No Brasil, a Justiça Trabalhista recebe, por mês, uma média de 6,4 mil ações relacionadas a assédio moral no trabalho. Segundo o Instituto Patrícia Galvão, 76% das mulheres já foram vítimas. Os relatos envolvem o trabalho ser supervisionado excessivamente, receber xingamentos ou gritos, convites ou comentários inadequados, ser humilhado publicamente, não ter sua opinião ouvida, etc.
Redação
TRABALHADORAS – Segundo pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lloyd’s Register Foundation (LRF) e Gallup, mais de uma em cada cinco pessoas empregadas no mundo (quase 23%) já sofreram violência e assédio no trabalho, seja físico, psicológico ou sexual. Na pesquisa, apenas metade das vítimas havia revelado suas experiências para outra pessoa e, muitas vezes, somente depois de terem sofrido mais de uma forma de violência e assédio. Os motivos mais comuns apresentados para não terem falado foram “perda de tempo” e “medo por sua reputação”. As mulheres eram mais propensas a compartilhar suas experiências do que os homens.
O que é assédio?
Assédio é o ato de importunar alguém de forma abusiva, por meio de perseguição, propostas, declarações ou insistências, de forma virtual ou presencial. No ambiente de trabalho, o assédio ocorre quando a pessoa é exposta a uma situação constrangedora, abusiva ou inapropriada.
Qualquer pessoa pode ser vítima de assédio, mas alguns grupos sociais são vítimas com maior frequência, pois assédio sexual não tem a ver com desejo sexual, mas sim com poder e dominação. Por isso, as mulheres sofrem mais que os homens, mas as mulheres jovens, negras e com menor escolaridade são as principais vítimas. Isso se agrava quando se trata de pessoas LGBTIA+.
No Brasil, a Justiça Trabalhista recebe, por mês, uma média de 6,4 mil ações relacionadas a assédio moral no trabalho. Segundo o Instituto Patrícia Galvão, 76% das mulheres já foram vítimas. Os relatos envolvem o trabalho ser supervisionado excessivamente, receber xingamentos ou gritos, convites ou comentários inadequados, ser humilhado publicamente, não ter sua opinião ouvida, etc.
Lígia Mendes, trabalhadora da saúde e militante do Movimento Luta de Classes (MLC), afirma: “Não há uma política de enfrentamento ao assédio sexual nas empresas. Na Prefeitura de São Paulo, onde sou trabalhadora, tem uma lei bastante avançada. Não precisa que haja processo correndo, nem Boletim de Ocorrência. Só o fato de um gestor ter conhecimento e não tomar iniciativa, pode ser penalizado. Assim, já é obrigatório o acusado ser transferido de unidade. Isso protege a vítima, mas, nas empresas privadas, isso não existe”.
A OIT indica, na Convenção 190, que a violência e o assédio no mundo do trabalho afetam a saúde psicológica, física e sexual das pessoas, a dignidade e o ambiente familiar e social, além de afetarem a própria qualidade dos serviços prestados e podem impedir as pessoas, em particular as mulheres, de progredirem no mercado de trabalho.
Relatos
Tomando apenas essas duas recomendações da OIT, podemos ilustrar várias situações que ocorrem com as mulheres cotidianamente. Um dos relatos é o da farmacêutica Maria Lúcia (todos os nomes são fictícios para preservar a segurança das entrevistadas), que convive num ambiente de trabalho onde seu chefe se “insinuava” o tempo todo e só falava com ela colocando a mão. Quando Maria se opôs ao assédio, repelindo os toques e não ficando na sala sozinha com ele, passou a ser alvo de retaliações. Seu chefe passou a colocá-la em plantões ruins, com horários incompatíveis, em que tinha dificuldades no transporte. Como resultado desse assédio, Maria Lúcia desenvolveu quadro de ansiedade.
Outro caso é o de Carla*, que, por ser solteira, ouvia constantemente “comentários” sobre sua vida amorosa, social, permeado de muitos “elogios” inapropriados. Para uma parcela dos homens, uma mulher solteira, sobretudo se for jovem, precisa aceitar tais coisas. No caso de Carla, ela não aceitou e, depois que um colega de trabalho fez um comentário vulgar sobre ela e tocou em suas partes íntimas, ela o denunciou e ele foi afastado.
Já Marta, trabalhadora terceirizada, não aquentou viver imersa em meio a várias formas de violência e pediu demissão. Ela trabalhava como motorista. Por ser divorciada, seu supervisor se achava no direito “investir” o tempo todo, chamando-a para sair. Diante de sua recusa, ele começou a mandá-la para postos longe, o que dificultava muito a sua vida, justamente por ser mãe solo de três crianças. Ela, então, acabou adoecendo e afastada por problemas de saúde mental. Ao ser reabilitada, pediu demissão e abriu mão dos próprios direitos para sair deste ambiente de violência.
Ainda existem os casos como o da Lourdes, que foi vítima de estupro no caminho para o trabalho, o que configura acidente de trabalho, embora uma grande parcela das mulheres não notifique suas empresas, seja por vergonha seja por desconhecimento da legislação. Ela ficou afastada depois do ocorrido e, quando voltou, ainda muito debilitada, foi transferida para o turno noturno, o que agravou sua situação de saúde mental. Não vendo outro caminho, pediu demissão.
Todos esses relatos só reafirmam a necessidade de termos organizações sindicais comprometidas em erradicar esse mal, sendo as mulheres parte ativa desta luta, que tanto as adoece e afasta do mundo do trabalho. Conjuntamente, é preciso lutar contra as precarizações e terceirizações, pois são nesses ambientes onde a imensa maioria são mulheres trabalhadoras e onde os assédios são mais violentos.
Matéria publicada na edição nº 264 do Jornal A Verdade.