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sábado, 14 de dezembro de 2024

Mesmo com colapso na saúde, governador do RS reabre comércio

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“Cobrar que ações individuais combatam um problema coletivo é absurdo”, afirma médica gaúcha sobre situação do RS

por Redação RS

O cenário de horror presenciado nas filas dos hospitais no Rio Grande do Sul nas últimas semanas acendeu o alerta para a situação de colapso vivido no estado. Já são mais de 16 mil mortos por covid-19 desde o início da pandemia, sendo um quarto dos óbitos registrados apenas em 20 dias deste mês. Ao mesmo tempo em que a situação tem ficado cada vez mais grave, o governador do estado, Eduardo Leite, anuncia o retorno da co-gestão e flexibilização das medidas restritivas. O Jornal A verdade entrevistou nesta semana a médica do SUS na cidade de Sapucaia do Sul, Amanda Bittencourt, sobre o momento que o RS vive. 

A Verdade: Como o RS chegou a atual situação com UTIs superlotadas, pessoas falecendo na espera de um leito e altos índices de contágio? 

Amanda: Chegamos nessa situação por incompetência de gestão. Federal, estadual e municipal. Quem trabalha na linha de frente via que esse seria o cenário após abertura do comércio, aglomerações de Natal e ano Novo e nas praias no verão. A nova variante da Covid-19 também ajudou, mas era um cenário previsível do ponto de vista de que sabemos que é um vírus e vírus mutam para se adaptar às nossas defesas. Acho importante resgatar o conceito de pandemia, que é algo global. Cobrar que ações individuais combatam um problema coletivo é absurdo. Se a opinião dos especialistas, se a ciência tivesse sido escutada, não estaríamos nessa situação. 

A Verdade: Quem você vê como o principal responsável pelas milhares de mortes no RS?

Amanda: O Estado e o capitalismo. Muita gente lucrou com a pandemia. Só quem empobreceu foram os mais pobres, forçados a se aglomerar nos transportes coletivos, a se arriscar a trabalhar pra gerar lucro. Me diz como eu vou dizer pra um paciente que ele pode se aglomerar no trem com o vizinho todos os dias de manhã e no final da tarde, mas não pode se aglomerar com esse mesmo vizinho pra almoçar no final de semana? Não faz sentido culpar o indivíduo, ainda mais o trabalhador. Eduardo Leite, Marchezan e agora Melo têm sangue nas mãos. Além do genocida do Bolsonaro, claro. 

A Verdade: O RS é o 4º estado mais rico do país, mas mesmo assim o sistema de saúde entrou em colapso nas últimas semanas, esse problema é resultado de uma má gestão ou falta de investimento? 

Amanda: Na verdade é um reflexo das duas coisas. A gente sabe que a PEC dos gastos, que na verdade não são gastos, são investimentos, também atrapalhou muito porque limitou muito os recursos pra saúde e pro SUS principalmente. E mesmo sendo um estado muito rico não tem dinheiro, não adianta. Quem frequenta o SUS sabe que a estrutura é muito precária e que muito do que se consegue fazer com o sistema que tem (no papel ele é ótimo mas falta investimento e falta gestão), é porque os trabalhadores acreditam no SUS. O que atrapalhou muito também foi a troca de gestão municipal. Vários cargos são por indicação e não necessariamente quem ocupa esses cargos está qualificado pra exercer.

A Verdade: Como você analisa a compra individualizada das vacinas por parte dos municípios? Isso não reforça a desigualdade entre as cidades? 

Amanda: Eu entendo por um lado essa compra individualizada de vacinas, por que quem deveria estar fazendo essa compra não fez, debochou, que é o genocida do Bolsonaro. Mas ela não é viável porque tem regiões do país que são mais ricas que outras, então seria privilegiado essas regiões, seriam vacinados os ricos, mas quem morre mais são os pobres. E também porque nosso sistema de saúde é único, é universal, e a gente sempre trabalhou desse jeito. Vacinação nunca foi algo individualizado por estados e municípios. A gente já fez campanhas gigantescas. A vacinação da H1N1 foi enorme, muito bem sucedida e foi feita como preconiza o nosso sistema de saúde, que é de maneira nacional. O governo federal deveria ter adquirido essas vacinas e não adquiriu. 

A Verdade: Eduardo Leite se colocou como pré-candidato à presidência da República tentando se diferenciar de Bolsonaro, porém defende o retorno das aulas presenciais. O sistema de saúde está preparado para um possível retorno? Quando seria ideal? 

Amanda: O Eduardo Leite tenta se diferenciar do Bolsonaro mas a gente sabe que não é nada diferente, até por ele pertencer ao PSDB. O partido dele tá do lado do Bolsonaro diversas vezes. O que me parece que está acontecendo é que ele tá cedendo a algumas pressões, mas na prática não se diferencia em nada da postura do Bolsonaro. Ele só não fala tanta besteira e usa máscara, mas na prática não se diferencia porque as pessoas estão morrendo. 

Dizer que o retorno das aulas presenciais é um crime não é nenhum exagero. Primeiro que a gente precisa aprender com a experiência de outros países. Todos os países que retornaram, de uma maneira mais precoce, tiveram que suspender de novo, e estavam em momentos de baixa de curva, um momento melhor que o nosso. E a gente precisa desmistificar isso de que criança não morre de covid, adolescente também morre de covid. Essa nova variante não tem o mesmo perfil, tá matando todo mundo. Então é uma irresponsabilidade muito grande, porque colocar alunos não vacinados numa sala de aula, professores não vacinados, e quando tentaram isso no município de Porto Alegre, teve muitos casos de funcionários, professores principalmente, contaminados. Sem que essas pessoas estejam vacinadas, não é possível um retorno das aulas presenciais. 

A Verdade: Por fim, como você acha que poderíamos superar a atual situação no RS?

Amanda: Não tem outra solução a não ser vacinar. Não tem como voltar com as atividades normais, apesar da gente já estar praticamente nisso, ignorando todas as mortes. Temos muitas mortes, o nosso serviço de saúde tá completamente colapsado, sem leito, sem respirador, não tem mão de obra. Não adianta comprar respirador e jogar as pessoas em qualquer lugar. A gente precisa de mão de obra e não tem. No momento deveríamos fazer um lockdown, de verdade. Tiveram países que fizeram passes, em que as pessoas não podem sair a hora que querem. Isso é uma atitude coletiva, epidemiológica. Eu não vejo como fazer isso com menos de um mês. Mas sem auxílio, lockdown e vacina, a gente não vai superar isso. Ou na verdade, podemos seguir assim, uma hora vamos vacinar todo mundo mas vai morrer muita gente nesse processo. A gente também tem a questão ambiental. Vamos enterrar muitas pessoas e o necrochorume pode contaminar o lençol freático, então podemos sair da covid e entrar em outras doenças.

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