O coletivo “Mães Eficientes Somos Nós” é formado por mães de crianças e adolescentes com deficiência da região da Grande Vitória e interior do estado do Espírito Santo. Em setembro de 2021, as “Mães Eficientes” ocuparam a Prefeitura do município de Serra, onde permaneceram por 32 dias até que suas reivindicações fossem atendidas pelo prefeito, que resultou em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre a prefeitura e o Ministério Público.
Hellen Guimarães – Movimento de Mulheres Olga Benario
ESPÍRITO SANTO | Na sociedade capitalista, recai sobre a mulher o fardo do trabalho doméstico e o de cuidado com as crianças, trabalhos não remunerados e não fornecidos pelo Estado, que somados ao trabalho formal, necessário para o sustento das famílias, resultam na tripla jornada de trabalho das mulheres. Como descrito por Alexandra Kollontai: “a mulher se esgota como consequência dessa tripla e insuportável carga que com frequência expressa com gritos de dor e lágrimas. Os cuidados e as preocupações sempre foram o destino da mulher; porém sua vida nunca foi mais desgraçada, mais desesperada que sob o sistema capitalista (…).”
Historicamente, a maternidade foi construída como o destino biológico e inquestionável da mulher. No entanto, a vivência da maternidade não é a mesma para todas as mulheres, há muitas nuances e contradições. Se para as mulheres ricas a maternidade é vista, muitas vezes, como uma experiência preciosa e gratificante, para as mulheres da classe trabalhadora, a maternidade representa mais um peso sobre seus ombros. Precisamos ainda falar sobre a vivência das mães de crianças com deficiência. A começar pelo diagnóstico de seus filhos: muitos são os relatos de abandono pelos maridos após a descoberta da condição da criança.
As mães de crianças com deficiência, na maioria dos casos, abdicam de suas vidas para se dedicarem integralmente ao cuidado dos filhos. Uma vez que o Estado não cumpre seu papel, são elas, majoritariamente, as principais e únicas responsáveis por essas crianças. Assim, deixam de lado a vida social e profissional para o trabalho exclusivo do cuidado, o que resulta em sobrecarga e solidão para essas mulheres. Lidiane Braga, integrante do coletivo “Mães Eficientes Somos Nós”, que atua no estado do Espírito Santo, e mãe de uma menina autista, relata:
“A mulher já tem uma sobrecarga por existir, mas a mulher que é mãe de uma criança com deficiência, a sobrecarga é muito maior. Cerca de 98% do nosso coletivo é formado por mulheres. São quase 400 mulheres no nosso grupo, temos só 4 ou 5 pais e, mesmo assim, são suporte. A mulher é quem vai à luta pelos direitos que são negados aos seus filhos. A maioria delas são mães solos. A sobrecarga da mãe solo é ainda maior, pois além de sustentar o lar financeiramente, porque, muitas vezes, o pai não entra com os recursos financeiros, ainda recai sobre ela a responsabilidade pela saúde, educação e todas as demandas internas desse filho com deficiência. Dependendo da deficiência, ainda precisa de um cuidado maior. E como essa mulher vai fazer tudo isso sozinha? É difícil de explicar, mas ela acaba tendo que dar conta sozinha, já que a rede de apoio mais próxima, na maioria das vezes, não existe”.
Além disso, como o trabalho de cuidado das crianças com deficiência ocupa integralmente o tempo dessas mães, elas acabam ficando impossibilitadas de trabalhar no mercado formal e a renda familiar, muitas vezes, depende do Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou da ajuda de algum familiar. A ausência de uma rede de apoio e de serviços de atendimento a essas mães, faz com que encontrem apoio umas nas outras e na luta que travam diariamente pela garantia de direitos para seus filhos, como comenta Lidiane:
“Algumas mães têm familiares que dão um pequeno apoio, mas, na maioria dos casos, não, sendo essa mulher totalmente responsável pela criança. O coletivo acaba sendo mais do que um grupo de luta, de mães que vão em busca dos direitos dos seus filhos, mas também somos uma rede de apoio. A cada vitória de uma criança, a gente sorri junto, mas a gente também chora junto. A gente troca ideia e a gente se entende na nossa fala, porque sentimos na nossa pele exatamente o que a outra sente.”
A rotina de cuidados complexos, essenciais para a sobrevivência e desenvolvimento dessas crianças e que, em grande parte, não são fornecidos pelo Estado, combinada ao alto nível de exigências e preocupações, reflete na saúde física e mental dessas mães. A solidão do cuidado, o rompimento dos laços familiares e sociais, a sobrecarga de trabalho e a intensidade dos cuidados diários, muitas vezes associados a um cenário de pobreza ou dependência financeira, faz com que essas mães passem por recorrentes situações de exaustão física e emocional. E quem cuida dessas mulheres? Ninguém! Na maioria dos territórios, não existem políticas públicas e nem serviços de saúde em atenção a essas mães ou, quando existem, são insuficientes para atender a demanda. Como relatado por Lidiane, às mães encontram força na luta coletiva, fortalecendo uma as outras, compartilhando as dores e vitórias.
A luta por educação e saúde para as crianças com deficiência
No dia 14 de fevereiro de 2022, o coletivo “Mães Eficientes Somos Nós” ocupou o Palácio Anchieta, sede do governo do estado, em Vitória, Espírito Santo, reivindicando o direito à educação e à saúde das crianças e adolescentes com deficiência. Depois de muita luta e resistência, ficando 5 dias acampadas na porta do Palácio Anchieta, as mães foram recebidas pelo governador e pelo secretário de educação.
Como relatado pelas mães do coletivo, todos os anos as escolas se preparam para receber os estudantes, mas não há uma preocupação em receber as crianças com deficiência. Neste ano, a secretaria de educação do Espírito Santo só abriu o edital para a contratação de auxiliares de sala e cuidadores duas semanas depois do início do ano letivo. Sem esses profissionais, as crianças e adolescentes com deficiência não têm suporte necessário para permanecer em sala de aula. Lucia Mara dos Santos Martins, coordenadora do coletivo “Mães Eficientes Somos Nós”, comenta que “todos os anos é essa luta no início do ano letivo. Eu recebo ligações de várias mães todos os dias. É muito descaso com essas crianças!”
Além de terem o direito ao acesso à educação negado, as mães também lutam para que seus filhos consigam ser atendidos pelo sistema de saúde, como relata Dhesyka Rocha Vieira, mãe do Junior, que é autista moderado:
“Meu filho está há quase dois anos sem acompanhamento no neuropediatra, sem retorno. No hospital infantil está faltando esses retornos. Está sem médico para atender as crianças e, além disso, dois médicos estão afastados. Não tem médico para atender essas crianças, essa grande demanda de neuropediatra. Nossos filhos precisam de atendimento, renovação de laudo e medicação. É uma coisa muito importante para essas crianças. Muitas crianças que têm alguma medicação que não está batendo ou tá fazendo mal, precisa voltar ao médico, mas não consegue. É uma situação de muita tristeza que a gente passa, de muita dificuldade, o estado tem que ter um olhar de empatia com a gente, com a questão da saúde e educação que são questões que as mães de filhos com deficiência passam muitas dificuldades mesmo”.
O coletivo “Mães Eficientes Somos Nós” é formado por mães de crianças e adolescentes com deficiência da região da Grande Vitória e interior do estado do Espírito Santo. Em setembro de 2021, as “Mães Eficientes” ocuparam a Prefeitura do município de Serra, onde permaneceram por 32 dias até que suas reivindicações fossem atendidas pelo prefeito, que resultou em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre a prefeitura e o Ministério Público. Apesar das vitórias conquistadas por essas mães ao longo de anos de muita luta, ainda há muito que se conquistar.
Sabemos que só a luta pode transformar a nossa realidade e, por todas as mulheres, mães e crianças, seguiremos juntas, até a vitória!
Muito bom o texto. Obrigada Movimento Olga Benario pelo brilhante texto e que mostra um pouco as nossas lutas e resistências.