Sebastão Costa
ESTADOS UNIDOS – São duas as características que a extrema direita mantém em seu currículo: a insensibilidade e a truculência. Insensibilidade, diga-se, humana e social. Humana no sentido de produzir assassinatos em massa e social vinculada à ausência de qualquer preocupação com a qualidade de vida das populações periféricas.
A truculência está conectada com as metodologias pouco sutis para atingir e/ou manter seus projetos. Na história, os dois personagens mais reluzentes desse time atendem pelo nome de Mussolini, do fascismo italiano, e Hitler, do nazismo germânico.
Durante a primeira metade do século passado, insensibilidade e truculência, de mãos dadas, trucidaram democracias, produziram genocídios. Mas, de olho na pura verdade, há de se convir que o extremismo de direita se modernizou. Adaptou-se ao contexto da democracia, montou na vitrine de crises econômicas e no “antipetismo” midiático para vencer eleições, como nos EUA e no Brasil.
Esqueceram, no entanto, de trocar a roupa da insensibilidade e da truculência. Reconheça-se também o seu pragmatismo. Surfando nas ondas da insensibilidade, atropelam a razão, pisoteiam o normatismo oficial vigente para enxergar apenas seus objetivos políticos.
Essa realidade foi explicitamente patenteada na condução da atual pandemia do coronavírus pelos presidentes desses dois países. A máxima incontestável dentro de qualquer epidemia: quanto mais contatos, mais contágios. E mais infecção e mais doença e mais mortes. Simples assim!
Matéria do respeitado jornal norte-americano The Washington Post expõe a frieza de Donald Trump quando foi alertado pelos serviços de inteligência, no mês de janeiro e fevereiro, da gravidade da epidemia que já estaria entrando no país. O presidente preferiu compará-la a uma gripe comum.
Pouco tempo depois, mesmo diante das evidências de uma invasão violenta e irreversível da Covid-19, o republicano, na contramão das recomendações de todas as autoridades sanitárias mundiais, desaconselhou o isolamento social.
Na carona do arrependimento tardio do presidente, o gigante, tão competente no seu poder econômico, imbatível no seu potencial bélico, em menos de dois meses exibia uma escalada de infecções, batendo todos os recordes no índice de incidência e taxa de letalidade. Recorde, registre-se, ultrapassando a barreira de um milhão de infectados e quase empatando com a soma dos casos e mortes ocorridas em todos os países ao redor do mundo.
Ressalte-se ainda que o coronavírus não vive só de produzir doenças e cadáveres. No seu rastro, seguiu uma dispneia econômica, sem se enxergar no curto prazo, oxigênio para sequer amenizar o declínio aterrorizante do PIB norte-americano de 2020, ano crucial de reeleição. O jeito foi apelar para o pragmatismo cruel, com granadas disparadas em direção à China; morteiros atingindo a Organização Mundial de Saúde.
Cometeu uma heresia: “A OMS é corresponsável pela epidemia”.
E um absurdo: “O vírus foi produzido em laboratório chinês”.
Alguns oligofrênicos acreditam. No Brasil, reconheça-se, a insensibilidade é mais evidente, a truculência mais persistente.
A curva epidêmica em plena evolução, hospitais e UTIs esgotando sua capacidade de atendimento, a multiplicação diária de cadáveres e o presidente contra-atacando o distanciamento social.
Convenhamos que 2022, ano da reeleição do brasileiro, está bem mais distante do que a do norte-americano, mas as previsões são para lá de sombrias na área do euro, queda de 7,5% do PIB; nos EUA, declínio de 5%; e a economia brasileira enterrada em 5%.
A recuperação da economia mundial, conforme projeções do grupo dos países ricos (OCDE) não deve ocorrer no período imediato do pós-coronavírus.
Apeado a essa realidade, o pedigree do presidente entra em cena e o pragmatismo perverso segue estimulando, no discurso e nos gestos, os contatos, os contágios, as infecções, as mortes.
Resumindo: o gigante norte-americano batendo recordes mundiais na modalidade produção de cadáveres e, abaixo da Linha do Equador, o gigante sul-americano exibindo a medalha de ouro na mesma categoria, em toda extensão da América Latina.