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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

MLB realiza roda de debate sobre Direito à Cidade com estudantes da UFBA

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Laurent Frélicot

SALVADOR-BA | Sexta-feira, 31 de março de 2023. Às vésperas do 59º ano do golpe militar-empresarial fascista que se perpetrou no Brasil, e que permaneceria  vigente até 1985, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) discutia na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA), a convite de seu Diretório Estudantil Acadêmico, em companhia do Curiar, o seu Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo, o tema do Direito à Cidade.

Este foi um importante momento para apresentar  a discussão aos estudantes da Universidade, sendo parte da programação de acolhimento de calouros. Longe de apresentar uma cartilha, ou de fechar o assunto, a oficina proporcionou uma ampla discussão, que abre o precedente para novos eventos como este. Na oportunidade, puderam-se ouvir impressões pessoais a respeito desse controverso assunto, bem como a exposição das perspectivas de cada um dos convidados.

Mas o que é Direito à Cidade?

Sujeito de longos debates dentro da Academia, o Direito à Cidade nos é apresentado pelo sociólogo marxista francês Henri Lefebvre durante a década de 60. Fora na Europa em reconstrução após a Guerra contra o Nazi-fascismo então vencida pela União Soviética que Lefebvre pôde introduzir o debate na academia dos países ocidentais. Debate este, já bastante avançado nas sociedades que se estabeleceram socialistas, e que disputavam a hegemonia com o mundo capitalista.

Foi somente em 1988, com a Constituição Cidadã, fruto da luta e da grande mobilização social do povo e de organizações de esquerda, que o Direito à Cidade, bem como uma série de direitos fundamentais, passaram a ser pautados no Brasil. E então, a partir do Estatuto das Cidades de 2001, deu-se contornos claros a respeito da propriedade e de sua função social.

A Cidade sob a Égide do Capitalismo

Henri Lefebvre, assim como o importante geógrafo baiano Milton Santos, foram ferrenhos críticos do modo de produção capitalista, que privilegia o acúmulo de riquezas nas mãos de poucos em oposição à garantia de direitos fundamentais da classe trabalhadora, como o direito à educação, ao emprego, ao lazer, à saúde e à moradia.

É de comum conhecimento que as nossas cidades estão longe de seguirem aquilo que preconiza a Constituição Federal, ou o Estatuto das Cidades. Pois mesmo que estes marcos ainda preservem o direito à propriedade privada nos termos do capitalismo, a classe burguesa mantém dinâmicas perversas, como por exemplo a especulação imobiliária, por uma razão muito clara: isso dá lucro. É então somente através da luta de movimentos sociais, como o MLB, que sob pressão, o poder público por vezes faz cumprir aquilo que a letra fria da lei diz, que é a garantia do direito à moradia, e da função social da propriedade.

A lógica anárquica do capitalismo é responsável pela produção de mais de 280.000 pessoas vivendo nas ruas (Datafolha) e mais de 14 milhões de desempregados (IBGE), números recordes esses atingidos pelo governo ultraliberal de Jair Bolsonaro. Mas para além disso, é importante ressaltar, o Direito à Cidade verdadeiro apenas se consolidará com o acesso pleno das pessoas com deficiências a todos os espaços públicos, com a garantia da segurança às mulheres, crianças e aos idosos para que andem pelas calçadas sem que temam por suas vidas, com o investimento público intenso em transportes coletivos para superar o uso dos automóveis que tanto poluem e com o conseguinte fim das tarifas de transporte. Questões estas que o capitalismo já se demonstrou incapaz de sanar, sobretudo nos países periféricos do sistema.

O Mundo e as Leis Gerais do Capitalismo

Milton Santos nos lembra também que o capitalismo revela sempre a sua face mais cruel para o elo mais fraco da corrente. Isso se torna evidente, por exemplo, com a globalização imposta pelos países ocidentais, da Europa e dos Estados Unidos, onde a exportação de capitais monopolistas e a dominação do dólar estabelecem relações comerciais desiguais. 

A dominação dos mercados internacionais por estas empresas apoiadas por seus respectivos Estados Nacionais Burgueses destroem o comércio e as indústrias locais, bem como provocam genocídios e etnocídios de povos inteiros em um processo homogeneizador. São por meios sutis e violentos que os conhecimentos tradicionais acumulados e as diversas culturas das pessoas são liquidados. Nos meios de comunicação, nas instituições, tudo é feito à imagem e semelhança do colonizador.

Além disso, a falta de oportunidades e serviços nas áreas rurais tem causado um êxodo significativo para as cidades, resultando em uma urbanização agressiva. Infelizmente, muitas vezes os mais pobres são escamoteados para áreas remotas onde a infraestrutura básica é escassa ou inexistente, como redes elétricas, de esgoto, de telefonia e internet, bem como transporte público. Como resultado, muitos são forçados a se aglomerar em favelas, cortiços ou ocupações precárias, e até mesmo a morar nas ruas, quando não há alternativa.

Desse modo se impõe o imperialismo, a subjugação de países a meros Estados Clientes sob uma falsa alcunha de “países emergentes”, ou “em vias de desenvolvimento”. A falta de autonomia econômica e política destas nações as condena a uma urbanização profundamente desigual e injusta, perpetuando um cenário de exclusão social e de pobreza.

Estudantes reunidos na maior universidade do Nordeste para debater direito à cidade com movimento social (Foto: Jornal A Verdade / Reprodução).


A Universidade pública como laboratório de transformação da realidade daqueles que mais precisam, e não dos que são mais ricos

A Universidade pública vem sendo cada vez mais instrumentalizada para a mera capacitação de mão de obra qualificada, contrariando suas premissas básicas de ensino, pesquisa e extensão. É notável que se exige cada vez mais qualificação para desempenhar trabalhos cada vez mais precários, ao mesmo tempo egressos com titulações acadêmicas mais elevadas têm visto o poder de compra de suas bolsas cair drasticamente, bem como as oportunidades de trabalho no Brasil se tornarem cada vez mais escassas.

Como resultado disso, o país sofre com o conhecido fenômeno da “fuga de cérebros”, no qual indivíduos altamente qualificados partem para países do centro do capitalismo em busca de melhores oportunidades de trabalho e bolsas mais atraentes. Esse fluxo de trabalhadores exporta tecnologia e riqueza para as nações centrais do sistema, enquanto aqueles que permanecem no Brasil muitas vezes se contentam em adquirir uma formação técnica limitada, que restringe seu senso crítico e limita sua capacidade de questionar seu papel e compreender a dinâmica de classe na sociedade.

Louis Althusser, um influente filósofo marxista argelino, em seu livro “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, explica que o Estado, independente da classe que o controla, desenvolve suas próprias ferramentas para controlar as classes subalternas e manter o status quo. Por exemplo, no sistema capitalista, a imprensa, o rádio, a televisão e até mesmo as universidades podem servir para preservar a ordem de classe dominante vigente. Entretanto, devido à natureza mais flexível desses meios, é possível transformá-los em instrumentos de mudança social. É preciso portanto que aprendamos maneiras de nos apropriarmos da Universidade, para que assim, mais do que um espaço de ensino e pesquisa, ela se torne um agente capaz de provocar mudanças reais na maneira que nos organizamos enquanto sociedade.

Estas, bem como outras, foram algumas das reflexões que surgiram durante o evento, que pôde contar com a presença de Willian Santos, Coordenador nacional do MLB; Eslane Paixão, Presidente Estadual da Unidade Popular pelo Socialismo (UP); Paula Milena Lima, Membro do Curiar, Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo; e Laurent Frelicot, militante da União da Juventude Rebelião (UJR) e estudante da faculdade de arquitetura, tendo sido organizado pelo Diretório Estudantil Acadêmico, em especial pelas estudantes Thaís Andrade e Luiza Fernandes.

Agradecemos a todos que colaboraram com a construção do diálogo, bem como aqueles que estiveram presentes, em especial ao professor Marcus Bernardo, que somou e que trouxe consigo sua turma de estudantes para prestigiar o evento.

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