Helena de Sá e Larissa Mayumi | Movimento de Mulheres Olga Benario (SP)
No dia 12 de setembro, a ministra Rosa Weber, do STF, liberou para julgamento a ADPF 442, que tramita desde 2017 e visa à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Caso aprovada, mulheres que realizaram aborto não serão punidas, presas ou processadas pela Justiça, o que não quer dizer que o aborto será legalizado, ou seja, que irá ser garantido o acesso ao aborto.
Atualmente, no Brasil, o aborto é legalizado em três casos: em caso de risco à vida da gestante, gravidez fruto de violência sexual e feto anencéfalo. Porém, apesar de garantido por lei, muitas mulheres e meninas que se enquadram nesses casos são impedidas de acessar esse direito.
No ano passado, em Santa Catarina, uma menina de 11 anos teve seu direito ao aborto negado por uma juíza bolsonarista, que a violentou, ao solicitar que “aguentasse mais um pouquinho”, referindo-se ainda ao estuprador como pai e perguntando se a vítima já havia escolhido nome para o filho.
Em agosto de 2020, veio à tona o caso da menina do Espírito Santo que era abusada sexualmente desde os seis anos de idade pelo tio e engravidou aos dez anos. Após ter seu direito ao aborto negado por um hospital em Vitória (ES), teve que viajar até Recife (PE) para que pudesse realizar o procedimento. Além disso, a militante fascista Sara Winter divulgou o primeiro nome da menina e o endereço da unidade de saúde onde aconteceria a cirurgia, na tentativa de impedir que a criança acessasse esse direito.
Especialistas da saúde afirmam que crianças menores de 14 anos grávidas correm risco de vida e, consequentemente, também o feto, devido ao corpo da criança ainda estar em formação e não estar preparado para uma gestação.
De acordo com a pesquisa realizada pela agência de jornalismo independente Gênero e Número, somente no Estado de Roraima, para cada uma criança que acessa o direito ao aborto, 31 são impedidas e são obrigadas a dar à luz. De acordo com o DATASUS, por ano, o Brasil tem cerca de 19 mil nascimentos de gestações de crianças entre 10 e 14 anos.
Além das crianças, as mulheres também correm risco de vida quando recorrem a abortos realizados de forma insegura. A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de 2021, relevou que, uma em cada sete mulheres de até 40 anos já realizaram aborto no Brasil – anualmente 800 mil mulheres brasileiras interrompem uma gestação e, destas, 200 mil recorrem ao SUS para atendimento por complicações do abortamento. A interrupção da gravidez realizada em condições inseguras é a quarta maior causa de morte materna em nosso país.
São as mulheres pobres as que correm o risco de vida, uma vez que as mulheres ricas têm acesso a clínicas clandestinas que realizam o aborto de forma mais segura e com preços extremamente altos, ou viajam para países onde o aborto é legalizado. Já as mulheres pobres recorrem a abortos inseguros, envolvendo a introdução de agulhas de tricô, cabides e outros objetos no útero para a tentativa de aborto, além da ingestão de substâncias tóxicas e prejudiciais à saúde ou até mesmo o uso de força na barriga.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 39 mil mulheres morrem por ano e milhões são hospitalizadas em decorrência de complicações causadas por abortamento inseguro, sendo a maior parte delas em países de baixa renda. No Brasil, o Ministério da Saúde revela que quatro mulheres morrem por dia em consequência de um aborto que deu errado.
Além de passar por procedimentos inseguros e colocarem sua vida em risco, as mulheres pobres ainda são processadas e correm mais risco de serem presas. Estudo da Abrasco aponta que as mulheres negras têm 46% mais chance de realizar um aborto do que mulheres brancas. A criminalização do aborto pune principalmente as mulheres pobres, as que vivem distantes dos grandes centros, as pretas e as indígenas (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em relatório de 2022). Ao invés de investir em políticas públicas de educação sexual, métodos contraceptivos, gestação e nascimentos saudáveis, e numa rede de proteção às mães e crianças, o Estado opta por perseguir e encarcerar mulheres e pessoas que gestam.
Criminalizar o aborto significa determinar a cor da pele e a classe das pessoas que terão acesso a abortos menos inseguros e ao atendimento de saúde adequado para reduzir danos, tratar complicações sem o medo de serem denunciadas e ter acesso a métodos contraceptivos seguros e adequados que permitam um efetivo controle sobre a vida reprodutiva.
Legalizar o aborto é questão de saúde pública, de direitos, de autonomia corporal e de justiça social reprodutiva. Os fascistas são contra a legalização do aborto apresentando um discurso hipócrita pró-vida, sem considerar a vida das mulheres e das crianças, que correm o risco de morrer por manterem uma gestação de risco ou por recorrerem a abortos realizados de forma insegura.
Lutar pela descriminalização do aborto é urgente para que as mulheres não sejam punidas. Mas, além disso, é urgente que a legalização do aborto no Brasil seja ampliada para mais casos, para preservar a vida das mulheres.
Por isso, movimentos de mulheres de todo o Brasil e da América Latina e Caribe deram um exemplo de como lutar para defender a vida e os direitos das mulheres, tomando as ruas neste dia 28 de setembro, dia de luta pela descriminalização e legalização do aborto, numa expressiva onda verde! Para defender o aborto legal, seguro e gratuito, para que mais nenhuma mais seja presa ou morta!
Matéria publicada na edição nº 280 do Jornal A Verdade.