Por Juliana Mendonça e Patricia Egerland
UJR – Santa Catarina
Na manhã do dia 07 de janeiro, famílias do povo Kaingang reocuparam o terminal de ônibus do Saco dos Limões (TISAC), em Florianópolis. O local, desativado desde 2005, há anos é utilizado pelos indígenas como abrigo no período em que permanecem na cidade, durante a temporada de verão, para venda de suas artes.
As famílias chegaram por volta das 5h30 e desde às 9h a Polícia Militar e a Guarda Municipal estiveram no local ameaçando o despejo. Rapidamente apoiadores por toda a cidade se mobilizaram para apoiar as famílias Kaingang e impedir qualquer ação ilegal e violenta. São mais de 25 pessoas, incluindo crianças, que vieram da aldeia de Votã, em Benjamin Constant (RS), com o intuito de permanecer até o fim de fevereiro, vendendo as artes e os chás que cultivam.
Os povos Kaingang possuem uma história extensa de ataques e de resistência no território de Santa Catarina. O professor Wilmar da Rocha D´Angelis descreve no Portal Kaingang que, vítimas de guerras abertamente declaradas no tempo do Brasil-colônia e diversas invasões ao longo dos anos, foi apenas em 1902, após incansável luta, que os Kaingang tiveram suas terras demarcadas pelo Estado. Em proporções já muito reduzidas em relação à extensão original, a demarcação não impediu os roubos de terras que vieram com a expansão da agropecuária – cenário que, infelizmente, é até hoje enfrentado pelos povos indígenas de todo o país.
Tradicionalmente a economia Kaingang é pautada majoritariamente na caça, na pesca, na coleta e na agricultura complementar, sendo a última o principal elemento atualmente. Além do aspecto cultural, a mobilidade aldeia-cidade para a comercialização de suas artes que compõem sua cultura material torna-se também uma questão de sustento para trabalhadoras e trabalhadores indígenas.
Neusa Votã Lopes, uma das lideranças indígenas presentes na ocupação, conta que desde os anos 90 os indígenas Kaingang vêm para Florianópolis fazer as vendas na temporada. Sem condições de pagar pelos altos preços dos aluguéis de Florianópolis, as famílias, sem nenhum apoio do governo, se viam obrigadas a permanecer debaixo do viaduto Rita Maria. Assim, há mais de oito anos enfrentam a luta para a construção da Casa de Passagem que possa acolher as famílias indígenas que venham até a capital vender seus materiais, garantindo seu sustento.
Uma vez que a Casa de Passagem nunca saiu do papel, o antigo terminal de ônibus, localizado no bairro do Saco dos Limões, foi cedido como espaço para que pudessem acampar e se alojar durante o período que permanecerem na cidade. Esse já é um movimento que acontece há anos, porém, dessa vez o recém reeleito Gean Loureiro agiu com desrespeito e irresponsabilidade com esse povo.
Desde outubro diversas reuniões foram realizadas entre as principais lideranças indígenas, a FUNAI, a defensoria pública do estado de Santa Catarina e as prefeituras do litoral do estado, além da reunião entre entidades da serra catarinense, com intuito de preparar as cidades para o recebimento de famílias indígenas, como ocorre tradicionalmente, proporcionando o devido acolhimento ao grupo que já é o mais atingido pela pandemia devido ao desamparo das autoridades. Acontece que a prefeitura de Florianópolis, na contramão das propostas realizadas pelas diversas entidades, opôs-se completamente ao acolhimento das famílias indígenas.
O Tribunal Regional Federal da 4° Região emitiu no dia 15 de dezembro de 2020 o despacho que nega a proibição da entrada dos povos na cidade assim como permite a comercialização de suas artes, mas considera, por conta da pandemia, imprudente “incentivar a viagem ou permanência de indígenas em Florianópolis”. Tal decisão desconsidera tanto as tradições dos povos originários quanto a necessidade material da mobilidade e, muito ao contrário de proteger, expõe as famílias ainda mais ao risco de contaminação pelo coronavírus e a tantas outras ameaças, uma vez que não oferecem o devido acolhimento.
“Eles dizem que estão preocupados com a pandemia, mas se estivessem preocupados as praias não estariam cheias. Nós não viemos para passear, para curtir praia, nós viemos para trabalhar, pois o nosso artesanato é o nosso ganha pão. Eu tenho certeza que não é a pandemia o motivo; eles não nos querem aqui porque somos índios.” diz Neusa Votã.
O povo Kaingang permanece firme, resistindo às ameaças de despejo e pedem a solidariedade de todos para o enfrentamento a mais esse ataque por parte do Estado. Além disso, precisam de doações dos seguintes itens: barracas, colchões, roupas de cama e banho, fogão e botijão, itens de cozinha, isopor para armazenamento de alimentos (o local está sem energia elétrica), vassouras e baldes, alcóol 70 e alimentos não perecíveis.
Por uma Casa de Passagem para os povos indígenas em Florianópolis!