Entrevista: Cooperativa Monte Sinai – uma história de luta e resistência na USP

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O Jornal A Verdade entrevistou trabalhadores e trabalhadoras para apresentar o processo de construção e o trabalho da Cooperativa Monte Sinai, que alimenta estudantes da FAU-USP com trabalho digno.

Helena Sá Barretto e Felipe Paulino


SÃO PAULO – Formada após o fechamento da empresa que operava a Cantina da FAU, a Cooperativa Monte Sinai Lanches trabalha, há mais de 20 anos, em prol da comunidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Alguns dos trabalhadores do local, incentivados pelos estudantes e professores, resolveram se organizar e formar um sistema cooperativo de trabalho. A cooperativa configura-se por uma forma alternativa de produzir, sem patrões, com o trabalho e os frutos socializados.

O Jornal A Verdade realizou uma entrevista para contar a história de resistência e luta da Cooperativa Monte Sinai e de seus trabalhadores(as) narrando um pouco das dificuldades que estes têm passado durante a pandemia.

Como a Cooperativa começou?

Cristina Augusto: Eu já trabalhava na lanchonete há 11 anos como chapeira e ela faliu. Quando foi o final do ano a dona pegou as coisas dela e foi embora, não avisou a gente nem nos pagou. E foi bem na época da gestão da Marta Suplicy, que surgiu essa ideia de cooperativas, pra pessoas que tinham mais idade, nem tinham como arranjar emprego mais. No meio dessa situação o Rodolfo, do ITCP, veio com a proposta de fazer a cooperativa e na época três pessoas toparam. Eu acabei abraçando a luta e estou nessa causa até hoje. Daí pra frente foi muito rápido, a gente já começou na cooperativa e fazendo cursos, inclusive hoje como cooperativa nós podemos até dar essa formação, a gente tem certificado pra isso.

E como era o dia a dia de vocês e a divisão de funções na cooperativa?

Cris: Dentro da cooperativa funciona assim: ninguém é dono de nada! A cooperativa não tem fins lucrativos, então vamos supor, se nós ganhamos dois reais, é divido entre as despesas, entre os fornecedores, e o que sobra a gente divide entre os cooperados. Se somos em quinze cooperados, cada cooperado tem toda autonomia de ver a abertura de caixa, o fechamento de caixa etc. Então no final do mês a gente senta e vemos: gastamos tanto, vendemos tanto, sobrou valor X, daí é esse valor X que é dividido. Porém, a cooperativa na prática é muito complicada, porque cada pessoa tem uma cabeça. Tem pessoas que querem se apropriar mais das informações, tem pessoas que tem menos interesse. Então normalmente a gente muda de gestão, sempre tudo de comum acordo!

E como foram esses últimos anos que precederam a pandemia?

Eduardo: No começo [da pandemia] foi realmente muito difícil. Foi uma bomba estourando no nosso pé sem a gente saber o que está acontecendo. E dentro de seis a oito meses, até a gente começar a pagar as contas direito, foi muito difícil. A gente viveu muito de cesta básica, dada entre a comunidade. Ficou tudo muito diferente do que era acostumado, porque eu tenho minha filha, minha mulher, e a gente tinha um meio de tirar nosso sustento, e de repente ficamos com uma frente e outra atrás. Depois de oito meses procurando alguma coisa para fazer, praticamente, eu arranjei um trabalho como ajudante de pedreiro e comecei a me levantar. Por mim, que já tenho cinco anos [de cooperativa], seria muito importante voltar, e foi onde que começou tudo e eu tenho muito carinho. A minha mulher estava grávida e foi a cooperativa que me deu a primeira oportunidade de trabalhar. Eu estava realmente precisando e foi onde eu consegui a minha porta de escape.

Fátima: Eu entrei na cooperativa depois de uns quatro, cinco anos, por aí e a cooperativa foi uma mãe para mim. O meu marido já trabalhava lá, e quando abriu uma vaga eu entrei, e ali era onde a gente tirava nosso sustento. Para mim foi assim maravilhoso, a cooperativa é muito importante.  Eu tenho um filho que é deficiente, então eu preciso muito voltar a trabalhar, porque o meu filho depende de mim. Eu o levo na ACD, e agora na pandemia não tem como eu estar pegando metrô com ele, então eu acabo precisando ir de UBER, então fico dependendo de favor ou de alguma ajuda. Eu não tenho outra fonte de renda, porque eu não posso sair pra trabalhar como diarista, porque eu vou sair às sete da manhã e vou voltar às sete da noite. Quando eu trabalhava na cooperativa, eu tinha como pagar alguém pra levar ele pra escola e eu conseguia na volta pegar ele levar pra casa. Então, agora, para mim e pra quem todos que tem filho está muito difícil. Muitos pagam aluguel e o gás, meu deus do céu, nem se fala! Gás é ouro! Só quem está trabalhando tá conseguindo comprar o gás, quem não tá trabalhando só consegue com doação! Hoje eu vivo de cesta básica, por exemplo falam assim pra mim: “ó, estão dando uma cesta básica lá não sei onde, lá do outro lado do mundo”, e eu vou buscar, porque eu não quero que meu filho fique sem nada em casa. Então a cooperativa voltar pra nós vai ser maravilhoso.

Richard: Eu entrei em 2013, sou cooperado e nessa pandemia tem sido tudo bem difícil. Eu perdi minha casa e tive que ir morar de favor na casa da família da minha mulher. Perdi várias coisas e tive que vender alguns móveis, vendi fogão, geladeira. Os familiares até ajudam, mas até uma certa parte, não é sempre que podem ajudar. Agora no momento eu tenho três filhos, e uma que se encontra no hospital, com problema respiratório. Então você tem que escolher entre estar comprando um leite, ou ir pro hospital, porque precisa pagar a passagem. O que salvou nesses dois anos foi o auxílio emergencial e a ajuda dos familiares, por isso é muito importante que a gente possa voltar. O retorno da cooperativa é importante pra que a gente possa dar uma situação financeira melhor pros nossos filhos e retornar a nossa vida ao normal.

O descaso e humilhação praticados pela diretoria da FAUUSP demonstram como a Universidade não consegue aturar a existência de trabalhadores e pobres em seus ambientes que não sejam na posição de funcionários terceirizados ultra-precarizados.

Seguiremos apoiando, denunciando e convocando todo corpo discente e docente à somar-se na defesa da Cooperativa Monte Sinai, um dos tantos passos necessários para que lutemos por uma USP de fato plural, democrática e solidária.