Os atentados do semestre passado e os que já aconteceram em 2023 nos sinalizam o quão enraizado está o fascismo na nossa sociedade. A ideologia política de extrema-direita está comprometida com a propaganda de ódio à classe trabalhadora e incentiva diuturnamente jovens e adolescentes a praticarem atos terroristas contra seus colegas e professores.
Israel Gomes de Alcântara | Núcleo de professores da UP/MLC – Espírito Santo
BRASIL – A volta às aulas veio com uma enorme preocupação: vamos conseguir ver nossos filhos após tê-los deixado na escola? Estão seguros dentro das unidades escolares?
Desde 2002, as escolas brasileiras enfrentam problemas de violência que resultam em mortes. Estudantes inflamados pela cultura de ódio invadem as escolas para assassinar pessoas. Acumulamos 17 atentados em 20 anos e, de julho a dezembro de 2022, ocorreram seis atentados, que vitimaram muitas pessoas e possuem ligação com a extrema-direita brasileira.
Os atentados do semestre passado e os que já aconteceram em 2023 nos sinalizam o quão enraizado está o fascismo na nossa sociedade. A ideologia política de extrema-direita está comprometida com a propaganda de ódio à classe trabalhadora e incentiva diuturnamente jovens e adolescentes a praticarem atos terroristas contra seus colegas e professores.
Inflamados por discursos que propagam o racismo, a misoginia, a homofobia e a intolerância religiosa, jovens, majoritariamente do sexo masculino, brancos e fascistas, lançam-se contra escolas para massacrarem. O fascismo não aceita a pluralidade de ideias e a diversidade de estilos de vida. Como solução possível, aponta que a violência é a única saída para “sanar” os conflitos econômicos e sociais.
Mas, como isso acontece?
Essas pessoas estão recebendo doutrinação ideológica por meio da internet. Anteriormente, apenas na deep web (internet profunda, em livre tradução) era possível encontrar esses diálogos extremistas. Percebemos, no entanto, que cada vez mais aflora à superfície das redes sociais e aplicativos de trocas de mensagens (Tiktok, Instagram, Twitter, WhatsApp e Telegram) grupos extremistas organizados com o objetivo de propagação do fascismo e de prática de atentados terroristas.
As redes, que pareciam ser inofensivas, estão inundadas de captadores e aliciadores que propagam a cultura do ódio e da violência entre os usuários. A ruptura do pacto civilizatório, provocada por essa cultura, ocorre através da manipulação da linguagem e da mídia, propagação de fake news e de discursos prontos que prometem respostas simples aos problemas complexos da nossa sociedade brasileira.
Valendo-se do anonimato das redes, esses criminosos cometem atos hediondos e buscam notoriedade entre si, esbanjando a maior quantidade de preconceitos possíveis e pessoas vitimadas pelas suas ações.
Um desastre anunciado
A nossa sociedade ainda se debate na luta contra a extrema-direita e isso implica a permanência desses grupos no nosso meio. Essa existência, financiada pelo grande capital, anuncia que teremos novos ataques terroristas às escolas e que mais estudantes e professores passarão pelo sofrimento de ter a escola invadida.
Além disso, as políticas públicas de facilitação do acesso e posse de armas desenvolvidas no governo Bolsonaro favoreceram o crescimento de quase 500% do número total de armas no nosso país. Dados do Anuário de Segurança Pública publicados em 28 de junho de 2022 informam que o registro de armas subiu de 117.467, em 2018, para 673.818, em junho de 2022. São essas armas espalhadas pelo país que favorecem os ataques à escola, o feminicídio e o suicídio.
O acesso fácil e irrestrito de jovens a armas “domésticas” estimula, em alguns, a violência. A falsa sensação de segurança é gerada pela presença desses artefatos em casa. Além disso, homens de diversas idades se aproveitam dessas mesmas armas para praticarem violência doméstica, psicológica e feminicídio contra suas parceiras. Fica evidente que a solução não é liberar armas, mas sim investir em segurança pública.
A escola com alvo
A escola é alvo desses atentados porque, não raro, é o único espaço de socialização que jovens e adolescentes possuem. Devido à falta de investimento do Estado em cultura, lazer e esporte, os jovens se veem restritos ao ambiente escolar e vivenciam dentro das unidades suas descobertas e frustrações.
Por sua vez, a escola não dá conta de abarcar todas essas realidades. É espaço privilegiado de interação social, contudo, sua atuação está atrelada ao processo de ensino e aprendizagem. O papel social da escola é fomentar a educação e ser espaço de convivência entre os alunos. Não é possível atribuir ao núcleo escolar a responsabilidade de fornecer solução a todas as necessidades dos estudantes de uma vez só.
A solução para esse problema não é simples. Requer uma ação coordenada entre a sociedade civil e os movimentos sociais, sindicais e políticos de esquerda. Compete à sociedade civil acompanhar as crianças e jovens mais de perto. A escuta ativa das demandas da juventude e o sincero desejo de ajudá-la facilita a integração dessa parcela da população nos meios sociais. Além disso, é imperativo o engajamento dos trabalhadores e trabalhadoras nos diálogos de politização promovidos pelos movimentos sociais. Somos indivíduos políticos e devemos estar radicalizados para que haja a melhoria de vida.
Compete aos movimentos sociais e sindicais o trabalho de base que favoreça o engajamento da população nos diálogos que lhes são importantes. Sem estar nas comunidades dialogando sobre os problemas sociais e sobre as formas de enfrentamento, iremos favorecer o avanço do fascismo entre nós. Cabe ainda aos movimentos abrir os espaços de reflexão sobre o controle das informações pela mídia capitalista, sua forma de atuação e sobre a regulamentação dos meios de comunicação em massa.
Precisamos nos organizar e cobrar dos poderes públicos propostas que sejam contundentes e funcionais. Temos que pressionar para a revogação da facilitação ao acesso de armas, por campanhas de combate à cultura de ódio e violência e conscientização sobre o mal do machismo à nossa sociedade. Sem uma atuação articulada, será frágil a ação frente a tragédia anunciada. Cabe a nós usarmos a voz de todos os representantes eleitos alinhados à esquerda para fazer ecoar as nossas necessidades e cobrar a garantia de escolas seguras, sem fascismo, com ensino público, gratuito e de qualidade. Requerer a construção, manutenção e fomento de ambientes de convivência social que favoreçam o desenvolvimento da cultura, do esporte e do lazer.
Apenas lutando é que construiremos uma alternativa concreta a esta sociedade em que vivemos hoje. É possível construir, com as nossas próprias mãos, o poder popular e o socialismo. Impulsionados pelo desejo de melhoramento, poderemos edificar uma sociedade comprometida com a cultura de paz, que é, ao mesmo tempo, combativa aos desmontes e violências perpetrados pelos fascistas.
Matéria publicada na edição nº269 do Jornal A Verdade.