Miséria, falta de moradia, racismo e machismo estão entre algumas causas dos problemas psicológicos na vida do povo. O papel da psicologia e do psicólogo nesta sociedade.
Jefferson Ramos | Manaus*
OPINIÃO – Há algumas décadas, os cientistas sabem que as experiências de vida que passamos, podem interagir com a nossa estrutura cerebral, modificando-a e, por consequência, modificando também nossos comportamentos e formações psicológicas. Através de um mecanismo biológico que torna nosso cérebro mais flexível, experiências ocorridas na infância podem interagir também diretamente com nosso DNA, através de outro mecanismo biológico deixando alterações genéticas, que posteriormente afetarão nossos comportamentos. É o que uma pesquisa encontrou ao analisar que crianças mais pobres, de baixo status socioeconômico, tendem a apresentar alterações genéticas que, ao longo do tempo, aumentam as chances de sintomas de saúde mental como depressão e ansiedade.
O desenvolvimento do cérebro é resultado de uma interação dinâmica entre nossa estrutura genética e o mundo em que vivemos. Os fatores genéticos e internos interagem mutuamente com fatores externos e ambientais, alterando significativamente a estrutura cerebral. É esse ajuste flexível que nosso corpo mantém com o mundo que permite que, muitos estilos diferentes de criação parental, relacionamentos e experiência de vida ocasionem diferentes efeitos nas personalidades e comportamentos das pessoas.
Embora maus-tratos na infância, negligência emocional e outros estejam associados a um risco aumentado de adoecimento mental, fatores mais gerais, como o baixo nível socioeconômico, também influenciam. Seja por níveis mais elevados de estresse, devido ao ritmo de vida, ou ainda por conta do ambiente em que se está inserido, como a má qualidade de habitação, insegurança, miséria, poluição etc., o baixo status socioeconômico, está associado aos piores resultados em saúde.
Os cientistas e profissionais da saúde também concordam que o aumento no risco de adquirir um determinado transtorno mental não pode ser explicado somente por questões pessoais ou ainda questões “puramente” econômicas. Passam também por questões de raça, etnia, gênero e sexualidade. Recentemente, um grupo de cientistas demonstrou que indivíduos de origem étnica ou racial minorizada e baixa renda têm uma carga maior de distúrbios de sono, o que está ligado ao aumento de doenças que afetam nosso metabolismo, incluindo obesidade, hipertensão, diabetes e dislipidemia.
Some isto ao fato de que entre 2012 e 2016 a taxa de suicídio entre os jovens brancos permaneceu estável, enquanto a taxa de mortalidade por suicídio de jovens negros (segundo o IBGE, pardos e pretos) aumentou em 12% no Brasil (sendo essa taxa 50% maior entre a população negra do sexo masculino do que entre brancos na mesma faixa etária e sexo), passamos a entender melhor como a opressão de classe e de raça influenciam diretamente a formação de nossas mentes.
Em outras palavras, compreendemos como o modo de produção capitalista adoece as classes economicamente menos favorecidas, os mais pobres, por conta de sua própria lógica “natural” de funcionamento, afetando muito mais a saúde mental e física dos trabalhadores do que as do que estão em cima da pirâmide econômica.
Por uma psicologia revolucionária
É desse ponto de partida que deve começar o trabalho de um psicólogo revolucionário, comprometido com a libertação social dos trabalhadores e dos grupos oprimidos. Sob a lógica do modo de produção capitalista, onde tudo se transforma em mercadoria e onde todos os problemas pessoais são individualizados, uma psicologia com viés revolucionário deve ser crítica de toda prática que busque explicar o comportamento e a consciência humana independente do seu contexto sociopolítico, histórico e cultural.
Nessa visão, a consciência das pessoas oprimidas é compreendida não por meio de processos que ocorrem somente dentro do cérebro do indivíduo, em uma perspectiva puramente individual, mas como resultado das relações recíprocas estabelecidas entre o indivíduo e sua coletividade, especificamente. Tal psicologia busca as causas do sofrimento do indivíduo, não apenas dentro dele próprio, mas dentro de seu contexto opressivo que a todo custo busca individualizar seu sofrimento.
Desse ponto de vista, analisar é entender o comportamento das pessoas como um movimento entre parte (indivíduo) e todo (sociedade), deslocando a causa do sofrimento de dentro do indivíduo e de suas circunstâncias imediatas, para fora, para as relações sociais históricas que o cercam, afinal nenhum comportamento ocorre num vácuo social.
Além de diagnosticar as causas imediatas e psicossociais do sofrimento, deve-se encabeçar junto ao indivíduo, um processo de conscientização, onde através do diálogo se busque o aumento de consciência que as pessoas têm de si mesmas a partir do aprendizado de como entender as relações que os formam. À medida que aprendem a analisar as relações sociais nas quais estão inseridos e, começam a compreender que seus ambientes são modelados por uma realidade social opressiva, a pessoa constrói gradualmente seu próprio autoconhecimento de como o mundo a constrói e como ela constrói seu mundo.
O papel primordial do psicólogo é tomar o lado do oprimido, afinal, diante uma situação de injustiça, opressão e violência, abster-se, ficar em cima do muro ou não tomar uma posição, é tomar uma posição: a do opressor. Seu papel contribuir para eliminar, junto dos oprimidos, os mecanismos que as levam a comportar-se como um alienado, como um “louco”, ou ainda como um “rebanho”. O “Que Fazer” do psicólogo não pode limitar-se ao plano teórico, mas deve confrontar diretamente os fatores sociais onde se materializa de fato todas as questões puramente humanas.
Uma psicologia sem luta de classes não pode aspirar ser uma ciência, mas é antes uma tecnologia do ajustamento e seu profissional correspondente, não um psicólogo, mas um agente dos interesses do capitalismo. Uma psicologia comprometida socialmente deve ser comprometida não apenas com melhorias parciais ou temporárias na sociedade (reformas ou políticas públicas) por mais importantes que sejam. Uma psicologia engajada com o sofrimento dos oprimidos deve almejar mais, deve apoiar e construir uma mudança radical. Em poucas palavras: uma que nos leve para um regime social onde não há mais a “exploração do homem pelo homem”.
*psicólogo e militante do MLB no Amazonas