Privatização da Água prejudica população no Rio Grande do Sul

400

A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) está em processo de privatização acelerado pelo Governo do Estado, tendo sido leiloada na Bolsa de Valores em dezembro do ano passado. A privatização leva invariavelmente à piora dos serviços, ao encarecimento das tarifas e a graves custos sociais aos trabalhadores envolvidos.

Luiz Cláudio de Paiva Júnior | Caxias do Sul (RS)


BRASIL – O fornecimento de água potável e o serviço de saneamento, apesar de essenciais à manutenção da vida humana e da saúde de toda a população, estão na mira da iniciativa privada, do governo do Rio Grande do Sul e da Prefeitura de Porto Alegre, que pretendem transformar em mercadoria esses preciosos recursos públicos. A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) está em processo de privatização acelerado pelo Governo do Estado, tendo sido leiloada na Bolsa de Valores em dezembro do ano passado. O valor de venda, R$ 4,151 bilhões, baseado em estudo sigiloso contratado pelo governo, equivale a 11 meses de arrecadação da estatal, que vale pelo menos R$ 6,5 bilhões, de acordo com estudo do economista André Locatelli.

No mesmo sentido é a intenção da Prefeitura de Porto Alegre em entregar à exploração privada parte dos serviços do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), autarquia fundada em 1961 que trata mais de 62% dos esgotos gerados na cidade.

Argumentos privatistas falaciosos

Tanto o governador Eduardo Leite (PSDB) quanto o prefeito Sebastião Melo (MDB) justificam a venda alegando que as respectivas entidades não possuem capacidade financeira para cumprir as metas do novo marco regulatório do Saneamento (90% dos domicílios com esgoto tratado e 99% com água potável até 2033). Em ambos os casos, porém, a justificativa se ancora em argumentos frágeis ou mesmo equivocados.

O Tribunal de Contas do Estado mandou suspender a venda das ações da Corsan, apontando a necessidade de se apurar a real cobertura de esgoto existente, além das obras de ampliação já contratadas. Em 2021, o Ministério Público de Contas reconheceu que a Companhia vem aumentando sua capacidade de investimentos e pode alcançar, até 2033, mais do que os R$ 10 bilhões que o governo alega como necessários para cumprir as metas.

No caso do Dmae, a autarquia possui mais de R$ 300 milhões em caixa e aplicados em instituições financeiras, como denunciou um conselheiro da estatal (www.senge.org.br, 06/03/2023), no momento em que a administração municipal alega incapacidade financeira da entidade e não realiza concurso público.

Sob forte contestação popular

As privatizações esbarram, no entanto, em forte resistência da população hoje beneficiada pelos serviços públicos sob ataque. As categorias de servidores públicos vinculados às estatais vêm promovendo greves e atos de protesto desde o início das medidas privatistas, aliadas a movimentos sociais e entidades sindicais solidárias. As organizações alertam a população sobre os impactos negativos de uma eventual desestatização.

Sindicatos e movimentos populares manifestaram-se em frente à Assembleia Legislativa no Dia Mundial da Água (22 de março), ato no qual foi lançado o Fórum Popular em Defesa da Água, com o objetivo de convocar o povo a pressionar os respectivos governos a desistirem da venda do patrimônio público e entrega dos serviços essenciais à exploração de lucro.

O Sindiágua/RS adverte também para irregularidades no processo de venda da Corsan, como o possível uso de informações privilegiadas pela única participante do leilão (Consórcio Aegea), que já atua há anos dentro da Companhia, além de denúncia de indevida interferência do governo na agência reguladora dos serviços públicos (Agergs). Entidades pedem a instauração de uma CPI para investigar as suspeitas e o evidente prejuízo ao erário pelo preço de venda abaixo do real valor da autarquia.

Na contramão da tendência mundial

Levantamento do centro de estudos Transnational Institute (TNI) mostra que, ao menos, 1.408 serviços foram reestatizados em 58 países nos últimos anos, estando o fornecimento de água potável e o tratamento de esgoto em primeiro lugar, seguidos de energia, gás, telecomunicações e coleta de resíduos. Em ordem, os países que mais reestatizaram são Alemanha, Estados Unidos, França, Espanha e Reino Unido. Ou seja, o centro do capitalismo não quer privatização. Porém, enviam suas multinacionais para comprar empresas públicas nos países menos desenvolvidos e remeter lucros de volta para o centro.

As razões são evidentes: a privatização leva invariavelmente à piora dos serviços, ao encarecimento das tarifas e a graves custos sociais aos trabalhadores envolvidos. O exemplo da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE/RS, atual Equatorial) é emblemático. Após a privatização, a nova empresa cortou benefícios dos empregados para coagi-los a aderir ao plano de demissão voluntária e promoveu demissão em massa daqueles que não aderiram, levando ao desligamento de mais de mil funcionários (50% do total). Como resultado, a Equatorial presta hoje um péssimo serviço à população, tendo deixado, no ano passado, 60 mil pessoas sem luz durante cinco dias, pois o setor de manutenção da rede foi sucateado.

Por tudo isso, é imprescindível que os servidores e a população em geral se mobilizem para barrar a sanha privatista e manter os serviços essenciais e recursos estratégicos sob gestão estatal orientada por princípios democráticos e na defesa da soberania nacional.

Matéria publicada na edição nº272 do Jornal A Verdade.