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domingo, 22 de dezembro de 2024

3º Marcha das Mulheres Indígenas reúne 8 mil e reafirma direitos e luta das mulheres originárias

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Marcha ocorre a cada dois anos, organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade – ANMIGA. Neste ano ela aconteceu em Brasília na semana que antecede o retorno do julgamento do Marco Temporal.

Agnes Rodrigues | São Paulo


MULHERES – A III Marcha das Mulheres Indígenas, realizada entre 11 e 13/09, teve os dois primeiros dias compostos por plenárias e rodas de conversa sobre os direitos sociais, econômicos e culturais das mulheres indígenas. No terceiro dia, cerca de 6 mil pessoas de diversos povos de todo o território de Pindorama marcharam da Funarte até a Esplanada dos Ministérios, com cantos tradicionais e faixas reivindicando pelos direitos das mulheres bioma.

A Marcha das Mulheres Indígenas é um evento que tem como objetivo fazer um enfrentamento aos diversos tipos de violência do qual as mulheres indígenas vivenciam e, nesta edição, teve um impacto ainda mais relevante já que antecede o retorno da votação do julgamento do Marco Temporal, marcado para o dia 20/09.

Esse projeto de lei inconstitucional apoiado por ruralistas visa determinar o direito a terra somente para os povos que comprovarem que estavam em seus territórios na data da promulgação da atual Constituição – 05 de outubro de 1988.

Mulheres bioma pela defesa da biodiversidade e pelas raízes ancestrais

Para as mulheres indígenas a luta pelos seus direitos não é uma pauta separada da luta contra o Marco Temporal. O território de origem de cada povo determina sua cultura, pois cada território tem suas especificidades que compõe a alimentação, saberes, costumes, espiritualidade e a relação que se tem com Pachamama.

O corpo de cada mulher indígena carrega o conhecimento coletivo, é um território, é terra onde se preserva e se cultiva cultura e saberes ancestrais, assim como é a terra onde vivem. O corpo-território da mulher é parte do bioma do qual pertencem, é uma manifestação da força de cada bioma.

Não existe separação da luta pela demarcação de territórios e pelos direitos da mulher indígena e, portanto, a Marcha das Mulheres Indígenas é um reforço à reinvindicação do direito aos territórios ancestrais. A não homologação e não demarcação das terras indígenas e a ameaça do PL do Marco Temporal refletem em violências contra a mulher indígena de muitas maneiras como na questão da emergência climática.

Com os saberes tradicionais as mulheres bioma tem as ferramentas necessárias para conter a catástrofe climática que já está em curso ao redor do planeta, ferramentas estas de regeneração e preservação de cada bioma. Sem florestas, não há vida para os indígenas, mas também não há vida para os não indígenas e nem para os demais animais que também são parte do ecossistema.

Ninguém que está vivo pode sobreviver sem ar para respirar e os povos indígenas são responsáveis pela preservação de 80% da biodiversidade do planeta e pelas florestas que ainda estão em pé, mesmo aos constantes e históricos ataques por desmatamento, grilagem e mineração.

Durante a marcha, a deputada Célia Xakriabá disse: “estamos aqui mais uma vez para denunciar a violência contra os nossos territórios e dizer que somos a solução para barrar a crise climática”.

Saúde e valorização das profissionais indígenas

A negação do território também interfere na saúde das mulheres indígenas, bem como de seus filhos. Ver seus territórios sendo constantemente ameaçados, roubados e invadidos afeta a saúde mental e física dessas mulheres.

Ao se deparar com a invasão, violação latifundiária, privatização e destruição de seus territórios, a saúde física da mulher indígena é afetada na medida que não se pode mais exercer a cultura alimentar e medicinal tradicional. Também é prejudicial para a saúde mental, uma vez que testemunhar a perda de sua cultura por meio de violência desencadeia questões emocionais e psicológicas.

É importante salientar que os profissionais de saúde, em maior parte, não contemplam as especificidades da saúde indígena em seus estudos e trabalhos, tendo conhecimento insuficiente para trabalhar dentro das comunidades. Também não há compreensão das dinâmicas sociais e espirituais tradicionais, sendo uma barreira para a compreensão do conceito de saúde nas cosmovisões dos povos originários.

É necessário refletir sobre como tem sido uma luta importante a presença e permanência de pessoas indígenas nas universidades, porém é importante também que os não-indígenas se desvinculem do olhar exclusivamente acadêmico para conseguir compreender as variadas culturas originárias não somente na questão da ecologia, mas também de saúde e educação.

O debate sobre saúde mental também contempla a valorização das trabalhadoras indígenas que detém estes conhecimentos específicos que podem atuar de forma preventiva na saúde indígena.

Dados do Ministério da Saúde, publicados na cartilha de Estratégias de Prevenção do Suicídio em Povos Indígenas (2019), mostram que o suicídio entre indígenas é proporcionalmente maior do que entre negros e brancos. Os indígenas são os que mais cometem suicídio: 15,2 óbitos para cada 100 mil habitantes, enquanto entre brancos é de 5,9 a cada 100 mil habitantes e, entre negros, 4,7 a cada 100 mil habitantes.

As trabalhadoras de saúde indígena podem e devem ter protagonismo para combater esta questão e reivindicam visibilidade e espaço na área da saúde não só em comunidades indígenas isoladas, mas também em regiões de corpos indígenas em contexto urbano.

As inúmeras formas de violência contra as mulheres indígenas

Roda de conversa sobre violência contra as mulheres indígenas (Foto: Edgar Kanaykõ / Greenpeace).

No evento foram discutidas também a violência contra as mulheres indígenas que perpassam outros aspectos como a violência física, sexual, moral, psicológica, patrimonial, religiosa e racial. Há também a violência política, que acontece em espaços relacionados ao exercício de seus direitos políticos ou exercício de seus cargos.

Isso afeta diretamente as mulheres indígenas que são lideranças e caciques dentro de seus territórios e também as que ocupam lugares na política de partidos, como deputadas, ministras e vereadoras.

A violência institucional também foi evidenciada nas plenárias, onde mulheres de vários povos fizeram falas referindo-se a diferença negativa no tratamento dentro de organizações, empresas e instituições em geral.

Houve também relatos sobre serviços públicos como hospitais e de instituições do Estado, como a PM, onde há a negação ou negligência das denúncias e pedidos de socorro das mulheres indígenas. Foi reforçado que a violência dentro dos territórios não é cultural e que para lidar com a ela é importante que haja sempre o reconhecimento dos direitos constitucionais das mulheres.

Ao final das discussões, foi elaborada uma cartilha com direcionamentos para casos de denúncia e pedidos de socorro onde a mulher pode procurar por organizações como coletivos de mulheres indígenas ou associações, delegacia comum e delegacia da mulher, Ministério Público, Defensoria Pública, CREAS, CRAS e IML.

É preciso compreender a questão indígena como um todo

Acontece também de algumas mulheres indígenas não recorrem para fora de seus territórios em busca de ajuda, pois, fora do território, o preconceito pelo não domínio da língua portuguesa e as tantas ameaças da urbanização colocam em risco sua identidade indígena como um todo. Para compreender a luta das mulheres indígenas é preciso aprender a olhar para os diversos aspectos que compõe a identidade e cultura coletiva indígena.

A Marcha das Mulheres Indígenas é importante pois discute e reafirma todas essas questões. Sonia Ara Mirim, da TI Jaraguá, em São Paulo, comenta para o Jornal a Verdade que “essa marcha é importante pois fortalece todas as pessoas indígenas, em especial as mulheres, pois pode ajudar a encontrar as respostas que elas precisam com relação aos seus direitos, à violência de gênero, à criação de seus filhos e ajudar a levar os jovens indígenas para esses espaços de debate, para que possam continuar a luta quando elas ancestralizarem”.

Para ela, também é importante a abordagem política, pois tendo mulheres na política as reinvindicações das mulheres indígenas ficam em maior evidência, já que tem ficado cada vez mais difícil de elas acessarem os seus direitos. “O Marco Temporal está mexendo com milhares de indivíduos, com a vida dos povos indígenas. E as mulheres são as que geram essas vidas, nosso útero representa a Terra, tudo o que está acontecendo no Brasil e no mundo, com nossos irmãos, tem toda essa questão da violência e não reconhecimento que nos afeta diretamente”, conclui Sonia.

Mulheres indígenas na luta pela revolução

As mulheres indígenas lutam e resistem pela vida delas próprias e do planeta. Também resistem pelas mulheres que já se foram na luta. É importante que todas as mulheres revolucionárias observem, aprendam e somem na luta das mulheres indígenas, que sofrem violências de muitas maneiras desde a invasão de 1500.

Mais do que isso, é preciso que a luta pelo socialismo contemple também a questão indígena para que seja possível vivermos em um mundo justo para todos, onde se preserve, valorize e aprenda com os saberes ancestrais dos quais carregam as mulheres originárias.

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