Por Luiza Rodrigues1
Antes de tudo é preciso dizer qual é o objetivo do CAPS(Centro de Atenção Psicossocial). Que é oferecer atendimento à população com adoecimento mental grave ou persistente, realizar o acompanhamento clínico com profissionais da área da saúde como médicos psiquiatras, clínicos gerais, farmacêuticos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, psicólogos, terapeutas ocupacionais, arte-terapeutas e outros, além de promover a reinserção social dos usuários através do trabalho, do lazer, do exercício dos direitos civis e do fortalecimento dos laços familiares e comunitários. O modelo do CAPS foi implementado pela primeira vez em São Paulo, em 1987, e a partir daí foi pouco a pouco chegando em todo o Brasil.
A importância deste novo modelo de atendimento psiquiátrico é que com ele e através dele os usuários são gradualmente reinseridos na sociedade, cada um em seu próprio tempo. Nos hospitais psiquiátricos (outrora manicômios), o paciente passava anos internado, quando não a vida toda, totalmente privado de liberdade e de contato social. A responsabilidade com o paciente era do Estado e hoje, neste novo modelo, trazemos essa responsabilidade para a família com o seu ente querido. Por isso, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) têm sido considerados um dos avanços mais significativos da Reforma Psiquiátrica brasileira.
O CAPS certamente é a figura mais importante no que diz respeito à humanização da saúde mental. Como poderemos incluir aqueles que precisam de uma atenção especial em sua saúde mental? Os CAPS, sendo um serviço destinado a promover a Reabilitação Psicossocial, avançam em direção à construção de outro modelo de atenção, voltado à integração, em substituição aos serviços hospitalares psiquiátricos, que têm por objeto de intervenção a doença mental e não a pessoa em seu contexto de vida. Contrariamente, o projeto do CAPS apresenta como preocupação central o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana. Além de ir ao encontro das necessidades atuais da sociedade, onde não cabe alienar a pessoa, acolhe também suas necessidades dentro da sociedade que vive.
A internação não promove benefícios e sim atrasa a sua recuperação social, mesmo que ocorra melhora em sua saúde mental ao retornar ao convívio social onde pode encontrar fontes para alimentar suas dependências ou representações mentais, desqualificando o atendimento proposto através da internação. Ainda acrescento que podemos combinar os métodos na expectativa de encontrar um melhor atendimento aos usuários dos serviços de saúde mental, o que é possível e interessante, partindo do pressuposto de que o atendimento dos CAPS também promove essa iniciativa e também tem opção de internação dentro do CAPS (desde que seja tipo III). Esta internação é comum para pacientes que estiveram recentemente internados ou em momento de agudização do transtorno.
Hoje, a internação em hospitais e clínicas é recomendada apenas em caso de extremo adoecimento e risco de vida para si e para o outro. Vale ressaltar que aquele que se encontra em situação de exclusão social (pode parecer retórico, mas) já está excluído. O que esse sujeito precisa não é apenas de mudar de lugar onde vive (no caso, uma internação): o que precisa é ser incluído. Isso é mais do que dar um tratamento para melhorar sua saúde mental pois “inclusão” é um termo completo que envolve a mudança de toda a vida da pessoa em decorrência de apoio e de sua vontade, o que, além de ser moral, também segue parâmetros éticos.
Tipos de atendimento em CAPS
O tipo de atendimento realizado pelos CAPS tem perspectiva do modelo de saúde ampliada, abandonando a visão de saúde como ausência de doença, na qual a atenção à saúde se voltava para um modelo biomédico, ou curativista ou positivista. Era um jeito de perceber o sujeito fragmentado, em quem a forma de cuidado era estritamente biológica ao mecanismo de cura e agente causador da doença, privilegiando os sinais e sintomas e o uso de medicações. “O serviço CAPS sai desse modelo de atenção em saúde e se operacionaliza dentro de uma atenção em saúde, na qual o sujeito é visto de forma integral, em sua dimensão biopsicossocial e cultural, levando em consideração os contextos nos quais está inserido socioeconomicamente, de modo indissociável” (CAMPOS, 2005).
Os CAPS se diferenciam como CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPS AD, de acordo com os tipos de demanda dos usuários atendidos, da capacidade de atendimento e do tamanho. Os CAPS I oferecem atendimento a municípios com população entre 20 mil e 50 mil habitantes tendo uma equipe mínima de 9 profissionais de nível médio e superior. Os II oferecem atendimento a municípios com mais de 50.000 habitantes e opera com uma equipe mínima de doze profissionais, com nível médio e superior. Os III são caracterizados por serem os serviços de maior porte da rede. Com uma previsão de cobertura para municípios com população acima de 200.000 habitantes, funcionam 24 horas por dia, inclusive em feriados e em fins de semana. Equipe mínima de 16 profissionais com instrução entre nível médio e superior, equipe noturna e de final de semana. Este tipo de CAPS oferece acolhimento noturno, se necessário, realizando internações curtas, de algumas horas, a no máximo 7 ou 10 dias. Estas permanência e internações temporárias devem ser compreendidas como recurso terapêutico, que visa a evitar as internações em hospitais psiquiátricos, promovendo uma atenção integral às pessoas que buscam o serviço do CAPS.
O CAPSi é um tipo de serviço especializado em atender crianças e adolescentes com transtornos mentais e se operacionaliza em municípios com população acima de 200.000 habitantes. O trabalho é realizado com uma equipe mínima de 11 profissionais com instrução entre nível médio e superior. Os CAPS AD focam o atendimento a pessoas que utilizam o álcool ou outras drogas de maneira prejudicial, em cidades com mais de 200.000 habitantes, aquelas que estejam nas fronteiras ou, ainda, as que façam rota de tráfico de drogas e possuem relevantes cenários epistemológicos, que precisem deste tipo de serviço para responder de forma eficaz à demanda da saúde mental. É composta por uma equipe mínima de 13 profissionais, entre nível médio e superior.
Os usuários que permanecem um turno de quatro horas nos CAPS recebem uma refeição diária; os assistidos em dois períodos (oito horas), duas refeições diárias; e os que estão em acolhimento noturno nos CAPS III e permanecem durante 24 horas contínuas devem receber quatro refeições diárias. A frequência dos usuários nos CAPS dependerá de seu projeto terapêutico. É necessário haver flexibilidade, podendo variar bastante.
Opinião dos usuários
“Eu faço tratamento há oito anos em CAPS. No começo foi difícil ter confiança no trabalho deles. Mas com o avanço das crises, era lá que eu recebia primeiro suporte. Passei por três CAPS: Apiúna, Blumenau e Ibirama, todos em SC. Em Apiúna, não havia atividades em grupos, somente tratamento individual. Faltavam profissionais. Em Blumenau, tinha algumas oficinas terapêuticas que ajudavam na criação de vínculo afetivo com a instituição e com outros pacientes também. Em Ibirama, também há atividades em grupos (no momento atual está suspenso devido à pandemia). Faço tratamento há quatro anos com os mesmos profissionais. Criei um vínculo muito forte com o CAPS. Atualmente, estou com um quadro estável e graças às especializações dos profissionais. Já tive medicação assistida pelas equipes. Hoje, cuido sozinho dos meus remédios. Fiz grandes amizades com outros pacientes.”
“Eu nunca usei para mim, mas levei por anos meu afilhado ao CAPS. Sou psicóloga e atendo na linha de psiquiatria, eu vejo o CAPS com muitas falhas e descaso, o doente mental leve, moderado ou grave com um tratamento assertivo e apoio das famílias ele pode ter uma qualidade de vida e ser produtivo, mas o atendimento multidisciplinar é falho e existe descaso e falta de compaixão. Fiz na minha formação um voluntariado no CAPSi do Jabaquara, propus uma atividade para mães de autistas. Foi uma experiência ímpar, de frutos com as dinâmicas, tivemos uma evolução tão grande na idealização dos CAPS, mas precisa de um olhar mais humanizado, além de faltar remédios, diagnósticos sem avaliar a árvore genealógica com mais detalhes Quando eu frequentava para levar o meu afilhado, tem pessoas que vão e não tem nem o transporte para ir, imagina ter o dinheiro para um lanche que às vezes não tem e remédios também, mas são fatos! Talvez se a população tomar a frente por que os órgãos responsáveis não tem interesse e a doença mental é vista com muito preconceito.”
“O CAPS pra mim é tudo pois sou filho único e sinto falta das sociabilidades dos colegas. Os técnicos não dão assistência à gente muitas vezes, não querem contato com a gente e são muito burocráticos.”
1 Luiza Rodrigues de Souza, estudante de Artes Visuais da UFPE e extensionista do Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano.