O Brasil é um país subdesenvolvido com enormes desigualdades sociais e regionais. A existência de uma empresa estatal de energia é uma necessidade. A alternativa é deixar as regiões e as pessoas mais pobres sem acesso às energias modernas. Cada atividade a mais encampada pela Petrobras é um espaço a menos de valorização do capital.
Beto Silva | Rio de Janeiro
BRASIL – Em 16 de maio, a Petrobras anunciou uma mudança na sua política de preços, encerrando o atrelamento obrigatório à paridade com os preços internacionais (PPI). Em 1º de junho, foi a vez da alteração dos direcionadores estratégicos da companhia, que agora voltaram a incluir o desenvolvimento, a autossuficiência e o abastecimento do país. Essas mudanças foram algumas das principais promessas de campanha do presidente Lula e são fundamentais para reorientar a atuação e os objetivos da maior empresa pública do Brasil.
Desde o golpe de 2016, as sucessivas diretorias da Petrobras diziam que, pelo fato do petróleo ser uma commodity internacional, a PPI seria a única política de preços possível. Uma grande mentira! Em primeiro lugar, é preciso lembrar que os preços internacionais são marcados em dólar. Por isso, para os países com moedas periféricas, como é o caso do Brasil, vincular o preço dos combustíveis ao mercado internacional é deixar o país duplamente vulnerável: ao próprio preço do petróleo e à taxa de câmbio. Para entender o tamanho dessa fragilidade, basta ver que o preço do petróleo em dólares, em abril de 2023, foi apenas 6,5% maior do que cinco anos antes. Porém, em reais, devido à desvalorização cambial, o aumento foi de 51% no mesmo período. A impossibilidade prática de adoção da PPI já estava escancarada desde a greve dos caminhoneiros, em 2018, quando o principal modal de transporte do país foi inviabilizado pela antiga política de preços na sua versão mais dura.
Além disso, pela lógica da PPI, o preço interno não é afetado pela capacidade do parque de refino nacional. Com os preços da produção doméstica de derivados atrelados ao mercado internacional, a população passou a pagar como se o Brasil não tivesse nenhuma refinaria, como se todos os derivados vendidos no país fossem importados. No entanto, mais de 85% do diesel e da gasolina consumidos são produzidos internamente.
Se, por um lado, a PPI resultou em preços insustentáveis para os consumidores brasileiros, por outro, fez a alegria dos refinadores norte-americanos. Desde o início da década de 2010, uma nova tecnologia de perfuração de poços permitiu aos produtores dos EUA acessarem novas reservas de óleo e gás. Em 2022, a produção norte-americana atingiu 12 milhões de barris por dia, contra 5,5 milhões em 2010. A duplicação da oferta de petróleo levou também ao aumento da produção de derivados. Assim, a busca por novos mercados para escoar essa produção passou a ser uma questão central para os refinadores estadunidenses. Atualmente, 10% da gasolina e 25% do diesel produzidos nos Estados Unidos são exportados. No caso do diesel, 90% da exportação vai para a América Latina, sendo o Brasil o segundo maior mercado, atrás apenas do México, que é vizinho dos EUA. Ou seja, o mercado brasileiro tem hoje uma importância significativa para o parque de refino norte-americano. O fim da PPI obrigará esses produtores a reduzir suas margens de lucros e a aumentar a disputa por mercados alternativos.
Com os preços elevados, a receita da Petrobras disparou. No entanto, paradoxalmente, o aumento do faturamento foi acompanhado pela redução drástica do investimento. Segundo levantamento da Associação dos Engenheiros da Petrobras, em 2022, os investimentos líquidos da estatal foram de US$ 4,8 bilhões. Esse montante é dez vezes menor que o de 2010. A combinação de preços altos e paralisia dos investimentos só poderia resultar em aumento dos lucros para os acionistas privados da companhia. Em 2022, a empresa teve o maior da sua história, incríveis R$ 190 bilhões. Mas, o que foi feito desse dinheiro?
Embora o Estado brasileiro ainda tenha o poder de controle sobre a Petrobras, 63,4% do capital total da companhia (ações ordinárias + ações preferenciais) já são propriedade privada, sendo que 46,5% estão em posse de estrangeiros. Para piorar, 21% das ações são negociadas na Bolsa de Nova Iorque, deixando a empresa brasileira sujeita ao arbítrio das autoridades dos Estados Unidos. Portanto, foi o capital privado e, em especial, o capital privado internacional, que mais de beneficiou da política de preços e do gigantesco lucro gerado pela Petrobras. No ano passado, a companhia sozinha, pagou mais dividendos aos acionistas do que todas as outras empresas da B3 (antiga Bovespa) juntas.
A Petrobras precisa servir aos interesses nacionais
Por tudo isso, o fim da PPI foi uma medida necessária e urgente. Entretanto, novos passos precisam ser dados. As várias gestões privatistas que passaram pela companhia desarticularam a atuação integrada e nacional da Petrobras. Gasodutos, terminais aquaviários, poços de petróleo, termoelétricas, usinas eólicas, praticamente toda a empresa esteve à venda nos últimos anos. Entre as privatizações mais emblemáticas e impactantes estão a rede de postos BR e as refinarias da Bahia (Refinaria Landulpho Alves) e do Amazonas (Refinaria Isaac Sabbá).
Com a venda da BR Distribuidora, em 2021, a Petrobras saiu do segmento da distribuição, isto é, da venda direta de seus produtos aos consumidores finais. Agora, a empresa depende de agentes privados para atuar em todos os elos da cadeia do petróleo. Vale lembrar que a empresa compradora da BR levou não apenas seus ativos físicos (tancagem, logística, etc.) mais também o direito de continuar usando a marca Petrobras nos postos de abastecimento.
Já a política de venda de refinarias contribuiu para a formação de monopólios regionais privados. Na Bahia, a refinaria vendida é a segunda maior do país. Com isso, a população baiana não deve se beneficiar da nova política de preços da Petrobras. A nova proprietária da refinaria, um fundo de investimentos dos Emirados Árabes, já anunciou que manterá seus preços atrelados à PPI. No caso da refinaria do Amazonas, era o único ativo de refino da Petrobras na região Norte. Sua privatização foi um avanço significativo para o desmantelamento da atuação nacional na Petrobras. Além disso, pela proximidade geográfica, a região Norte é um ponto de acesso privilegiado para a entrada das importações vindas dos Estados Unidos. Ou seja, a refinaria do Amazonas tinha também uma importância estratégica para a competitividade da Petrobras.
O Brasil é um país subdesenvolvido com enormes desigualdades sociais e regionais. A existência de uma empresa estatal de energia é uma necessidade. A alternativa é deixar as regiões e as pessoas mais pobres sem acesso às energias modernas. Cada atividade a mais encampada pela Petrobras é um espaço a menos de valorização do capital. Por isso, os capitalistas do Brasil e do exterior farão de tudo para evitar que a Petrobras cumpra seu papel social e econômico. O governo precisa aproveitar a força acumulada com a vitória eleitoral para acelerar as mudanças na companhia. A luta por uma Petrobras estatal, integrada e nacional é a luta pelo desenvolvimento do Brasil.
Matéria publicada na matéria nº 274 do Jornal A Verdade.