De outro ponto de vista: marxismo e os povos colonizados

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Foto histórica de Sebastião Salgado mostra a luta camponesa pelo acesso a terra.

Por Beatriz Contelli
São Paulo

O que diriam os escravizados de São Domingos (Haiti), os zapatistas de Morelos (México), os revoltosos da Frente Sandinista (Nicarágua) e os quéchuas de Lima, se ao invés dos colonizadores, fossem os povos colonizados o personagem principal da História?

Amplamente eurocêntrico, o processo de colonização tem como pressuposto uma dominação cultural e ideológica, que usa uma suposta hegemonia europeia como justificativa para controlar todas as formas de subjetividade e produção do conhecimento.

Em seus escritos, Marx já denunciava que a colonização é, antes de tudo, “o emprego das forças armadas, a violência da conquista de territórios e a submissão de povos”. Propagada como “oficial”, a História dos dominadores reflete uma História de barbárie, de exterminação e de opressão impiedosa.

Contar a História do ponto de vista dos explorados – escovar a História a contrapelo – é desmistificar os feitos da modernidade e desnaturalizar a superioridade de raça. Contar a História do ponto de vista dos vencidos é torná-los mais que meros objetos, e sim sujeitos da História.

Em memória aos condenados da Terra, é preciso se desvencilhar de armadilhas liberais e contar a História do ponto de vista do colonizado, não como um pedido por reformas, mas como o esforço de um povo, para retomar em mãos a sua História.

Não nos esqueçamos que é moralmente inaceitável julgar da mesma forma os colonizados de São Domingos, que fazem uma revolução a fim de abolir a escravidão, e os colonizadores que lutam para eternizar a escravidão e a dominação colonial.

Não nos esqueçamos das elites latifundiárias que usurpou terras indígenas e da luta zapatista para retomar algo que, historicamente, era seu por direito.

Não nos esqueçamos da intervenção militar norte-americana em território nicaraguense e da atuação dos sandinistas em livrar seu país da influência imperialista.

Não nos esqueçamos da devastação do império inca imposta pela colonização espanhola e da perseverança do povo quéchua em preservar suas tradições.

Sufocada pelo colonialismo, a História, ao simpatizar com o vencedor, beneficia os dominadores, e ao entregar-se à classe dominante, esquece dos corpos que estão prostrados no chão.

Marx sabia que o avanço colonial traria em suas mãos o sangue, a miséria e a degradação dos povos. Hoje é preciso que saibamos que contar a História do ponto de vista dos povos colonizados impede que o aliado se transforme em inimigo e o inimigo se transforme em aliado.