Realizadas em clima de tensão, eleições deram vitória à chapa do professor e militante sindical Mauro Marcos. A instituição era comandada há mais de 20 anos pelo mesmo grupo político e já foi visitada por figuras fascistas como Jarbas Passarinho e Michele Bolsonaro.
Acauã Pozino | Redação RJ
BRASIL – Fundado em 1854 por iniciativa de José Álvares de Azevedo e do imperador dom Pedro II, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, rebatizado mais tarde como Instituto Benjamin Constant, é a escola especializada para pessoas com deficiência visual mais antiga da América Latina. Seus métodos são referência, para o bem e para o mal, até os dias atuais para todas as instituições do tipo presentes no Brasil, muitas delas fundadas seguindo-o como modelo.
Ao longo dos seus 169 anos, o Instituto sempre foi utilizado como palanque político pelas figuras mais atrasadas da política brasileira. Essa tradição se deve, em grande medida, ao papel que é dado a essas instituições pela burguesia e suas instituições desde sua criação: manter as pessoas com deficiência em um círculo à parte da sociedade.
Ao longo de sua história, o IBC recebeu a visita de grandes figurões da desgraça do povo; Jarbas Passarinho (ministro da educação do governo do fascista Garrastazu Médici, considerado o mais sanguinário de todos os ditadores do período de 1964 a 1985) e o próprio general ditador João Figueiredo são exemplos, sem falar da própria Michele Bolsonaro, veterana no uso das pessoas com deficiência como base de apoio para os projetos fascistas dos grandes ricos do Brasil.
No entanto, as últimas eleições para o cargo de direção-geral do IBC sinalizaram que a comunidade escolar pode optar por um caminho diferente do que vinha adotando até então. Tradicionalmente esvaziadas e com pouca expressividade da oposição, contaram com participação ampla de diversos setores da comunidade, com exceção dos alunos do ensino fundamental e médio técnico, que não puderam participar devido à data da eleição (14 de dezembro), sucessivamente adiada pela antiga gestão.
“Havia uma leitura por parte principalmente da chapa de oposição conduzida pelo professor Mauro, de que esses adiamentos um atrás do outro poderiam ser algum tipo de tática pra esvaziar o processo e tentar evitar uma vitória da oposição”, explica Leonardo de Carvalho, professor do Instituto há 9 anos. “Isso impediu que os estudantes do Departamento de Educação, do fundamental e do médio técnico, não votassem porque as aulas já haviam acabado.”
Ainda assim o pleito deu, por pouco mais de 20 votos de diferença, a vitória ao candidato da oposição Mauro Marcos, que há anos se colocava como um crítico à postura do grupo que ocupava a direção já há muitos anos. O resultado, contudo, não foi reconhecido imediatamente pela antiga gestão. Houve um recurso, interposto pela chapa da situação — liderada pelo professor Luidi Amorim —, alegando a presença de boca de urna e aliciamento de eleitores por parte da chapa vencedora. O recurso recebeu contestação da chapa vencedora e a contestação foi aceita pela comissão eleitoral, mas ainda assim o reconhecimento só veio já em 2023, tendo esse meio-tempo sido marcado por um clima de tensão na comunidade, reuniões da antiga gestão com pessoas ligadas ao governo Bolsonaro e cobranças incisivas por parte de toda a comunidade.
Reproduzimos, a seguir, alguns trechos do depoimento do professor Leonardo ao Jornal A Verdade sobre o processo eleitoral e suas implicações.
A Verdade – Você comentou que a eleição havia sido conturbada. Por quê?
Leonardo de Carvalho – Não havia nenhuma garantia de que o candidato eleito seria nomeado; isso é um ponto. Houve, durante o processo, uma cobrança muito grande e uma desconfiança se o candidato mais votado seria efetivamente nomeado. A eleição foi muito adiada, várias vezes. Ela acontece no dia 14 de dezembro. E ganhou espaço um entendimento de que isso aconteceu porque esse grupo, que estava na gestão havia muito tempo, contavam com a ida do IBC para a rede federal e esperavam se beneficiar disso na eleição.”
Como era a composição das chapas? Quantas eram?
Haviam 3 chapas concorrendo. A chapa desse grupo da gestão, que lançou como candidato a diretor o professor Luidi Amorim, de matemática; a chapa do professor Mauro Marcos e a chapa de uma servidora técnica, Indira Marques, vinda da área da surdocegueira e que hangareou muitos votos num movimento muito rápido. Essas duas chapas eram de oposição, acho que isso é importante. Abriu-se um campo político no Benjamin que até então não existia.”
Você comentou que havia uma insegurança sobre o reconhecimento, por parte desse grupo, do resultado da eleição. Isso a gente observou também na eleição presidencial; a posição do Bolsonaro era essa, de não reconhecer o resultado, questionar o processo. Existe algum tipo de vínculo entre esse grupo e o governo fascista?
Havia como sempre houve com qualquer grupo que ocupasse um governo. Eu posso falar desde 2014 pra cá, o IBC sempre foi pró-governo. O que por um lado é compreensível, considerando que hoje a direção-geral do Benjamin ocupa um cargo que é de estado, mas certamente sempre se esperou que certas aproximações pudessem beneficiar a instituição. Mas não era só isso, tanto que está acontecendo agora um debate sobre se o IBC deve entrar na rede federal e se tornar uma autarquia ou se permanece sob administração direta do MEC. E o argumento do ex-diretor-geral é, justamente, que de 2016 pra cá se tornou mais real a ida do IBC pra rede federal; então daí é possível deduzir que houvesse algum tipo de vínculo político ou mesmo ideológico.
Você acha que esse vínculo político/ideológico se refletiu internamente na gestão desse grupo?
Em parte sim. Não tanto pelo último diretor do Departamento de Educação, que de qualquer forma tirou foto com a Michele Bolsonaro quando ela veio visitar. Mas a antecessora dele dizia abertamente que o Instituto devia voltar a ser uma escola especial, que a política de educação inclusiva precisava ser revista… um discurso muito atrelado aos primeiros momentos do governo Bolsonaro.
Sempre houve essa cultura de debater política no IBC? Ou isso foi uma novidade dessa eleição?
Acho que essa eleição precipitou isso, de certa forma. Completamos agora 100 dias da nova gestão num clima de tensão muito grande, mas acho que esse processo escancarou que existem diferenças e que existem diferentes projetos políticos pro Instituto Benjamin Constant.
E qual você acha que é a principal diferença dessa gestão em relação às outras? Acha que pode interromper esse ciclo de governismo?
Acho que de certa forma sim. É uma direção que manda e-mail aos servidores avisando da conquista de reajuste para os servidores federais, por exemplo; que faz saudação ao dia dos povos originários, coisa que não acontecia antes. Mas acho que, principalmente, é uma gestão que parece preocupada em ouvir. Quer ouvir os responsáveis, quer ouvir os alunos, quer ouvir os professores e decidir as coisas junto com eles… Embora óbvio que, à medida que é mais aberta, expõe também uma série de precariedades. Mas acho que, de forma geral, é um momento novo que estamos vivendo.
E qual você acha que são as perspectivas do ponto de vista político? Apesar do governismo, o grupo anterior mantinha relações muito próximas com as forças da direita.
Percebe-se claramente que é uma gestão que busca construir pontes com os movimentos sociais. Que instituiu uma comissão de igualdade racial, bem como de gênero, contando com representações da comunidade LGBTIA+… então aparentemente é uma gestão que busca se atualizar em relação aos debates que estão acontecendo fora daqui. O maior desafio é, eu acho, primeiro se organizar internamente, que tem sido uma dificuldade grande; e segundo, de um ponto de vista mais macro, trazer a própria discussão da deficiência para uma perspectiva à esquerda. Infelizmente, nossas referências nesse sentido hoje não são muito progressistas.