UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Famílias pobres ocupam mercados e conquistam milhares de cestas básicas

Queops Damasceno | São Paulo


“Pra quem tá aqui no supermercado entender, a gente é do MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Em mais de dez estados, estamos fazendo essas ações nos supermercados. Pra dizer que é um absurdo viver num país, um dos maiores produtores de alimento do mundo, que tem mais de 30 milhões de pessoas passando fome!”. Com essas palavras, em cima de um caixa e rodeado por 300 famílias, Guilherme Brasil, um dos coordenadores nacionais do MLB, anunciou a ocupação do supermercado Ricoy – Diadema pela campanha Natal Sem Fome.

Era 17 de dezembro, às vésperas do Natal de 2022. Para denunciar o alto preço dos alimentos e do custo de vida, o MLB organiza há 15 anos, essa ação para enfrentar a falta de acesso de milhões de pessoas a uma alimentação adequada. Durante o ano inteiro, o movimento constrói uma rede de solidariedade para auxiliar famílias de bairros pobres. Essa rede se amplia em dezembro, época do ano em que, em homenagem ao nascimento de Cristo, devem ser reforçados os valores de solidariedade entre as pessoas.

A rede de supermercados Ricoy possui mais de 70 lojas espalhadas pelo Estado de São Paulo. Além da denúncia da fome, as famílias denunciavam também os diversos casos de racismo ocorridos no interior dos supermercados, como explicou Lúcia Simão, coordenadora estadual do Movimento. “São inúmeros casos de racismo e repressão policial contra negros e negras em supermercados. O UniSuper, no Rio Grande do Sul, praticou, inclusive, tortura com dois homens negros suspeitos de furtar o mercado. Em 2019, um jovem negro suspeito de furtar um chocolate foi amarrado despido e torturado por seguranças da Rede Ricoy. E esse não foi um fato isolado, a rede soma uma série de crimes e denúncias atreladas a racismo e tortura. É também por isso que estamos realizando esse ato aqui”.

Repressão aos que lutam

No mesmo dia, ainda pela manhã, a Polícia Militar da Paraíba chegava na rede de supermercados BeMais, onde 35 famílias realizaram o protesto. A pedido dos donos do estabelecimento, a PM decidiu reprimir os manifestantes, espancando as pessoas com cassetetes, jogando spray de pimenta e prendendo três militantes que apoiavam a ação das famílias: o advogado Yuri Ezequiel, o tradutor Emanuel Ferreira e o trabalhador de T.I. Ricardo Dantas. A rede ocupada pelo MLB, para além de inaugurar duas grandes e luxuosas unidades em 2022, foi listada como uma das empresas financiadoras dos acampamentos golpistas em frente a um quartel do Exército em João Pessoa.

A notícia da repressão se espalhou pelo país e instantaneamente foi realizada a denúncia em vários estados. “A Polícia Militar entrou, agrediu e levou três companheiros. Aí eu pergunto pra vocês: lutar contra a fome é crime? Crime cometeu o mercado e a Polícia da Paraíba quando fizeram isso lá! É certo lutar contra a fome! A fome é horrível! O nosso povo não pode viver sem ter o que comer, enquanto tem milionário comendo carne de ouro!”, agitava ao megafone Gregório Gould, do MLB da Bahia, dentro do supermercado GBarbosa, em Salvador.

Fora Governo da Fome! Fora Bolsonaro!

É necessário lembrar que no Brasil do então governo fascista de Jair Bolsonaro, 33 milhões de pessoas estão em situação de fome extrema; mais de 120 milhões obrigadas a escolher diariamente entre almoçar ou jantar; e mais de 20 milhões de crianças na pobreza.

Nos mercados do país inteiro, entre uma palavra de ordem e outra contra a fome, verificavam-se também agitações e gritos exigindo o Fora Bolsonaro. É que, apesar de já ter passado as eleições em que Lula se saiu vitorioso, os fascistas, financiados pelo mesmo agronegócio que desperdiça alimentos, ainda esperneavam para não largar o poder. Incendiaram sedes da Polícia Federal, bloquearam rodovias, planejaram atentado a bomba, acampavam em frente aos quartéis do Exército com proteção dos generais golpistas e faziam churrasco todo dia, com carne à vontade e pagamento de diária para quem lá permanecesse.

O povo quer comida!

Para além da denúncia política, a campanha do MLB teve um objetivo prático: conquistar pontualmente cestas básicas para cerca de 6.000 famílias, além de atender de alguma forma, com brinquedos, roupas e agasalhos, um universo de mais de 50 mil pessoas já acompanhadas e atendidas durante todo o ano pelo movimento.

Dentro do Supermercado Líder, em Belém do Pará, a militância com faixas, cartazes e uma caixa de som, dialogava com os clientes que passavam: “Todos os dias, morrem 17 pessoas de fome no Brasil. E aí a gente pergunta: como um país rico, produtor de grãos ainda tem esse tipo de índice? É porque hoje a nossa comida está nas mãos de grandes empresários, empresários do agronegócio. Eles escolhem que vão exportar a nossa comida em detrimento do povo brasileiro, que hoje passa fome e morre nas suas casas. Se os mercados distribuíssem a comida que sobrasse, automaticamente eles teriam que baixar os preços, porque não haveria demanda o suficiente. Mas, para que eles se mantenham cada vez mais ricos, o povo brasileiro passa fome e morre!”.

No Rio Grande do Sul, dentro da rede UniSuper, Carlos Vieira, do MLB gaúcho, complementava: “Estamos aqui para denunciar que os mais pobres passaram a se alimentar só de miojo e salsicha. O soro de leite passou a ser consumido ao invés de leite. Essa ocupação é para denunciar a fome e exigir desse mercado que garanta um Natal sem fome para as famílias. Porque eles estão com bolso cheio de dinheiro, de muitos lucros, enquanto mais de 120 milhões de brasileiros estão em insegurança alimentar”.

Em Belo Horizonte, dentro do supermercado EPA, que, como vários dos mercados ocupados, viria a doar centenas de cestas básicas na segunda-feira após o ato, Leo Péricles, presidente da Unidade Popular (UP), exortava todos à luta. “É preciso lutar e ousar coletivamente para não ficar passando fome sozinho, em casa, como a grande burguesia quer. Então isso também é uma convocação: ‘Você que tá passando fome, tá desempregado, tá vivendo uma situação difícil, ingresse nas nossas fileiras! Procure a Unidade Popular! Procure o MLB! Lute conosco, que assim nós vamos mudar o Brasil.’ Com milhões e milhões de trabalhadoras e trabalhadores articulados e organizados, podemos mudar esse país”, afirmou.

Campanha vitoriosa

A meta do movimento foi atingida e milhares de cestas básicas foram conquistadas, além de mais de R$ 100 mil de doações de pix feitas para o MLB nos estados e nacionalmente, sendo, sem dúvidas, o maior Natal Sem Fome da história. Destaque para as duas lives que contaram com a participação de Poliana Souza, da Coordenação Nacional do MLB.

A primeira, em parceria com o canal Soberana, no YouTube, junto com o historiador Ian Neves, A segunda, aconteceu junto com Leonardo Péricles, presidente nacional da UP, e contou com a presença de vários aliados do MLB, como o deputado federal Glauber Braga, Thiago Torres (Chavoso da USP), Eduardo Moreira (ICL), Renato Freitas (deputado estadual eleito no Paraná), os rappers Don L, Djonga e FBC, a atriz Alice Carvalho, o cantor gospel Leonardo Gonçalves, a filósofa Katiuscia Ribeiro, a influenciadora digital Dimitria Vulcana, as mídias negras Pretitudes, Escurecendo os Fatos e Notícias Negras, a influenciadora digital Ellen Valias (Atleta de Peso), o roteirista Adalberto Neto, a atriz Celma Pontes (de Angola), o humorista Matheus Buente e o criador de conteúdo digital Roger Cipó.

Além dos estados acima citados, também foram ocupados supermercados no Ceará, Maranhão, Distrito Federal, Goiás, Santa Catarina, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte, totalizando 15 estados. Todas as famílias envolvidas no movimento conquistaram suas ceias de Natal na luta e puderam compartilhá-las com suas famílias.

Matéria publicada na edição nº264 do Jornal A Verdade. 

Outros Artigos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias recentes