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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Entrevista com Nery Padilla: presidente da Federação dos Estudantes Universitários do Equador

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No dia 16 de dezembro de 2022, aconteceu em Quito o 48º Congresso Nacional da Federação de Estudantes Universitários do Equador (Feue), que reuniu cerca de 1.500 delegados na Universidade Central do Equador, representando 19 universidades e todas as províncias do país. O Congresso se dedicou a debater a situação orçamentária e democracia nas universidades públicas, a reforma da Lei Orgânica de Ensino Superior e a consulta fraudulenta promovida pelo governo neoliberal de Guillermo Lasso. O jornal A Verdade entrevistou Nery Padilla, estudante de 25 anos e primeiro jovem negro a presidir a Feue.

Isis Mustafá | Militante da UJR e Secretária-Geral da UNE


A Verdade – Nos fale um pouco de você. 

Nery – Eu sou oriundo dos setores populares, historicamente vulneráveis ​​do Equador. Sou afrodescendente em um país em que ainda é grande o racismo, a segregação e a discriminação. As universidades não expressam essa diversidade étnica que existe no país.

Diante disso, minha história de vida e organização é enquadrada a partir da escola na cidade de Quito. Eu era aluno da especialização em Ciências Sociais. Quando cheguei à Universidade estava mais próximo dos elementos de esportes, sobretudo, desenvolvi ações desportivas. Tenho ações acadêmicas, mas acima de tudo estava ligada ao esporte. Conheci elementos da esquerda e outros alinhados aos elementos da direita. A direita chegou e me propôs, quando eu estava na Universidade, alguns recursos econômicos para que eu pudesse alcançar seu plano e seu projeto. Com o que não concordei, considerei que isso não me ia permitir trabalhar para os estudantes.

Aí chegou outra organização, da qual agora sou coordenador geral. Que só me perguntou: “Nery, a única coisa que queremos é que você trabalhe para seus companheiros. Que você lute pelas reivindicações, que lute em benefício de todos e todas no espaço em que se encontra. Isso é a única coisa que estamos procurando. A luta deve ser desenvolvida coletivamente com os estudantes através de assembleias, através das passagens em sala de aula. E nós não temos recursos, não vamos te oferecer recursos, vamos te oferecer a possibilidade de se organizar, a possibilidade de representar seus companheiros em melhores condições durante todo o processo”.

Então decidi fazer parte da Transformação Universitária, que é uma frente estudantil diversa, democrática, porque nem todos têm vida partidária, mas têm a base fundamental da esquerda e seus objetivos, e clamam pela unidade do movimento estudantil. Nesse quadro, ganhamos as eleições, fui o primeiro presidente negro do curso de Psicologia Educacional, o primeiro da associação estudantil.

Depois lancei-me para a Liga Deportiva Universitária (LDU), que é um espaço que define elementos esportivos e ganhamos as eleições. Atualmente sou secretário da Universidade Central e, nesse sentido, sempre procuramos gerar ações em regime de autogestão. Ou seja, não possui recursos externos. Pelo contrário, com os companheiros e companheiras, realizamos uma atividade financeira que não nos encurrale com elementos ligados ao sistema, mas que nos permita defender livremente os direitos dos estudantes.

Nesse processo, sofri algumas manifestações de conotações racistas por parte das autoridades e dos próprios professores desde o início. Expressavam que o negro não tem capacidade para estar na universidade. Que não temos capacidade de nos expressar, de falar adequadamente. Que realmente não deveríamos estar nesses espaços. Conseguimos desmistificar muitas coisas e trazer esses elementos de conscientização para o movimento estudantil. E geramos essa consciência de que a luta é necessária para alcançar nossos direitos. Por tudo isso, faz um dia que assumi a Presidência da Federação de Estudantes Universitários do Equador, que representa mais de 500.000 estudantes das universidades públicas do país.

Nos fale um pouco sobre a Feue e suas principais bandeiras de luta. 

Em 6 de dezembro, a Feue completou 80 anos de luta. Nesses 80 anos, enfrentamos ditaduras militares, resistimos à perseguição, à repressão. Defendemos os interesses dos povos do Equador. Fizemos parte da frente pela nacionalização do petróleo, enfrentamos governos neoliberais, lutamos contra a privatização da educação, em defesa da gratuidade do ensino público, do livre ingresso dos jovens na Universidade, defendemos e defenderemos sempre a soberania nacional. Por isso, fizemos parte das forças que conseguiram mobilizar a retirada de bases militares estrangeiras e a expulsão da Texaco, Golf e Oxy, contra os Acordos de Livre Comércio.

Lutamos pela reforma da Lei Orgânica do Ensino Superior (Loes). E também em defesa do orçamento da universidade. Somos contra os processos de redução orçamentária que têm sido graduais e sistemáticos. Atualmente eles devem mais de 131 milhões de dólares às universidades públicas do país. Fomos um ator importante, junto com outras organizações, na luta dos indígenas e na revolta popular do mês de outubro de 2019 e também em junho de 2022. Estivemos nestes dois espaços em defesa do orçamento de qualidade, contra a insegurança, contra o alto custo de vida e também em defesa de uma reforma da Loes, que esteja vinculada e concatenada com os interesses dos estudantes em geral e da comunidade universitária. Lutamos para garantir a plena autonomia e democratização da Universidade, para que tenhamos a possibilidade de eleger todas as autoridades em todos os seus cargos, já que atualmente só podemos eleger o reitor, e este delega o resto das autoridades dentro da Universidade. Por isso consideramos que a gestão dessas autoridades não está ligada aos interesses da Universidade, mas sim a interesses externos à Universidade. Propomos a democratização porque vai ser muito importante para que as autoridades prestem contas aos estudantes.

Mas também neste processo consideramos e propomos que se estabeleça um aumento do orçamento com respeito à realidade concreta que têm as universidades. E também propomos a criação de novas universidades em cada uma das províncias do país. Lutamos pela garantia do livre acesso ao ensino superior. E, bem, desde 2016 o ingresso é um processo punitivo, discriminatório, em que o aluno não pode escolher a carreira sem cumprir uma nota para acessar o ensino superior. O direito que está no artigo 26 da Constituição, que é o direito à educação, é um dever do Estado e no artigo 28 está dito que é um direito universal, ou seja, de todos. Portanto, temos o direito de entrar na Universidade. Isso não foi expresso na universidade pública equatoriana. Por isso propomos exigir o acesso gratuito ao ensino superior.  Mas o que é esse livre acesso à educação? Não vai se desenvolver apenas com a retirada do exame. O presidente Lasso eliminou o exame, mas delegou a responsabilidade nas universidades sem lhes dar orçamentos e, por isso, não criou condições de infraestrutura, não contratou mais professores. O mesmo número de estudantes continua fora as universidades. Atualmente, 1 milhão e 200 mil formados do ensino médio estão fora da universidade. Por isso, exigimos também um maior orçamento para a educação, garantindo oferta de emprego e reinserção social, porque está comprovado que, quando se abrem as portas da Universidade, quando se geram ofertas de trabalho, reduzem os fatores de risco e, portanto, reduzem os elementos de insegurança e pobreza. Estamos na luta por uma educação de qualidade não só em palavras, mas que se expresse em cada uma das universidades, com orçamento e com uma democratização e plena autonomia das universidades.

Deixe uma mensagem para os estudantes brasileiros.

Fui grevista de fome por 18 dias. E essa luta era pela equiparação salarial dos professores em nosso país. O governo equipou e gerou este processo para a Polícia Nacional e para o resto dos funcionários públicos, mas não para os professores. Ou seja, investiu os recursos na repressão, e não na educação. Mais de 7 bilhões de dólares foram direcionados para as Forças Armadas e forças repressivas de nosso país. E para a educação em geral pouco mais de 1 bilhão de dólares. Então aqui se sente: quais são os interesses desse governo neoliberal? É por isso que estávamos em greve de fome. E conseguimos a equiparação salarial que beneficiou mais de 200 mil professores em todo o nosso país. Essa é a expressão de que a luta é o caminho das vitórias. Convido vocês à organização e união do movimento estudantil, que é fundamental para concretizar nossos objetivos em toda a América Latina.

Matéria publicada na edição nº 264 do Jornal A Verdade

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