Rodrigo Fuscaldo*
RIO GRANDE DO SUL – As redes sociais estavam em alvoroço nos últimos dias, pois o Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), se assumiu homossexual em entrevista a Pedro Bial. Na sua própria “saída do armário” Leite deixou claro: “Sou um governador gay, não sou um gay governador”. Mas o que essa frase, aparentemente sem sentido, quer dizer?
Podemos ter essa resposta ao analisar o passado (não tão distante) de Eduardo Leite. Nas eleições presidenciais de 2018, concomitantes com a sua própria disputa com José Ivo Sartori (MDB) para o governo do Estado do RS, Leite se apressou em seguir o adversário e apoiar o então candidato Jair Bolsonaro (sem partido) publicamente. Tratava-se de uma manobra oportunista para surfar na onda crescente do bolsonarismo e disputar votos com Sartori, além de uma demonstração de alinhamento político, que ficou evidente com a política aplicada após a sua eleição.
Leite trabalhou incansavelmente a serviço do Capital, precarizando serviços públicos para facilitar as privatizações, mantendo o parcelamento dos salários dos servidores estaduais, atacando os direitos trabalhistas e previdenciários e cortando o salário dos trabalhadores em greve, além de agredi-los fisicamnte com bombas de gás e cassetetes através da Brigada Militar. Não implementou nenhuma política pública contra a opressão à população LGBT+ em um dos estados que mais mata pessoas transexuais e travestis no Brasil e, além disso, nunca se manifestou em repúdio às incontáveis declarações LGBTfóbicas e machistas de Bolsonaro. Ainda, aplicou poucas restrições para conter a COVID-19, inclusive pressionando professores a voltarem às aulas num dos momentos mais críticos da pandemia. Não podemos esquecer também que, sob sua gestão como prefeito da cidade de Pelotas, dezenas de mulheres morreram devido a resultados falsos em testes de câncer realizados pela prefeitura.
Agora, com o desgaste evidente do Governo Federal pelas manifestações que ocorrem no país inteiro, Leite tenta arrecadar capital político ao usar uma pauta muito importante, como a representatividade LGBT+, para se distanciar de Bolsonaro (até ontem aliado) e se colocar como uma “terceira via”, um caminho de “centro” a um Brasil “menos polarizado”, uma “renovação da política”. A questão é que não existe nada mais velho do que a direita brasileira e a política liberal.
Mesmo distante em palavras, o PSDB vota religiosamente junto com a base de Bolsonaro nos inúmeros ataques ao povo, como a reforma administrativa e previdenciária, os cortes de investimentos sociais, a liberação de agrotóxicos e a legalização cada vez maior do desmatamento. Com um discurso mais ameno, mas igualmente anti-povo, e sobretudo com uma abertura maior para investimentos publicitários governamentais, a Rede Globo vê em Leite uma possibilidade mais tragável de arrocho para os trabalhadores e favorecimento da burguesia, bem como um aliado contra as lutas populares.
É fato que, com o crescimento das manifestações pela derrubada de Bolsonaro, cresce também a esperança dos trabalhadores na construção de um governo dos próprios trabalhadores, a construção da sociedade socialista. Por isso, a burguesia e sua mídia trabalham a todo o vapor para esmaecer a luta da classe trabalhadora, seja apagando de sua programação as milhões de pessoas ocupando as ruas em meio a pandemia para derrubar o governo, seja fazendo propaganda eleitoral antecipada de seus candidatos. A burguesia, sua imprensa e partidos também tentam reduzir a luta das mulheres, dos negros, indígenas, pessoas com deficiência e LGBT+ à simples luta por visibilidade e representatividade, ignorando as explorações que perpetuam nos trabalhadores desses grupos.
Ao dizer que é um “um governador gay, não um gay governador”, Leite também quer se distanciar dos LGBT+ que participam de movimentos sociais e lutam efetivamente pela melhora de suas condições de vida e propaga a visão do gay mais higiênico aos olhos da burguesia: branco, cisgênero, masculinizado, moralista, rico, representante do que poderia ser um “bom gay”. Muitas pessoas, inclusive políticos de esquerda, saudaram a “coragem” de Eduardo Leite ao se assumir gay em rede nacional e ressaltaram que era um passo importante para a representatividade LGBT+. É claro que se assumir pode ser algo desafiador e quanto mais visibilidade se dá ao fato de que a homossexualidade, bissexualidade e transssexualidade são questões ordinárias, mais propensas estarão as pessoas LGBT+ a saírem do armário, mas isso não diminui o dano a esta população (cuja esmagadora maioria é composta por trabalhadores ou pessoas em sub-empregos) causado pela negligência do governo de Leite.
Do mesmo modo que Damares ou Margaret Thatcher não representam as mulheres trabalhadoras e Hélio Lopes o movimento negro, não basta ser gay para representar o povo LGBT+, que segue sendo vítima no país que mais mata LGBT+ no mundo e que pena pela ausência de políticas públicas mais efetivas. Sendo assim, é cada dia mais importante que se dê o devido destaque e apoio aos LGBT+, negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência socialistas que lutam diariamente para sua própria libertação enquanto classe trabalhadora. Clamamos aos LGBT+ que não se iludam com o discurso dos liberais e que venham às ruas para derrubar Bolsonaro e sua corja e construir o poder popular e o socialismo. O fim da opressão às ditas minorias só será definitivo com o fim da exploração capitalista, com a tomada do poder político pela classe trabalhadora. E cada LGBT+ que luta pelo liberalismo, como Eduardo Leite, luta contra a libertação das pessoas que diz representar.
*Trabalhador da UFRGS e militante do MLC e da UP no RS.