Gabriel Bertho
SÃO PAULO – O consumo excessivo de álcool é um tema complexo que passa pela organização da sociedade e está relacionado a problemas estruturais do capitalismo, como a desigualdade social crescente e a falta de políticas públicas para acesso à cultura e lazer. Prova disso é que, segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), os problemas com abuso de bebidas alcoólicas são mais comuns em famílias com alto nível de vulnerabilidade social.
Com o aprofundamento da crise capitalista e a piora das condições de vida dos trabalhadores, o alcoolismo se torna cada vez mais presente, sendo que, segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 10% da população enfrenta graves problemas relacionados a este consumo. Fato é que o abuso de álcool geralmente é resultado da tentativa de fuga dos problemas sociais (CISA, 2013), mas ao invés de resolver esses problemas, somente impulsiona suas consequências, como a violência, o abandono escolar, doenças, etc.
O abuso de álcool é, portanto, um dos inúmeros indicadores de uma sociedade doente, que coloca o capital e o lucro acima do bem estar coletivo. A falta de políticas públicas que diminuam a desigualdade social, associada com a elitização do acesso ao lazer, cultura, esporte e outras atividades para a mente e o corpo, contribui para que, cada vez mais, as pessoas procurem no álcool uma saída à rotina extenuante de trabalho, cuidado do lar, falta de recursos e todos os problemas enfrentados no cotidiano.
Segundo pesquisas do IBGE, o acesso à cinemas ou museus é, em média, 15% menor entre pretos e pardos do que entre brancos e mais de um terço das crianças e adolescentes de até 14 anos de periferia não têm acesso a algum tipo de lazer cultural. Dessa maneira as periferias vão se tornando, pela falta de oportunidades e perspectivas, locais mais vulneráveis a proliferação do abuso de álcool.
A burguesia incentiva o consumo através de sua propaganda, tentando transformar as bebidas alcoólicas em símbolo de liberdade. Com isso conseguem entorpecer os trabalhadores, aliená-los e lucrar bilhões de reais todos os anos vendendo bebidas de baixíssima qualidade, sem valor nutricional relevante e que geram graves problemas para quem as consome.
A história do álcool como parte da dieta humana data de tempos pré-históricos e estudos recentes demonstram que o consumo reduzido e consciente de bebidas alcoólicas, em especial cervejas e vinhos, pode ser fonte importante de antioxidantes, minerais e vitaminas, além de influenciar positivamente a redução do risco de mortalidade precoce (OGBONNA, A. C., 2017). No entanto, as bebidas que podem ser benéficas para a saúde quando consumidas de maneira consciente são transformadas pelo capitalismo em artigos de luxo, acessíveis apenas aos ricos e limitando aos pobres aquelas que entorpecem mas não servem de complemento à nutrição humana.
Nesta perspectiva, é fundamental discutir o consumo de álcool sob uma perspectiva de classe; garantir uma ampla campanha de combate ao abuso para garantir o consumo consciente, explicar a origem e os efeitos das bebidas, garantir a democratização do acesso a alimentação de qualidade para todos e não apenas para os ricos, garantir a democratização dos espaços e atividades de lazer e cultura, assim como outras mudanças que reduzam a desigualdade e melhorem a vida da classe trabalhadora são alguns dos alicerces necessários para a construção de uma sociedade em que o álcool seja apenas parte da alimentação do brasileiro e não uma chaga social.