Depois de conseguirmos impor uma grande derrota eleitoral ao genocida e ao fascismo, devemos avançar na reconstrução daquilo que foi destruído. Precisamos construir políticas mais consistentes que enfrentem mexam na estrutura capitalista desigual e antipovo que temos no Brasil, o que será possível com a participação efetiva do povo e muita luta.
Poliana Souza | Coordenadora-Geral do MLB
LUTA POPULAR – O desgoverno de Jair Bolsonaro destruiu tudo que poderia minimamente atender às necessidades dos trabalhadores. Um dos maiores ataques foi ao pouco que existia de política de moradia. Substituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) pelo Casa Verde e Amarela que, na prática, representou entregar terras nas mãos de quem vive da especulação imobiliária, fazendo assim com que o déficit habitacional explodisse. Nunca se viu tanta gente morando nas ruas do país; são quase 300 mil pessoas nessa situação.
Agora, depois de conseguirmos impor uma grande derrota eleitoral ao genocida e ao fascismo, devemos avançar na reconstrução daquilo que foi destruído. Precisamos construir políticas mais consistentes que enfrentem mexam na estrutura capitalista desigual e antipovo que temos no Brasil, o que será possível com a participação efetiva do povo e muita luta.
Nesse sentido, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) tem dedicado sua energia a organizar as lutas, fazendo dezenas de ocupações em todo o país, participando ativamente das lutas contra a carestia, organizando suas redes de solidariedade e, principalmente, lutando contra o fascismo. Temos buscado acompanhar o andamento da retomada das políticas públicas como, por exemplo, a reconstrução de conselhos participativos, fóruns e programas, como o MCMV, de cujo GT temos participado ativamente nos últimos nove meses, na modalidade “entidades”.
O que é MCMV?
O MCMV é um programa de construção ou requalificação de imóveis e se divide em duas grandes modalidades: o MCMV para as empresas de construção civil e o MCMV para as entidades (associações, movimentos de moradia etc.), voltados também para a provisão habitacional tanto no meio urbano quanto no meio rural.
Dentro do MCMV para as empresas, existem duas grandes fontes de arrecadação: o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O MCMV-FAR, em sua maioria, funciona como uma “parceria” entre as construtoras e os entes públicos. As construtoras apresentam as propostas de projetos com o aval e participação dos entes públicos, que indicam as famílias a serem atendidas pelo programa. Os terrenos para a construção das unidades habitacionais muitas vezes são doados pelo poder público. Assim, as empresas captam os recursos do programa e constroem as casas com um único objetivo: o lucro. Em outros casos, as construtoras compram terrenos para a apresentação de propostas. Nesses casos, os terrenos na maioria das vezes são de péssima qualidade, sem infraestrutura e longe de qualquer urbanização, jogando nosso povo cada vez para mais longe das cidades. Como na maioria dos casos essas unidades são destinadas a famílias com renda de até R$ 2.640,00 (Faixa 1), ou seja, de baixa renda, o lucro das empresas não vem apenas das parcelas de financiamento pagas pelas famílias, mas, sim, de obras precárias e de péssima qualidade.
O papel da MCMV-Entidades
O MCMV-Entidades, que surge a partir da demanda e da luta dos movimentos nacionais, entre eles o MLB, tem como objetivo fomentar a política habitacional através de uma outra forma de gestão, a partir dos próprios movimentos. Nessa modalidade, as entidades apresentam propostas de construção ou requalificação de imóveis e passam a participar de um processo de seleção para a aprovação das propostas. Como se trata de entidades, nessa modalidade não existe interesse pelo lucro. Nesse sentido, na maioria esmagadora das vezes são construídas casas maiores, muito mais bem localizadas e de qualidade inquestionável. As entidades ainda podem optar pela construção por autogestão ou cogestão, garantindo, assim, a participação das famílias a serem beneficiadas em todas as etapas do processo, sendo estas famílias indicadas pelos próprios movimentos. No MLB, o principal critério, além da condição de ser sem-teto, é ter participação nas lutas e organização continuada no movimento. Existem, porém, grandes dificuldades em avançar nessa modalidade, pois o setor imobiliário que ganha rios de dinheiros à custa do sofrimento do povo.
Mesmo no MCMV-Entidades, que nos passa a sensação de maior avanço, existem problemas absurdos. As entidades enfrentam dificuldades ainda no processo de elaboração de propostas, pois são exigidos quase os mesmos critérios usados em relação às empresas, como se a estrutura de umas e de outras fosse a mesma. Trata-se de um processo extremamente burocrático, excludente, sem nenhum suporte de assessoria técnica por parte do governo. Já nesta etapa, muitos dos nossos projetos são excluídos. Outra dificuldade é o acesso aos terrenos, o que na modalidade MCMV para empresas parece não existir. A falta de comprometimento da maior parte das prefeituras e governos estaduais inviabiliza muita coisa. Muitos são os terrenos que poderiam ser apresentados para que as entidades construíssem as propostas e ajudassem a resolver o problema de falta de moradia. Por isso, temos que ter bastante compromisso e seriedade com todas essas questões.
Os imóveis abandonados
A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) criou recentemente um programa para destinação de imóveis para atender demandas de moradia junto ao MCMV. Hoje, a SPU tem sob o seu controle um total de 740 mil imóveis. Desses, apenas 50 foram destinados para as entidades fazerem projetos via MCMV-Entidades. Vê-se, assim, que apenas com os imóveis do governo já seria possível assentar milhares de famílias e milhões de pessoas. Fica nítido nesse processo que a prioridade é destinar os terrenos para as construtoras, deixando o que sobra para o povo.
A destinação de imóveis abandonados para resolver o problema de moradia e garantir o direito à cidade é um caminho importante, já que grande parte desses imóveis está em áreas mais bem localizadas e com infraestrutura, além também da economia que se faz de recurso público.
No entanto, a política habitacional não pode ser restrita apenas a imóveis públicos. É necessário fazer o enfrentamento à grande especulação imobiliária, ou seja, enfrentar os ricos donos de imóveis abandonados, que ficam esperando sua valorização para a obtenção de lucros imensos em cima da falta de moradia e do sofrimento do povo sem-teto. Exemplo disso são os dados assustadores divulgados pelo novo censo do IBGE 2022 que mostram 18 milhões de domicílios vazios e 8 milhões de sem-teto.
Existe legislação no Brasil que permite a desapropriação de grande parte desses imóveis para fins de moradia e outras funções sociais. Mas para que isso aconteça é necessário vontade política do governo e mobilização popular. O problema do nosso país não é falta de dinheiro, como costumam dizer. O Brasil é um país extremamente rico. O orçamento total até o momento é de R$ 10 bilhões para todo o programa, porém apenas R$ 1,1 bilhão é voltado para as entidades. Isso deixa claro qual é a prioridade.
O governo vem dizendo que até o final dos quatro anos de mandato construirá 1 milhão de novas moradias, o que já é muito pouco. Porém, até o momento, só existe orçamento para pouco mais de 100 mil unidades em todo o país. Dessas, apenas 16 mil novas contratações são via MCMV-Entidades. Assim, fica claro que não é possível solucionar questão da moradia para o nosso povo unicamente por meio desses programas.
Lutar, organizar e ocupar
Apenas no período da pandemia, o MLB realizou, junto às famílias sem-teto, mais de 30 ocupações em todo o país, garantindo moradia a milhares de famílias, transformando grandes prédios abandonados e terrenos em moradia com organização popular! É graças a essa luta que organizamos que hoje é possível apresentar projetos também para o MCMV-Entidades. Ocupações como Manoel Aleixo, em MG; Sepé Tiaraju, no RS; Devanir José de Carvalho, em SP; entre tantas outras, podem ser conquistadas agora. O MLB caminha para ter seu primeiro projeto no Sudeste e no Sul do país. Nossa ocupação no centro de Porto Alegre vai virar retrofit. E nosso lema deve ser lutar, organizar e ocupar! Devemos trabalhar para a garantia dos nossos projetos, e ter a certeza de mudança real das nossas vidas se faz pelas lutas.
Matéria publicada na edição nº281 do Jornal A Verdade.