Após ser golpeada pelo STF, que decidiu que acordos sindicais poderiam estar acima da lei (inclusive a de cotas), um novo projeto de lei pretende proteger os empresários que não cumpram a cota mínima de empregados com deficiência. Atualmente, as empresas são obrigadas a contratar pessoas com deficiência, o que garante 91% dos empregos de PCDs no país.
Acauã Pozino | Redação Rio
BRASIL – No começo do mês de outubro, foi reapresentado um projeto de lei de 2015 que pretende fornecer meios legais para que empresários possam descumprir a cota mínima de pessoas com deficiência em uma determinada empresa, mediante “medidas compensatórias”. Essas medidas deixariam os patrões isentos de pagar a multa que hoje se aplica por descumprir a cota.
Como funciona hoje em dia?
Desde 1991, a lei brasileira determina que qualquer empresa com mais de 100 funcionários precisa contratar, no mínimo, de 2 a 5 pessoas com deficiência para cada 100 funcionários. Segundo pesquisas recentes, essa obrigatoriedade garante a existência de 91% dos 439 mil empregos com carteira assinada de pessoas com deficiência no Brasil — número que por si só já deveria ser um escândalo, considerando que 25% da população brasileira possui algum tipo de deficiência.
O que pretende ser mudado?
O PL 1231/2015, do deputado Vicentinho Júnior (PSB/TO), propõe que as empresas possam descumprir essa quantidade mínima de trabalhadores, desde que comprovem que o fazem por “motivos alheios à vontade do empregador” e que executem as tais medidas compensatórias, que seriam programas de bolsa de estudos, cursos de capacitação, fornecimento de veículos adaptados etc. para estudantes com deficiência na região em que a empresa atua. A relatora do PL, a deputada Fernanda Pessoa (União/PE) defende a ideia como uma espécie de ganha-ganha. Mas será que isso é verdade?
Um ataque descarado
A verdade é que esse projeto de lei não passa de mais um ataque aos direitos das pessoas com deficiência. O capacitismo científico, que ainda tem respaldo na área da saúde, insiste em mostrar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, como barreiras intrínsecas da própria deficiência, em lugar de investigar como, porquê e por quem essas barreiras foram construídas.
Portanto, um empresário pode perfeitamente alegar que não pode contratar trabalhadores com deficiência porque em seu ambiente de trabalho existem escadas, ou barulho alto, ou que ninguém sabe LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), sem receber maiores questionamentos do poder público, tão acostumado a manter esta população excluída.
E mais: não é de hoje que, uma vez cumprida a cota, as empresas sequer precisam de grandes motivos para não contratar. São muitos os relatos de pessoas com deficiência pós-graduadas e/ou com experiência que não foram contratadas, para que na mesma vaga fosse admitida uma pessoa sem experiência ou formação, mas que era sem deficiência.
Desde o começo do capitalismo, os donos das fábricas perceberam que certos trabalhadores não produziam no mesmo ritmo e jogaram esse grupo na miséria, na exclusão e no esquecimento, rotulando-os segundo alguma característica dos seus corpos como “inúteis”. Na verdade, nesse “ganha-ganha” só quem se beneficia é a burguesia capacitista e exploradora, enquanto perdem as pessoas trabalhadoras com deficiência, que já quase não encontram trabalho, e os próprios trabalhadores sem deficiência, que poderiam aprender novas formas de executar suas funções e desconstruir estereótipos que só se mantêm porque somos mantidos fora do convívio social.
A saída ainda é a organização
Enquanto isso, as pessoas com deficiência se vêem presas entre o lobby dos patrões que só busca nos excluir o quanto puder e o oportunismo de vários setores que querem se aproveitar do abandono histórico da nossa pauta para se autopromover. E nisso se incluem desde setores abertamente fascistas (como Michele Bolsonaro) que usam seu poder material para enganar pessoas com e sem deficiência, posando de bons-moços (e boas-moças).
A saída para essa situação é a organização. Nós, pessoas com deficiência, precisamos tomar as rédeas da nossa luta, nos organizarmos em partidos como a Unidade Popular, que estejam dispostos a acolher as verdadeiras pautas do povo. Só assim, por meio da luta organizada e sem concessões nem ilusões de “ganha-ganha”, poderemos destruir o capacitismo e o sua fonte de alimentação: o capitalismo.