Carla Castro*
OPINIÃO – Sabemos que temos muito a avançar no que diz respeito à luta das mulheres. É fato que tivemos direitos importantes conquistados como ao voto, a estudar e a se divorciar. Porém, um questionamento precisa ser feito: a luta das mulheres com deficiência tem a atenção do movimento feminista? Recentemente, apresentei um anteprojeto para ingresso no mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) abordando o seguinte tema: uma leitura marxista-leninista sobre o apagamento das conquistas do movimento feminista a partir da luta das mulheres com deficiência.
Nesse sentido, sabe-se da história de Frida Kahlo e Maria da Penha, duas grandes mulheres reconhecidas mundialmente por levantarem pautas femininas como a participação na política e na questão da violência de gênero, mas pouco se fala da condição que as duas tinham em comum: serem mulheres, revolucionárias e com deficiência.
Frida Kahlo nasceu com uma deficiência que se agravou na adolescência após um acidente, fato que não mudou a sua concepção comunista. Pelo contrário, levou atividades do Partido diversas vezes para sua casa. A ousadia sempre foi uma de suas marcas. Já Maria da Penha ficou paraplégica após 23 anos de casamento e o marido tentar assassiná-la duas vezes. Na primeira vez, foi com arma de fogo e na segunda foi eletrocussão e afogamento. Após sua recuperação passou a lutar contra a violência de gênero e hoje é um expoente internacional no que tange as pautas feministas.
Se a problemática de gênero e de cor são fatores determinantes para a opressão, não é difícil imaginar como fica a situação de uma mulher que não pode, teoricamente, cumprir papéis que a sociedade patriarcal evidencia a todas. Perguntas como: você não pode engravidar? Mas como você consegue trabalhar e estudar? São ouvidas cotidianamente. Enquanto as mulheres sem deficiência que atendem a demanda capitalista são cobradas, as mulheres com deficiência são esquecidas e apagadas da história. A comprovação disso é o artigo Novos diálogos dos estudos feministas da deficiência, publicado na Revista Estudos Feministas de Florianópolis que aponta a falta de produção acadêmica sobre a presença de mulheres com deficiência no movimento feminista nos últimos 15 anos.
Os números mostram que somos as pessoas com menor grau de instrução, as esquecidas nas cadeias, as que mais sofrem violência doméstica. No Brasil, 56,57% da população com deficiência é composta por mulheres, 30,9% das mulheres negras são mulheres com deficiência, mulheres com deficiência possuem menor acesso ao trabalho (38%) que mulheres sem deficiência (46%).
Aqui é preciso refletir também sobre a violência aos nossos corpos. Somente o Estado de São Paulo teve um aumento de 60% nos casos de lesão corporal à mulheres com deficiência em 2020. Vale lembrar que esse número é uma subnotificação, já que sabemos que muitas mulheres sequer registram ocorrência por medo ou por falta de acesso, por exemplo.
No início deste artigo, falei que este é o tema que levantei como proposta de projeto para o ingresso no mestrado. O resultado veio enquanto estava escrevendo esse texto. Por coincidência uma universidade pública que não respeita a Lei de Cotas e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois não reserva vagas para PCDs em seu Programa de Pós-graduação em Ciência Política, me reprovou por 0,25.
Enquanto os liberais insistem em comemorar com flores e dando cosméticos de presente às mulheres no dia 8 de março, nós, que resistimos todos os dias à falta de políticas públicas, só queremos que o nosso direito de estudar, de trabalhar e de viver seja respeitado. É por isso que nos organizamos no Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e na Unidade Popular pelo Socialismo.
Para encerrar, insisto a pergunta que fiz no título: o seu feminismo contempla as mulheres com deficiência?
*Mulher com deficiência, coordenadora estadual do MLB/RS