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terça-feira, 5 de novembro de 2024

Luta por moradia em Portugal mobiliza milhares de pessoas

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Portugal, assim como no resto da Europa, vive um momento de aquecimento das mobilizações populares. Refém do neoliberalismo imposto pela União Europeia e do atual governo do Partido Socialista, incapaz de apresentar soluções efetivas para o problema da moradia no país.

Núcleo internacional da UP | Portugal


INTERNACIONAL – No início de abril, milhares de pessoas saíram às ruas em Portugal por uma causa há muito conhecida no Brasil: a luta por acesso à moradia digna. Pelo menos oito cidades (Lisboa, Porto, Coimbra, Setúbal, Braga, Aveiro, Viseu e Ponta Delgada) registraram manifestações reivindicando o direito à habitação, com estimativas em torno de dez mil em Lisboa e sete mil, no Porto.

Portugal, assim como no resto da Europa (em especial na França), vive um momento de aquecimento das mobilizações populares, tendo os últimos meses sido marcados por greves e manifestações de professores e ferroviários.

E num contexto de grande inflação dos aluguéis e dos bens de consumo, principalmente nos grandes centros urbanos, foi organizada por um conjunto de pequenos movimentos sociais a manifestação “Casas para Viver”, exigindo congelamento dos aluguéis, mais habitação pública, fim da especulação imobiliária e o direito à habitação em geral. Entre esses grupos estavam presentes militantes do núcleo internacional da UP que vivem no norte de Portugal. Na classe trabalhadora em Portugal estão junto aos portugueses muitos estrangeiros, em sua maioria brasileiros, mas também cabo-verdianos, indianos, angolanos, dentre outras nacionalidades.

Muita gente sem casa

Como já é comum nas grandes capitais europeias, a gentrificação em Lisboa e no Porto tem criado uma situação cada vez pior para seus moradores da classe trabalhadora. Em diversas regiões dessas cidades, famílias já estabelecidas há gerações têm sido varridas para dar espaço a hotéis, albergues, casas de verão, restaurantes luxuosos e todo tipo de estabelecimento inacessível para a maior parte da população. Pelo país inteiro, é cada vez mais comum encontrar casas com uma placa dizendo “AL” (Alojamento Local), residências destinadas exclusivamente ao turismo. 

O processo que leva a essa crise habitacional em Portugal se deve a vários fatores. Portugal tem se tornado uma grande “casa de verão” para classes médias e altas dos países do norte global, sendo a recente política dos “vistos gold” (autorização de residência mediante investimento em empreendimento local) um exemplo de como o governo neoliberal de Portugal impulsiona esse processo.

Uma Europa que sente as crises no dia a dia obriga cidadãos de países europeus mais afluentes a migrarem para Portugal (também conhecidos como “expats”, termo que os diferenciam de imigrantes pobres e não brancos) para poderem ter um estilo de vida melhor do que teriam em seus países originários. Os seus salários e aposentadorias mais altos lhes permitem comprar casas para viver em Portugal e ainda transformá-las em alojamentos locais em busca de renda, atividade mais recompensadora do que viver nos países dos quais emigraram.

Faz parte desse processo também a especulação imobiliária. Despidos do seu valor social, os imóveis são vistos como meros ativos financeiros. Contraditoriamente a uma crise habitacional cada vez maior, existe um número gigantesco de casas abandonadas justamente nos locais onde a crise é mais aguda. Refém do neoliberalismo imposto pela União Europeia e do atual governo do Partido Socialista, incapaz de apresentar soluções efetivas para o problema, o sofrimento do povo português tem se agravado, assim como na maior parte da Europa, que sente os efeitos das sanções aplicadas em decorrência da guerra na Ucrânia, impostas pelo posicionamento do governo estadunidense, e que limitam as transações comerciais entre a Rússia e países europeus.

Uma só dor, uma só luta

O que torna a questão ainda mais complexa em Portugal é a crescente comunidade imigrante. No sentido oposto ao que acontece com a pequena parcela de imigrantes ricos, a maioria dos imigrantes é esquecida ou até punida pelo Estado em serviço da classe dominante. Sem redes de apoio, trabalhadores brasileiros e de outras nacionalidades se veem duplamente vulneráveis: financeiramente, pois poucos podem arcar com os custos de uma moradia digna assim que chegam; socialmente, pois, inerente à condição de imigrante, carregam consigo as dores da xenofobia e racismo direcionados a quem “veio de fora”. 

Mesmo sendo vítimas dos mesmos algozes, não é raro encontrar portugueses apontando os imigrantes como culpados pelo aumento dos preços. Inflamados por preconceitos há muito entranhados e alimentados pela direita chauvinista, o estrangeiro passa a ser visto como a causa de um problema que o assola ainda mais. Não é incomum ver a solicitação de adiantamentos de até seis meses de aluguéis caso o locatário seja brasileiro.

E, neste ponto, é muito importante destacar que, embora a luta por moradia popular tenha tido a primeira grande manifestação em muitos anos, os movimentos portugueses que o estão organizando conseguiram uma grande vitória: apontar de forma clara as causas do problema. Algum tempo atrás, seria impensável ouvir o discurso abertamente popular e anticapitalista promovido pelos coletivos participantes, sendo ovacionado no coração do Porto. O país também não está ileso da ascensão de uma direita fascista e, mesmo com vozes influentes espalhando o doce veneno liberal na mídia local, os coletivos organizados foram capazes de pautar o debate e apontar os verdadeiros responsáveis pela crise habitacional.

Matéria publicada na edição impressa nº 269 do Jornal A Verdade.

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