Michael Rocha
SÃO PAULO – Percebe-se cada vez mais na mídia internacional obras que têm como seu núcleo uma crítica (velada ou escancarada) sobre os males do capitalismo. Não obstante, conforme novos indivíduos se formam com um enorme consumo dessa mídia na internet, cresce também o número de jovens que sabem hoje que o capitalismo já não cabe mais, apontando muitos (se não todos) problemas atuais a esse sistema que se mantém pela desigualdade econômica e social. Mas seria tal noção verdadeiramente mobilizadora? Ou será que o anticapitalismo presente na mídia na verdade é apenas uma forma de fazer com que consumidores sintam que fazem o suficiente? Assim, os tornando, de uma forma quase que paradoxal, alienados quanto à realidade que os rodeia?
Em Squid Game (trazido para o Brasil como Round 6), 456 pessoas endividadas são levadas para uma ilha deserta onde competem contra si em jogos infantis para, no final, serem o ultimo jogador e levar para a casa o prêmio em dinheiro que aumenta a cada eliminação, que nada mais é do que o assassinato de uma pessoa por perder o jogo. Uma das regras desse jogo é que os jogadores podem parar quando quiserem, se a maioria decidir. Em um momento, assim o fazem, mas ao voltarem para suas realidades logo são lembrados dos motivos que os fizeram aceitar a participarem do jogo e a renunciarem sua integridade física para fazê-lo. Outra pauta bastante frisada pelos organizadores do jogo é que todos os jogadores são iguais e que tal igualdade é o cerne dos jogos, garantindo que todos tivessem a mesma chance de saírem dali com o prêmio em dinheiro. No final, o jogo não passa de uma forma de entretenimento para a grande burguesia internacional, que aposta em cima dos jogadores como cavalos e se diverte vendo amigos, vizinhos e até casais se voltarem uns contra os outros de forma violenta para conseguirem ganhar.
Não é difícil entender quais as alegorias apresentadas pela série, sendo as mais constantes o falso discurso da meritocracia, a competição desenfreada, a falsa liberdade individual e a divisão da sociedade em classes antagônicas. Tais alegorias, entretanto, irão passar batido numa esmagadora parcela da audiência, fazendo com que os problemas apresentados não causem de fato a radicalização necessária em cada um para a mudança de sociedade, mas sim mais alienação e maior consumo de tais mídias. Apresentar problemas latentes de nossa sociedade no grande aparelho midiático burguês, mesmo que na mais crua analogia, nada serve para suas soluções devido a forma de que esse mesmo aparelho historicamente opera sem uma resposta de intervenção. Ao não apresentar em conjunto a forma em que tais problemas podem acabar (taxação e expropriação das grandes fortunas, socialização dos meios de produção, estatização das empresas privadas, etc), a mensagem passa batida pela audiência que, ao entender as analogias criadas pela obra, se sente confortável com tal entendimento (de que o mundo é injusto e mal, e que sua causa é o capitalismo), e se acomoda na realidade terrível em que vive devido a alienação.
Pode-se dizer, então, que as últimas grandes obras que atingiram a massa consumidora de mídia internacional que pautam os males do capitalismo (Okja, Parasita, Sorry to Bother You, Hadestown) servem quase como um cabresto para quem as consome, deixando-as apenas enxergar a parte que convém e lucrando muito bem disso, causando radicalizações que muitas das vezes não pautam a verdadeira libertação da classe explorada, e sim reformas e reformas presentes em discursos progressistas e sociais-democratas que encontramos extensamente nas bolhas liberais da internet. Consumir mídia não é militância. Dessa forma, é seguro dizer que este anticapitalismo é capitalismo, pois ao consumi-lo tão esporadicamente em plataformas que estão cada vez maiores devido a tal audiência, são mantenedoras do sistema que vivemos ao enriquecer aqueles que seguram para si todas as riquezas da terra e das mãos dos trabalhadores.
É necessário sempre enxergar, entender e pautar que tais meios de comunicação são nada mais do que a voz da própria burguesia internacional, e se há alguma pauta levemente progressista ou levemente revolucionária (como em Pantera Negra), ela ou não tem de fato um fim, uma solução, ou é mostrada de forma a desencorajar qualquer um que ouse trilhar o caminho da mudança. Devemos sempre nos ater a adentrar as brechas criadas por tais mídias e convencer todos que abrem seu aplicativo de streaming para ver a série do momento que as injustiças continuarão seguindo ao menos em que nosso povo se organize e lute para um sistema em que seja verdadeiramente livre, afinal, quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem.