Claudiane Lopes | Porto Alegre (RS)
O Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) conquistou, neste mês de outubro, o prédio no Centro onde fica a Ocupação Sepé Tiaraju. Famílias, militantes de movimentos sociais, parlamentares e demais apoiadores comemoraram essa vitória com muito entusiasmo e com a convicção de que só a luta muda a vida.
É o que afirma Jair Borges Martins, 56 anos, que se organizou no MLB e tem hoje outra perspectiva de vida nesses cinco meses de ocupação. “Aqui me sinto em família. Me filei à Unidade Popular, vou nos atos, leio o jornal A Verdade nas assembleias, aprendo a cada dia mais sobre a exploração que vivemos. Eu morava num quartinho no bairro Costa e Silva, pagava caro, mal dava para me alimentar e comprar meus remédios. Hoje, tenho alimentação, teto seguro e os companheiros que me ajudam. Agora, vou ter um apartamento meu. Só tenho que agradecer ao movimento”, afirma.
Depois de cinco meses de negociação com a Superintendência de Patrimônio da União (SPU), o prédio, localizado na Av. Farrapos, foi destinado ao Programa “Minha Casa, Minha Vida”. O MLB encaminhou um projeto para Ministério das Cidades para a reforma do prédio, que destinará 35 apartamentos com auditório, salão de festas, salas de aulas, lojas para geração de renda para os moradores e biblioteca comunitária. O projeto foi aprovado e hoje o Movimento tem a posse do prédio, fruto da luta organizada e coletiva do povo pobre do Rio Grande do Sul.
Luta começou com a Ocupação Lanceiros Negros
Essa vitória também é fruto da primeira ocupação do MLB em Porto Alegre, a Ocupação Lanceiros Negros, realizada em 2014, e que marcou a vida de centenas de pessoas e da cidade. Além de organizar famílias para terem direito à moradia digna, a ocupação reacendeu o debate quanto à função social da propriedade, após ocupar um prédio público do Estado do Rio Grande do Sul, por praticamente dois anos, e o Hotel Açores, por quase três meses.
Essas duas experiências de luta foram duramente reprimidas a mando do governador Ivo Sartori (PMDB), que desabrigou 70 famílias que moravam na Ocupação, no dia 14 de junho de 2017, com bombas de efeito moral, spray de pimenta e um forte aparato do Grupo de Ações Táticas Especiais. A Brigada Militar começou a ação de reintegração de posse do prédio sem portar nenhum mandado de reintegração, sem nenhum diálogo com as lideranças do movimento. Prenderam, inclusive, lideranças do MLB e até o deputado estadual, Jefferson Fernandes (PT), que na época presidia a comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
“Esse despejo foi uma demonstração da força fascista do Estado contra o povo pobre, negro e trabalhador que se rebela e ousa lutar. Uma ocupação que acolhia crianças, mulheres grávidas, idosos e a população indígena e foi uma esperança para muitos gaúchos que vivem de aluguel. Já para a polícia, lutar por moradia é um crime. Mas, apesar de tanta truculência, e com a tentativa de acabar com movimento, não conseguiram. A conquista da Sepé demostra que Lanceiros Negros continuam vivos”, afirma Priscila Voigt, à época, coordenadora do MLB detida na desocupação violenta de 2017.
Sepé Tiaraju
A Ocupação Sepé Tiaraju homenageia o líder da República Comunista Guarani, na Região das Missões, interior gaúcho, em meados do século 18, que lutou bravamente contra as Metrópoles (Portugal e Espanha), defendendo a posse da terra pelo povo.
Mas a luta ainda continua, pois o déficit habitacional no Rio Grande do Sul atinge mais de 220 mil famílias, segundo a Fundação João Pinheiro (FJP). Destas, 65.275 vivem em habitações precárias, 34.073 em coabitação e 121.579 em ônus excessivo com o aluguel.
O MLB seguirá organizando mais famílias, pois, enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito da população pobre.
Matéria publicada na edição nº 282 Jornal A Verdade