudem o povo”, afirma José da Cruz, trabalhador ambulante atendido pela Rede Solidária no Rio de Janeiro.
Muito Mais que Doação
Já em Brasília, MLB e Movimento Olga Benário atuam juntos no auxílio a 60 famílias de cinco regiões. “Junto com cada cesta distribuímos um exemplar do jornal A Verdade e um panfleto apresentando nossa campanha e esclarecendo sobre a importância de ficar em casa”, explica Guilherme Amorim. “É importante destacar que o que estamos fazendo não é mero trabalho de caridade. Estamos praticando solidariedade de classe e apontando os verdadeiros responsáveis por esta situação, ou seja, os grandes empresários, banqueiros e políticos que governam para atender seus próprios interesses”.
De fato, em todo o país a orientação política que a coordenação nacional do MLB tem dado à Rede Solidária é de fazer dela um instrumento de organização e luta durante e, principalmente, depois da quarentena.
Isso fica claro na forma como a campanha está organizada em São Paulo, o estado com o maior número de casos da Covid-19. Lá, o movimento já atendeu cerca de mil famílias e está construindo, a partir das Brigadas de Solidariedade, comitês populares em vários bairros da região do ABC Paulista. Através desses comitês, os próprios moradores estão organizando ações de solidariedade, como produção de máscaras de proteção, arrecadação e distribuição de alimentos e ajuda no transporte de pessoas doentes para a rede pública de saúde.
“Esse trabalho que temos feito todos os dias em nossos bairros tem a capacidade de resolver uma demanda prática: a fome. Mas é maior que isso. É a construção política que fazemos com cada família atendida pelas brigadas, as denúncias que apresentamos nas páginas do jornal A Verdade e o debate sobre a necessidade de derrubarmos esse sistema econômico que tem assassinado o nosso povo. Com isso, somos testemunhas de que os trabalhadores estão percebendo cada vez mais que podem ser poder”, relata Victória Magalhães, que coordena a rede no estado.
Prova disso foram os vitoriosos panelaços promovidos pelo MLB nas periferias nos dias 31 de março, 21 de abril e 1º de maio (em parceria com o MLC, pelo Dia do Trabalhador). Em todas as cidades onde o Movimento está presente, centenas de moradores de bairros pobres, ocupações e conjuntos habitacionais bateram panela exigindo a saída de Bolsonaro da Presidência da República e a construção de um governo popular. “Dessa forma, o MLB foi vanguarda na organização de panelaços na periferia, mostrando que o povo pobre também está na luta pelo Fora Bolsonaro”, afirma Marcos Antônio, coordenador do MLB no Rio Grande do Norte.
“Nossa luta não é apenas para garantir as condições mínimas para o povo. Queremos o máximo! Queremos um governo verdadeiramente popular”, defende Lucas Barbosa, do MLB em São Paulo. Para ele, “quando alguém se coloca à disposição de ajudar a campanha, muitas vezes sem condições de ajudar a si mesmo, essa pessoa está dizendo, por mais que não saiba disso ainda, que o coletivo é mais importante que o individual, que se organizar é ganhar forças para lutar”.
A Rede Solidária do MLB seguirá mesmo após o fim do isolamento. Passada a quarentena, o Movimento pretende iniciar uma segunda fase com a construção de cozinhas e bancos de alimentos em alguns dos territórios onde atua. “A intenção é tornar a Rede Solidária do MLB permanente, produzindo alimentos e mobilizando as comunidades para lutar pelo direito à segurança alimentar na periferia”, explica Poliana. São sementes do poder popular que estão sendo plantadas hoje para serem colhidas em breve.