A desindustrialização e precarização do trabalho no Brasil tornaram ainda mais difícil organizar os trabalhadores numa perspectiva de luta de classes. Nesse contexto, o trabalho nos bairros populares demonstra enorme potencial na luta pelo do socialismo.
Frederico Tavares | Cabo Frio (RJ)
OPINIÃO – As pressões sociais que a existência da União Soviética realizou sobre as democracias burguesas foram capazes de, por décadas no pós-guerra, gerar um consenso global de atenuação da luta de classes. Um processo que se deu com a organização de um estado responsável pela redistribuição parcial da mais-valia através de políticas públicas de bem-estar social.
Apesar de representar ganhos para a classe trabalhadora, esse fenômeno não veio sem contrapartidas. O resultado foi a institucionalização da esquerda reformista, das suas conquistas e das suas lutas, nas repúblicas capitalistas.
A contraofensiva não tardou. Já na década de 1970 começou a se desenhar as bases do que viria a ser conhecido como neoliberalismo. Uma reformulação dos métodos capitalistas que evidenciaria os limites e contradições de uma esquerda institucionalizada, parlamentarizada, e que em sua maioria havia abandonado a perspectiva de luta de classes.
Disfarçadas por um tecnicismo econômico, um conjunto de reformas impuseram uma intensa austeridade fiscal sobre os mecanismos estatais de redistribuição da mais-valia social (programas sociais, investimentos em saúde e educação etc.), promovendo um retrocesso nas políticas públicas que favoreciam a classe trabalhadora. Por outro lado, houve a restituição das taxas de lucro da burguesia via pagamento das dívidas públicas, taxadas a juros exorbitantes.
A partir dos anos 1990, sem a disputa com o campo socialista, as políticas neoliberais avançaram com ainda mais força. Como resultado de todo esse processo, o Brasil tem vivenciado um período de privatizações e desindustrialização, consolidando como principais alicerces da nossa economia, no cenário global, a produção e a venda de commodities (soja, ferro, petróleo bruto e outros tipos de matérias primas). Nas cidades brasileiras gerou-se uma tendência de crescimento dos trabalhadores informais e dos empregos que não exigem capacitação específica, fora do ramo industrial.
Burocratizados, institucionalizados e com base cada vez mais diminuta, os sindicatos, que constituem a forma tradicional de organização dos trabalhadores na luta de classes, vêm tendo o seu alcance reduzido. Impõe-se ao campo socialista a necessidade de elaborar um modelo de estratégia e tática, a partir desta conjuntura, que seja capaz de vislumbrar de forma integrada todas as frentes de luta.
Muito se tem feito nesse sentido, desde uma disputa nos próprios sindicatos para reformulá-los dentro da realidade atual e torná-los mais efetivos, passando pelo movimento estudantil e demais movimentos sociais e chegando enfim a uma retomada mais incisiva nas disputas eleitorais dos poderes executivo e legislativo. Mas focaremos aqui em um trabalho específico: a organização a partir dos locais de moradia dos trabalhadores.
A importância do trabalho de bairro
Para tanto, devemos aprender com o que temos de mais avançado no nosso campo na América Latina e dedicar um olhar mais atento à experiência cubana. Como essa pequena ilha no Caribe consegue manter um sistema de organização social baseado no poder popular?
São diversos os meios desenvolvidos ao longo das décadas em que o socialismo cubano resiste e avança, mas a base mais sólida está pautada no trabalho territorial dos CDR (Comitês de Defesa da Revolução). O povo organizado em cada quadra de cada bairro do país se reúne, toma decisões e realiza ações para exercer o seu poder político.
Em Cuba, o modelo de socialismo estruturado a partir dos locais de moradia foi desenvolvido após a revolução. Não cabe, portanto, uma analogia direta com a nossa realidade atual, mas nos mostra a importância fundamental de se organizar a partir das comunidades em uma realidade em que apenas uma pequena parcela da população é formada pelo proletariado industrial.
Paralelamente as disputas feitas nos sindicatos, no movimento estudantil e entre a intelectualidade, é preciso desenvolver um trabalho que tenha como foco as comunidades, os locais de moradia da classe trabalhadora.
Essa é uma tática que gera disputa, inclusive, com o trabalho que as igrejas têm feito intensamente no Brasil, com resultados nítidos em prol de um projeto de poder reacionário. Não nos comparemos, as igrejas têm a seu favor um enorme aporte financeiro e o fato de partirem de estruturas de poder já estabelecidas, além de prometerem soluções idealistas e metafísicas para problemas concretos.
Partimos de outro ponto ao pretender pôr em prática essa tática, mas a sua importância e o seu potencial na disputa pelo poder são enormes e não podem ser menosprezados. Sendo assim, a Unidade Popular tem buscado criar núcleos de bairro para, junto com os movimentos sociais parceiros, desenvolver a luta e organizar a classe a partir do território.
A luta popular em Cabo Frio (RJ)
O núcleo do Guarani em Cabo Frio (RJ) é um exemplo. Já foram diversas as atividades realizadas no bairro pela militância, como eventos culturais, bazar, plantio de árvores, panfletagens e brigadas do jornal A Verdade. Uma construção ainda incipiente, mas com pujante capacidade de crescimento.
Atualmente o núcleo vem construindo junto com o MLB uma horta comunitária no local. Identificamos um terreno público que estava abandonado e servia como depósito de lixo e entulho. Através de mutirões começamos a atuar lá. Hoje a área se encontra limpa, cercada e com mudas de banana, mamão, limão, acerola, entre outras árvores frutíferas, além de batata doce, tomate e abóbora.
Uma pequena área que começa a produzir alimentos num momento em que no país do agronegócio existem 33 milhões de brasileiros em insegurança alimentar grave. É uma iniciativa que tira a população local da passividade e da apatia política.
É o exemplo de atuação que deve ser replicado em todos os bairros do país. Muitas pequenas atividades locais simultâneas, coordenadas, ideologicamente pautadas, têm uma enorme capacidade de alcance político. Precisamos ser referência de ação, mas conscientes de que as ações individualizadas não são um fim em si. Elas devem estar alinhadas dentro de uma estratégia bem formulada e regularmente reavaliada a partir da prática.
É importante que entendamos essas ações a partir de um contexto de luta e disputa de poder. Não podemos correr o risco de cair no utilitarismo sem princípios, ou seja, entrarmos em diversas ações práticas sem uma perspectiva, ignorando o “porquê” e o “como”. A luta pelo poder popular no Brasil só conseguirá avançar se for estruturada sobre as reais condições do país e com estratégia e táticas bem definidas. E se faz urgente avançar nesse debate sem idealismo, moralismo ou anacronismo.
Precisamos ocupar todos os espaços e o território é fundamental nesse sentido. O trabalho organizado a partir do território gera diversas possibilidades para a construção do poder e da organização popular. A difusão do nosso trabalho territorial será um dos pilares de nossa ação, pressupondo, é claro, ser estruturado com método, encarado como uma das táticas e com a clareza de que serve como um dos caminhos dentro de uma perspectiva mais ampla: a construção do socialismo.