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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Mulheres potiguares lutaram contra ditadura militar e pela liberdade

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As mulheres não se calaram sobre as denúncias da ditadura militar fascista e lutaram com todas as forças contra esse regime de opressão. Conheça a história de vida das heroínas do povo potiguar que deram suas vidas pela liberdade no Brasil. 

Kivia Moreira* | Natal


BRASIL – A ditadura militar fascista no Brasil não foi um fato isolado na história da América Latina. Na mesma época, regimes semelhantes em outros países do continente nasceram de rupturas da ordem constitucional pelas Forças Armadas. 

No Brasil, uma ditadura militar foi instituída a partir de 1964 até 1985 para impedir a implantação das reformas de base que mudariam diversas políticas a fim da construção de uma nação soberana. Como tais reformas feriam os interesses dos grandes monopólios estrangeiros e seus aliados internos, a democracia foi atacada e a instalação do regime ditatorial se concedeu. O controle da classe trabalhadora por parte desses governos pautou-se por forte coerção dos sindicatos, por intervenções diretas, prisões e assassinatos de lideranças. Em quase todos os casos, os partidos políticos preexistentes foram extintos e os parlamentos submetidos a severas limitações, quando não simplesmente fechados. 

Não se pode esquecer o que esse regime foi para as mulheres. Nos relatos trazidos pela obra “Luta: substantivo feminino”, organizada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Secretaria Especial de Direitos Humanos, lançada em 2010, mostra a dimensão da crueldade da ditadura militar fascista. Desde de sequestros a torturas dos filhos dessas mulheres, estupros e tortura psicológica. O testemunho dessas mulheres foi confirmado por camaradas presos na mesma época e, em alguns casos, até por torturadores que deram seu depoimento para a Comissão da Verdade, que assumiram o crime como algo a se “orgulhar”. E, esse sentimento reforçado pelas palavras do ex-presidente fascista Jair Bolsonaro, diz que “o erro foi não eliminar todos os presos políticos.”

No entanto, as mulheres não se calaram sobre as denúncias e luta contra o regime fascista e burguês. E, diante do cenário de ameaças fascistas no país, tendo auge na tentativa de golpe militar no 8 de janeiro, é fundamental mostrar que a classe trabalhadora não se submeterá à exploração, tortura e morte do povo. Diversos são os exemplos de mulheres que lutaram contra a ditadura militar no Brasil, aqui será falado de duas militantes do estado do Rio Grande do Norte.

Lígia Maria Salgado Nóbrega

Lígia Maria Salgado Nóbrega foi militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e é uma das vítimas da Chacina do Quintino. Nascida no Rio Grande do Norte, foi para São Paulo ainda pequena.

Em 1967 foi estudar Pedagogia na Universidade de São Paulo, onde se destacou por sua capacidade intelectual, pela liderança e empenho em abrir horizontes, modernizar métodos de ensino, trabalhar no Grêmio da Pedagogia, mobilizando as pessoas para sua responsabilidade social em que direitos humanos fossem respeitados. Foram estes mesmos direitos que foram negados pela ditadura militar instalada no Brasil da época.

Em 1970, Ligia ingressou na Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares para enfrentar a violência do regime autoritário instaurado no país. Os órgãos de segurança a indicavam como participante da execução de um marinheiro inglês, David Cuthberg, em 5 de fevereiro de 1972, numa ação que pretendia simbolizar a solidariedade dos revolucionários brasileiros com a luta do povo irlandês e com o Exército Republicano Irlandês (IRA). 

Em 1972, os órgãos repressivos realizaram um cerco na casa 72, na avenida Suburbana, nº 8695, no bairro de Quintino, Zona Norte do Rio de Janeiro. A repressão teria a informação de que ali se escondia um dos principais chefes da VAR-Palmares, James Allen da Luz, companheiro de Lígia, de quem estava grávida de dois meses.

Segundo a versão oficial do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), os agentes de segurança foram recebidos à bala ao entrar no aparelho e, em legítima defesa, revidaram. Investigações recentes da Comissão Estadual da Verdade do Rio reforçam outra versão para as mortes de Lígia e de outros dois militantes que estavam na casa, Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo. 

O laudo cadavérico dos militantes não atestou a presença de pólvora em suas mãos, o que refuta a tese de confronto. A isso se somam documentos e depoimentos de vizinhos que afirmam que os militantes não ofereceram resistência. O legista que realizou as necropsias, afirmou à comissão que seus laudos foram alterados e que os corpos tinham sinais não só de execução, mas de tortura, como hematomas e coronhadas

A família de Lígia foi avisada no dia 03 de abril de 1972, de que ela estava presa com vida, com um tiro na perna, no DOI-CODI/RJ e foi morta no dia 05 de março de 1972 de acordo com um informante que avisou sua família antes de ser divulgada na televisão. A família de Ligia Maria Salgado Nóbrega, que mora em São Paulo, foi visitada por um agente policial pouco antes de anunciada sua morte pela televisão querendo ele saber, de maneira hipócrita, notícias dela. No entanto, a família só tomou conhecimento de sua morte, abruptamente, pela notícia da televisão.

Anatália de Souza Melo Alves

Anatália de Souza Melo Alves nasceu no município de Frutuoso Gomes no estado do Rio Grande do Norte. Quando tinha cinco anos, a família se mudou para Mossoró (RN). Posteriormente, trabalhou na Cooperativa de Consumo Popular. Residiu em Mossoró até se casar com Luiz Alves Neto em novembro de 1968, quando passou a viver em um conjunto popular do Fundo de Habitação Popular do Estado de Pernambuco (Fundap). Apesar de não ter formação política, aproximou-se, assim como seu marido, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

No mês seguinte, dezembro de 1968, houve o decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5), precisando que Anatália e seu marido se mudassem para Recife, atuando na Zona da Mata (PE). Infelizmente, Anatália foi presa no dia 17 de dezembro de 1972 por agentes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) em Recife.

Diante da covardia dos militares da ditadura, a prisão de Anatália foi somente registrada após 26 dias do seu sequestro, conforme os dados da Delegacia de Segurança Social de Pernambuco. Segundo versão apresentada pelos órgãos de segurança produzida pela Delegacia de Segurança Social, Anatália teria se enforcado com a tira de sua bolsa enquanto tomava banho nas dependências da própria delegacia, ocasião em que estava sob a vigilância do agente policial Artur Falcão Dizeu.

No entanto, fatos diante da morte de Anatália mostram outras evidências contraditórias ao que foi narrado pela Delegacia. Análise das fotos do laudo de perícia de local de ocorrência indica que seus órgãos genitais foram queimados. O laudo já citado, produzido pelo Instituto de Polícia Técnica (IPT), também reforça a evidência, esclarecendo que duas peças do vestuário usado pela vítima estavam parcialmente queimadas. Esse fato corrobora as declarações de algumas testemunhas, que afirmaram que Anatália teria sido submetida a diversos tipos de tortura, incluída violência sexual.

A versão falaciosa do “suicídio” da jovem Anatália Melo Alves jamais convenceu seus companheiros políticos, e, particularmente, seus companheiros de prisão. Várias e diversas comissões e entidades de direitos humanos, diante das significativas contradições e lacunas existentes nos documentos oficiais, registraram também como suspeita a versão apresentada pelos órgãos de repressão. 

Diante das histórias de grandes militantes que combateram a ditadura militar até o fim de suas vidas, é fundamental  reafirmar a luta dos trabalhadores para impedir o avanço do fascismo no Brasil e construir um novo mundo sem exploração e violência às mulheres. Como diz o revolucionário potiguar Emmanuel Bezerra “Meus soldados não se rendem, o grande dia chegará”

*Militante do Movimento de Mulheres Olga Benário

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