36 anos após o maior acidente radiológico do Brasil, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) veta projeto de lei que reajustaria o valor das pensões baixíssimas às vítimas.
Bluma e Thawanny Lacerda | Redação GO
BRASIL – A cidade de Goiânia, no final da década de 1980 e começo de 1990, foi marcada por um crescimento populacional e por uma expansão capitalista incentivada pelo poder público. Dessa maneira, o centro de Goiânia sofreu transformações advindas dessa ideia de modernização, um exemplo é a prática de “catação” de materiais recicláveis. O contexto de desemprego surge como um elemento que direcionou indivíduos para essa atividade, tendo em vista, que a mesma garante a subsistência do trabalhador e dos seus familiares.
Goiânia, nesse processo de modernização, colocava indivíduos em situação de desemprego. Assim, o centro da cidade era composto por sujeitos em situação de prática de “catação” que se situavam em uma posição de trabalhador informal, com ausência de todos os direitos trabalhistas e vulneráveis a acidentes de trabalho e doenças associadas ao trabalho.
Foi nessa conjuntura que a capital goiana se torna palco do maior acidente radiológico do Brasil. Pela falta de supervisão e cuidado do Governo de Goiás, da Secretaria de Saúde de Goiânia e do Instituto Goiano de Radioterapia, uma cápsula de chumbo contendo o elemento radioativo césio-137 foi abandonado e encontrado por catadores de lixo em 1987. Sucedeu-se uma tragédia de saúde pública que gera impacto até hoje na vida de centenas de pessoas.
A triagem feita no Estádio Olímpico de Goiânia na época verificou mais de 112 mil pessoas, e 129 apresentaram contaminação corporal pelo césio. Quatro pessoas morreram diretamente da contaminação, incluindo a menina de seis anos, Leide das Neves, que se tornou símbolo da tragédia. Foi então criada a Superintendência Leide das Neves (Suleide) para atender os radioacidentados, hoje em dia ela se tornou o Centro de Atendimento aos Radioacidentados (Cara), órgão da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás.
No aniversário de 30 anos do acidente, em 2017, o portal G1 realizou uma matéria entrevistando acidentados que relataram sofrer com a falta de apoio médico e financeiro. Das 1.143 vítimas, apenas 751 recebiam as pensões do governo, seja estadual, federal ou ambas.
Porém, mesmo com a pensão, atendimento específico e supostos benefícios garantidos, várias vítimas apresentavam queixas da insuficiência dos serviços para ter uma vida digna. O acidente Césio 137 é visto, principalmente na sociedade goianiense, como um “episódio” a ser superado e sem preocupação da preservação da memória. Com isso, as vitimas são gradativamente excluídas da sociedade e da identidade de Goiânia. Sem oportunidades de empregos, traumas psíquicos, preconceitos, constrangimentos e abandono por parte do Estado.
“O valor que a gente ganha do Estado não dá para comprar os medicamentos. Eu gasto cerca de R$ 300 por mês com os remédios. Hoje, a gente recebe um salário de fome”, contou Donizeth Rodrigues de Oliveira.
Outra vítima, João de Barros Magalhães, afirma que conseguiu todos os benefícios que possui após entrar na Justiça com um processo em 2003. Presidente da Associação dos Contaminados e Irradiados Expostos do césio-137 (Aciec), João de Barros diz que muitas vítimas não conseguem bancar todos os gastos com a própria saúde e que a junta médica do Cara indefere vários processos com pedidos por pensão e assistência médica.
Diante dessa realidade de centenas de vidas traumatizadas e ainda em sofrimento, o governo do Estado de Goiás, comandado pelo oligarca Ronaldo Caiado (UB), vetou o projeto de lei nº 215, de 28 de março de 2019, que determinava o aumento do valor das pensões em atualização à sua equivalência ao salário mínimo vigente no país.
Atualmente, o valor pago varia de R$954 e R$1908. É inadmissível que o Estado goiano fuja da sua responsabilidade para com as vítimas da tragédia de 1987, causada pelo abandono de materiais radiológicos e altamente perigosos. Esse é mais um dos exemplos de que a memória e justiça não fazem parte do estatuto do governo capitalista, sempre indiferente diante das tragédias e violências contra o povo trabalhador do Brasil.
É importante lembrarmos que no município no interior de Goiás, Anápolis, em agosto de 2022, o Corpo de Bombeiros e o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO) foram acionados com uma denúncia por suspeita de material radioativo em um local que hoje funciona como um galpão.
A medição foi realizada e descartaram a possibilidade de que o bloco de concreto, que envolvia o material, havia risco de transmissão de radiação. Contudo, é interessante analisarmos que apesar de termos a experiência do acidente césio 137, a ausência da preservação da memória e da história corrobora para que os sujeitos não compreendam a dimensão das experiências do passado para a sua própria história no presente.
Esse fato que ocorreu no ano de 2022, Apesar de ter sido um alarme falso, não podemos ignorar o fato de que ainda hoje diversos sujeitos se encontram em situação de “catação” de materiais recicláveis e exposto a resíduos radioativos e, sobretudo, são vitimas de uma política de silenciamento da memória e esquecimento da história de um acidente que faz parte da identidade da sociedade goianiense.