Movimento Olga Benario organiza oficina de xadrez para mulheres

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No dia 02 de julho, o Movimento de Mulheres Olga Benario organizou uma oficina de Xadrez na Casa de Referência para Mulheres Laudelina de Campos Melo e promoveu um debate sobre o esporte no socialismo, principalmente pela visão das mulheres trabalhadoras. Para o evento, foi organizado um Caderno de Formação, trazendo uma breve história do esporte, as regras e um texto, transcrito a seguir, sobre as primeiras campeãs, que desbravaram o espaço elitista e machista que era o Xadrez antes da Revolução de 1917.

Ayla Merli |São Paulo


Com a criação da Federação Internacional de Xadrez (FIDE), em 1924, surge a organização do Campeonato Mundial Feminino de Xadrez. Vera Menchik, reconhecida como uma das melhores enxadristas da história, se tornou a primeira Campeã Mundial aos 21 anos. Defendeu o título de 1927 até 1944, quando foi assassinada pelos nazistas em um bombardeio na sua casa.

Dos seis torneios que participou, ganhou 78 dos 83 jogos disputados, com quatro empates e apenas uma derrota. Aprendeu xadrez com seu pai e, antes de sair de Moscou para a Inglaterra, participou de um campeonato infantil que a aproximou do esporte, mas conta que se sentia desmotivada por não ter encontrado sequer uma jogadora mulher.

Seu estilo de jogo se caracterizava por partidas sólidas, buscando um final vantajoso sem complicações desnecessárias. No entanto, em um artigo escrito em 1935, Vera disse que o contra-ataque é a alma do jogo e que em momentos de dificuldade ou em jogos quase perdidos não devemos desistir: “a melhor chance para recuperar a vantagem é introduzir complicações”.

Vera Menchik lutou contra o machismo existente no esporte como em Boston, nos EUA, onde os clubes de xadrez só viriam a aceitar jogadoras mulheres a partir de 1937. Em 1929, Albert Becker tentou ridicularizar a campeã, afirmando que qualquer um que perdesse para ela deveria entrar no “Clube de Xadrez Vera Menchik”.

Ele, no entanto, foi o primeiro a perder e se juntar ao clube, sendo seguido de outros grandes nomes do xadrez masculino, como Max Euwe, futuro campeão mundial.

Revista soviética de Xadrez, chamada 64, editada por Nikolai Krylenko

Em 1950, foi realizado o primeiro campeonato após a morte de Menchik, consagrando o título de Campeã Mundial para a operária soviética Lyudmila Rudenko, que alguns anos antes havia organizado uma ação para evacuar e resgatar as crianças vítimas do cruel cerco militar nazista a Leningrado.

Ao contrário de Menchik, seu estilo de jogo era caótico e agressivo, frequentemente sacrificando peças para obter vantagens de posição. As campeãs que a sucederam também eram soviéticas: Elisaveta Bykova, camponesa, duas vezes campeã mundial e importante propagandista do Xadrez, promovendo discursos, debates e palestras para diferentes setores da sociedade, inclusive ao Exército Vermelho; e Olga Rubtsova, que ganhou seu primeiro título aos 17 anos em um torneio realizado pelo jornal Pravda.

Durante a Guerra Fria, no entanto, Bobby Fischer, o jogador estadunidense que rivalizou com Karpov e Kasparov, precisou aprender russo para estudar xadrez. O ex-Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Kissinger, disse no documentário Bobby Fischer contra o mundo: “Achei que seria bom para os EUA, para a democracia, ter um vencedor americano”, mas o país imperialista nem sequer garantia as condições para o esporte se desenvolver.

O Mestre Internacional americano Anthony Saidy relata, no mesmo documentário, que “na URSS, todos os jogadores que tinham talento recebiam treinamento, investimento […] nos EUA não era assim. Cada um de nós estávamos por conta própria”.

Não à toa, Bobby Fischer foi o único Campeão Mundial nascido nos EUA, fez diversas declarações antissemitas e machistas, chegando a dizer uma vez que mulheres que jogavam xadrez eram estúpidas, e que ele ganharia de qualquer mulher mesmo com um cavalo de desvantagem.

Em contrapartida à ideologia machista e burguesa de Fischer, a ideologia socialista e feminista, baseada na solidariedade e na camaradagem, foi grande responsável pela hegemonia soviética no xadrez mundial.

Selos iugoslavos das Campeãs Mundiais de Xadrez

Alguns tentam reduzir o fenômeno chamando-o de “Escola Soviética de Xadrez”, mas o fato é que o socialismo democratizou o acesso a um esporte já muito estudado na Rússia imperial, na época ainda restrito à nobreza czarista.

Não houve uma “Escola Soviética” (como de fato houve, no passado, diferentes Escolas de xadrez, como a Romântica, Clássica e Hipermoderna). Houve, sim, um florescimento de diferentes estilos de jogo, investimento em livros, clubes e torneios de xadrez, além de debates e clubes em fábricas e bairros.

De acordo com Alexey Zakharov, “A principal característica do xadrez soviético, que o separa de outros países, foi a disseminação sistemática do estudo de xadrez. A quantidade de livros de baixo custo impressos e publicados pelo Estado era simplesmente incrível”.

Por isso defendemos uma ampla campanha de xadrez para o povo assim como foi feito na União Soviética e é feito hoje em Cuba, possibilitando que operárias, camponesas e pessoas que antes nunca tinham acesso ao esporte pudessem se tornar Mestres.

O Estado socialista, os jornais populares e a Juventude Comunista foram fundamentais para a era soviética no Xadrez, tanto feminino quanto absoluto. Antes da Era Soviética, o Campeão Mundial era o Cubano Capablanca.

Apesar de todos avanços, o xadrez hoje precisa ser ocupado cada vez mais pelas mulheres. Em 2019, apenas 10,1% dos jogadores registrados na lista de classificação da FIDE eram mulheres. Em 2021, a MF Julia Alboredo foi a primeira brasileira a representar o Brasil na Copa do Mundo de Xadrez Feminino.

Em maio de 2023, foi realizado em Cuba o XIV Campeonato Continental Feminino de Xadrez das Américas, coroando Candela Francisco, uma jovem argentina de 16 anos, com 5 vitórias e 4 empates.

O xadrez feminino brasileiro e latinoamericano segue se fortalecendo e, parafraseando Vera Menchik, nós mulheres podemos não ter um passado no xadrez, mas temos presente e futuro!