Para dar fim ao plano de entrega dos recursos e da economia nacional para o capital privado e estrangeiro é preciso grande pressão popular, em articulação com as categorias profissionais de cada setor envolvido.
Cadu Machado | São Paulo
BRASIL – O final dos anos 1980 foi um período de grandes transformações no mundo. Com a queda do Muro de Berlim (1989) e o fim da União Soviética (1991), as potências imperialistas, lideradas pelos Estados Unidos, intensificaram sua ofensiva para dominar os povos de todo o mundo.
Um dos marcos importantes dessa ofensiva foi o “Consenso de Washington”, uma espécie de cartilha de implementação do neoliberalismo produzida pelos países ricos para a América Latina.
Resumidamente, os imperialistas orientaram os países dependentes a reduzir investimentos públicos, abandonar a industrialização e privatizar suas estatais. Em troca, poderiam renegociar e contrair novas dívidas com o FMI. Uma verdadeira chantagem financeira.
Privatizações no Brasil
A partir de então, as privatizações de estatais que já estavam em curso no Brasil foram aceleradas. Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ainda nos anos 1980, pelo menos 40 empresas públicas foram privatizadas.
Na década seguinte, esse processo teve sua marcha acelerada. Durante os dois anos do Governo Collor (1990-1992), 18 grandes empresas nacionais foram privatizadas. Entre elas, empresas da área de siderurgia e petroquímica. Após seu impeachment, Itamar Franco ampliou o projeto privatista e vendeu mais 15 estatais, com destaque para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer).
No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foram privatizados o Sistema Telebras, a Companhia Vale do Rio Doce, a Light Serviços de Eletricidade e bancos estaduais, como o Banerj e o Banespa. Todas empresas estratégicas e essenciais para a soberania e o desenvolvimento do país foram entregues ao capital privado.
FHC também quebrou os monopólios de exploração e operação da Petrobras e da Eletrobras, abriu seus capitais nas bolsas de valores e vendeu empresas subsidiárias das duas companhias.
Com a vitória de Lula e os governos do PT (2003-2016), as privatizações desaceleraram, apesar de não cessarem. Durante os dois primeiros Governos Lula foram implementadas as chamadas Parcerias Público-Privadas (PPPs), que concediam alguns setores da infraestrutura para a administração privada.
Mas foi com o golpe de 2016 e o Governo Temer (2016-2018) que as privatizações ganharam novo fôlego. Já no primeiro mês do governo golpista, Temer apresentou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e propôs transferir 175 ativos públicos de setores estratégicos (ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, energia, mineração, petróleo e gás) para a iniciativa privada.
Apesar de não conseguir cumprir seu plano, o governo avançou na entrega de pelo menos 90 empresas públicas, além de implementar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, com a liberação generalizada das terceirizações.
Falsos patriotas
Com o Governo Bolsonaro (2019-2022) as privatizações entraram em “marcha forçada”. Na campanha eleitoral, o ex-capitão e seus cúmplices defenderam “privatizar tudo” e, durante o governo, levaram a cabo seu projeto neoliberal, que nada tem a ver com patriotismo.
Em quatro anos, Paulo Guedes e Bolsonaro privatizaram 133 das 209 empresas controladas pelo Governo Federal que ainda restavam. A principal delas foi a Eletrobras. Sua entrega ao setor privado acabou de vez com nossa soberania energética.
Já a Petrobras, principal empresa no plano de privatização dos fascistas, foi sendo privatizada por partes. O governo vendeu setores essenciais da empresa, como parte da malha de gasodutos, a distribuidora Gaspetro, a refinaria Landulpho Alves (RLAM), os campos de Carcará, Iara e Lapa, a BR Distribuidora e a Transportadora Associada de Gás (TAG), além de tentar, sem sucesso, vender a Liquigás.
Quem se beneficia
A principal justificativa da burguesia e dos entreguistas para vender as estatais é a dinamização das empresas. Dizem que a gestão privada tem melhores condições de atingir resultados e prestar serviços baratos e de qualidade, graças à eficiência administrativa e à concorrência entre diferentes prestadoras de serviço. Mas isso não passa de uma grande mentira.
Em primeiro lugar, porque a concorrência não é a realidade do setor privado. Na fase atual do capitalismo, as grandes empresas, os monopólios, dominam as pequenas e acabam com a concorrência. Sendo assim, o argumento da competição entre diferentes prestadores cai por terra.
Também é mentiroso o discurso de eficiência da gestão privada. Segundo o banco de dados “Futuro Público”, organizado pelo Transnational Institute (TNI), sediado na Holanda, desde o início dos anos 2000, pelo menos 1.627 empresas foram reestatizadas no mundo, a maioria delas por prestarem serviços caros e ruins enquanto estavam sob controle privado.
Reestatização no mundo
A verdade é que as reestatizações são uma tendência e estão crescendo no mundo. De acordo com a geógrafa Lavinia Steinfort, coordenadora do TNI, a priorização de lucros das empresas privadas é, na maior parte das vezes, conflitante com a execução de serviços de que a sociedade depende.
Segundo Steinfort, os países que mais realizaram desprivatizações foram os do centro do capitalismo: a Alemanha reestatizou 407 empresas; Estados Unidos, 243; França, 167; Espanha, 135; Reino Unido, 126. Ou seja, os mesmos países que defenderam as privatizações na América Latina, são os que estão revertendo a gestão privada de seus setores estratégicos.
Os ramos da economia que mais foram reestatizados foram os de energia, com 383 empresas retomadas, água, esgoto e gestão hídrica, com 367, e saúde, com 205. Esses setores são justamente os que estão na mira da burguesia brasileira para a privatização.
Primeiro passo
Essas experiências internacionais demonstram que é possível combater e reverter as privatizações em nosso país. Uma das primeiras medidas do presidente Lula foi ordenar a suspensão da privatização de oito estatais, iniciadas no Governo Bolsonaro. O despacho assinado por Lula determinou a retirada de empresas estratégicas como a Petrobras, os Correios, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), a Pré-Sal Petróleo (PPSA) e a Dataprev do Programa Nacional de Desestatização e do Programa de Parceria e Investimentos da Presidência.
Com essa medida, o novo presidente começa a cumprir uma das promessas feitas durante a campanha e depois das eleições: acabar com as privatizações no Brasil.
O Governo, no entanto, não pretende reverter nenhuma das privatizações já consolidadas e ainda manteve na pauta a privatização do Metrô de Belo Horizonte, com a venda da seção mineira da CBTU.
Próximos passos
A partir de agora, a articulação dos movimentos sociais, sindicatos, representações populares e partidos políticos será fundamental para a defesa das reestatizações.
Só a luta popular pode criar condições para frear por completo os processos de privatização que estão em curso, reverter as que ocorreram nos últimos anos e reestatizar os setores estratégicos da economia brasileira.
É possível dar fim ao plano de entrega dos recursos e da economia nacional para o capital privado e estrangeiro. Mas esse processo só será possível com grande pressão popular, em articulação com as categorias profissionais de cada setor envolvido.