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domingo, 22 de dezembro de 2024

Trabalhadores ambulantes são humilhados pela Prefeitura de Salvador durante credenciamento para o carnaval

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Gustavo Rebelo

Movimento Luta de Classes (MLC) – Bahia

SALVADOR/BA | A cidade de Salvador registrou uma taxa de 17,9% de desocupação no 3º trimestre do último ano (2022). Na Região Metropolitana esse índice foi ainda maior: 19,4%. Isso significa que centenas de milhares de baianos residentes na capital e cidades próximas não trabalham, apesar de terem procurado vaga, e poderiam ter assumido algum desses postos de trabalho caso tivessem encontrado. 

O desemprego estrutural, juntamente com a carestia dos alimentos e víveres básicos, empurram famílias inteiras para a fome, desabrigo e para toda a sorte de violações à dignidade humana. Diante de um cenário tão adverso, os trabalhadores baianos não veem outra saída que não sobreviverem através de “bicos”, vendendo bebidas, alimentos e artesanato nas ruas das grandes cidades do estado. 

O Carnaval de Salvador é considerado a maior festa popular do planeta, levando milhões de foliões às ruas, turistas e moradores da cidade. Os dias de festa se tornam uma oportunidade para que vendedores ambulantes obtenham uma renda extra e consigam quitar algumas dívidas ou acessar itens básicos de consumo. Neste ano, porém, a Prefeitura de Salvador apresentou inúmeras dificuldades para realizar o cadastramento dos trabalhadores, impondo uma política elitista, insensível e truculenta para a categoria. 

Ao contrário do que vinha acontecendo nos últimos anos, a SEMOP (Secretaria Municipal de Ordem Pública) anunciou que o credenciamento seria exclusivamente online, a ser realizado no curto prazo de 24 horas. Tal medida, em que pese parecer

desburocratizante, promoveu um verdadeiro caos aos trabalhadores, que relataram instabilidade no site e dificuldades na geração da guia de pagamento. 

Altalice de Jesus, 52, está desempregada e necessita do trabalho como ambulante para ajudar a sustentar seus dois netos e sua filha, que vive da venda de rifas. Ela relatou que se encontrava há dois dias na fila, mas ainda não conseguiu a autorização para a venda de bebidas no circuito: 

“Eu não consegui o certificado. Nem eu nem nenhuma das minhas amigas conseguiram. Tentei retirar online, mas quando consegui achar uma internet para fazer isso, as licenças online já estavam esgotadas.” 

Luciene, 35, traz um relato semelhante. Apesar de ter se preparado para entrar no site com a antecedência de 5 minutos antes do horário do início do credenciamento, enfrentou instabilidades na página. Um dia inteiro de tentativas não foi o suficiente para obter o documento. Além de denunciar o descaso das autoridades, afirma que o caos provocado pelo credenciamento online abriu brechas para um mercado ilícito de licenças através de cambistas. 

“Bruno Reis [prefeito de Salvador] fala que todas as licenças já foram vendidas. E o que esse povo está fazendo dormindo aqui na porta há um mês? Tem gente que conseguiu tirar 6 licenças, 10 licenças de uma vez e está vendendo pelo triplo do valor”, declara Luciene.

Prefeitura e forças policiais tratam com racismo e truculência trabalhadores ambulantes na porta da SEMOP (Foto: Marcos Musse)

Apesar das dificuldades, a luta dos ambulantes vem surtindo efeito

Cientes do histórico de dificuldades que o credenciamento para a festa gera, muitos trabalhadores acamparam na porta da SEMOP para solicitar o credenciamento antes mesmo do início do prazo para o procedimento online, alguns chegando a passar mais de um mês no local

O estopim para a revolta dos trabalhadores foi o encerramento do credenciamento online sem que a ampla maioria dos interessados tivesse obtido a certidão. Diante desse cenário, os ambulantes que estavam na porta da SEMOP fecharam uma das vias do local, o que provocou a repressão da Guarda Municipal e da Polícia Militar, que atirou bombas de efeito moral e gás de pimenta contra os protestantes. 

O Movimento Luta de Classes (MLC), entidade sindical que contribui com o Jornal A Verdade, se fez presente no local, prestando apoio e solidariedade aos trabalhadores maltratados e agredidos pelas autoridades públicas. 

MLC e Unidade Popular prestaram solidariedade aos trabalhadores ambulantes e se somaram à mobilização para que mais credenciamentos fossem feitos (Foto: Gustavo Rebelo / Jornal A Verdade)

Lá encontramos um cenário que, lamentavelmente, representa a crueldade do capitalismo brasileiro. Uma multidão de trabalhadores negros jogados na calçada, a noite dormindo ao relento e durante o dia enfrentando o calor escaldante do verão soteropolitano. 

Vimos mães com crianças de colo, pessoas com deficiência, idosos e outros tantos submetidos a uma situação de extrema humilhação, desesperados pela chance de encontrar no Carnaval uma oportunidade de subsistência. 

O desespero de dias de espera acabou por fomentar brigas e discussões entre eles, num processo deliberado de desumanização daqueles trabalhadores.

Mães, pessoas com deficiência e idosos na fila para trabalhar durante a maior festa de rua do Brasil (Foto: Gustavo Rebelo / Jornal A Verdade)

Contudo, a insistência das mobilizações provocou uma concessão da Prefeitura, que passou a, ainda que de maneira lenta e insuficiente, realizar o credenciamento de alguns ambulantes de forma presencial. 

A pressão também chamou a atenção da sociedade civil de maneira geral, recebendo apoio de muitos que se indignaram com as cenas de repressão absurdas das forças de segurança. Além do MLC, movimentos sociais como o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), o partido Unidade Popular (UP) e o mandato do deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA) também contribuíram com a luta para o cadastramento de todos os trabalhadores ali presentes. 

A luta de classes está presente mesmo no carnaval, ou talvez principalmente nele. A Prefeitura de Bruno Reis, marionete do oligarca ACM Neto, cria embaraços àqueles que trabalham para a festa acontecer, mas entrega a cidade aos burgueses da indústria do álcool e do entretenimento. Determina o monopólio exclusivo para a venda de bebidas. Promove facilidades aos camarotes e blocos privados, destinados ao lazer de brancos e ricos. As contradições sociais ganham formas peculiares durante esse período do ano, mas são, essencialmente, desdobramentos da sociedade capitalista e suas injustiças.

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