O novo Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência foi lançado pelo governo em novembro do ano passado. Na contramão da política fascista, fala em direitos e autodeterminação das PcDs e provoca debates importantes. Ainda assim, impõe limites à sua própria capacidade pelo pouco orçamento e metas tímidas.
Acauã Pozino | Redação RJ
LUTA POPULAR – Em novembro de 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou o Novo Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi batizado de “Viver sem Limites II” em referência ao Plano Viver sem Limites instituído em 2011 pela então presidenta Dilma Rousseff. Na época foram realizados importantes avanços em relação ao abandono histórico da comunidade PcD no Brasil, embora tímidos em relação à realidade brasileira e repletos de controvérsias.
Esse é o exemplo da determinação do MEC que fossem fechados o Instituto Benjamin Constant e o Instituto Nacional de Educação de Surdos, duas intituições de ensino especializado para pessoas com deficiência, sem ter havido nenhum trabalho prévio de preparação na rede regular de ensino para absorção desses estudantes e suas necessidades. O Viver sem Limites II resolve muitas dessas controvérsias, mas as substitui por outras.
Números que fazem pensar
Antes de comentar as ações em si, cabe destacar alguns elementos presentes no documento deste. Constam nele dados que mostram que as pessoas com deficiência apresentam os piores indicadores socioeconômicos.
Há mais pessoas com deficiência entre as mulheres (10% contra 7% entre homens), entre pessoas pretas (10%) e na região do Nordeste (11%). Isso mostra como a deficiência tem uma forte característica social, já que essa condição não raro está ligada a alterações no corpo causada por doenças ou alterações durante a gravidez, ambos os casos potencializados por hábitos alimentares e condições materiais cada vez mais degradadas pela ganância capitalista.
Vale lembrar, contudo, que esses dados são extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE, que leva em conta desde 2017 um critério biomédico para definir deficiência, delimitando a população PcD a 18 milhões de brasileiros. Se o IBGE mantivesse o critério da autodeclaração do senso de 2010, esse número chegaria hoje a mais de 50 milhões e, consequentemente, os dados seriam ainda mais assustadores.
A taxa de analfabetismo entre PcDs é quase 5 vezes maior que a da população sem deficiência (19,5% contra 4,7%). Na força de trabalho, sua participação é de apenas 4,7% dos postos preenchidos. Mais de 60% estudam em escolas públicas, mas a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 mostrou que apenas 15% das pessoas com deficiência possuem ensino médio completo, o que deixa bem claro qual a situação desses estudantes: negligenciados, discriminados e impedidos de acessar seu direito à educação.
Vitórias da Luta
O “Viver sem Limites II” reflete vitórias importantes da luta das pessoas com deficiência. Em primeiro lugar, institui o Sistema Nacional de Avaliação Unificada da Deficiência, o que significa um importante passo no acesso de PcDs a políticas públicas de acessibilidade e bem-estar social tais como as cotas em concurso público, profissionais de apoio em escolas e empregos, entre outras políticas que exigem um atestado oficial da deficiência.
Além disso, também cria a Central Nacional de Interpretação em LIBRAS, que promete fornecer o serviço de tradução e interpretação em LIBRAS 24h em todo o território nacional. Embora passe longe de resolver efetivamente o problema da exclusão linguística da comunidade surda, oferece uma alternativa estatal para situações comunicacionais que geralmente eram resolvidos por voluntários ou pela solidariedade operária de alguma outra pessoa presente que soubesse a língua brasileira de sinais.
Também avança em debates históricos, como a criação de um “Centro de Memória da internação Compulsória”, de pensar programas culturais sobre as pessoas com deficiência racializadas, a inserção a nível nacional da discussão sobre emprego apoiado, entre outros.
Lacunas a se preencher
Apesar das importantes conquistas, o plano parece não acreditar na própria capacidade. Na contramão da ousadia e inovação das metas gerais, as metas específicas fixadas estão muito aquém de atender as necessidades do povo brasileiro com deficiência.
Por exemplo: o plano estabelece a meta de formar pouco mais de 8000 professores na temática da educação inclusiva. Considerando que, segundo os últimos dados do INEP, 1,2 milhão de estudantes com deficiência estavam matriculados nas instituições regulares (não-especializadas) de ensino, 8000 professores capacitados é uma meta longe do suficiente para incluir esses estudantes no sistema de ensino, onde é geralmente imposta a cruel realidade do lugar que a burguesia nos reserva na sociedade; principalmente considerando que essa meta específica não estabelece prazo.
A mesma lógica se aplica à meta de formar 6000 profissionais de segurança na LIBRAS e na atuação para com cidadãos com deficiência. Mesmo com a redução no número nacional de PcDs, esse número ainda está longe de representar a maioria das forças de segurança, e esses são geralmente responsáveis pela violência capacitista (como os que assassinaram Amílton Bandeira, no Maranhão, Monstrinho no RJ, o que quebrou o braço de um aluno autista no DF, etc.).
Também há a meta de equipar 250 consultórios ginecológicos e 90 novas policlínicas com mesas acessíveis. Novamente: num país com 50 ou 18 milhões de cidadãos com deficiência, com as mulheres com deficiência sendo, estatisticamente, mais afetadas pela violência de gênero, essa meta é a que representa o verdadeiro interesse das pessoas com deficiência?
Estão previstos também uma série de cursos de formação em diversos campos, que são justos e necessários (todos na temática da acessibilidade). Mas não está explícito quem dará esses cursos, o que abre espaço para bilionários como o neoliberal Jorge Paulo Leman inserirem suas fundações educacionais com larga tradição em formar defensores dos patrões e seu projeto de transformar tudo em lucro e de exterminar o que não é lucrativo. Até porque, no que diz respeito ao atendimento acessível de saúde, boa parte do treinamento será responsabilidade da EBSERH, que vem sucateando hospitais de universidades federais Brasil afora e precarizando a situação dos trabalhadores e dos pacientes.
Ignorando uma série de outras debilidades e pontos positivos, chegamos ao tema do orçamento. No orçamento de 2024, o agronegócio e as Forças Armadas, dois setores que estão envolvidos até o pescoço no levante fascista de 8 de janeiro, levaram cerca de R$40 bilhões cada um; a dívida pública, que transfere o dinheiro do povo brasileiro para os bancos e e grandes empresários, permanece na casa de R$2 trilhões como foi no governo Bolsonaro. Mas, para o Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, ficou reservado R$6 bilhões.
Muito alardeado por entidades e pessoas que defendem o governo acriticamente, o fato é que esse orçamento deixa claro que o Estado, no capitalismo, é um comitê para gerir os negócios dos patrões e, portanto, PcDs não são tão prioridades quanto o latifúndio que destrói a Amazônia, a xerox de textos nazistas na Escola Superior de Guerra ou o enriquecimento infinito dos banqueiros e empresários fascistas, que têm horror a inserir na sociedade esse um quarto da população que só produz lucro quando está confinado em instituições de “caridade” ou sendo excluídos ao vivo em reality shows.
A saída é a Luta
Tudo isso só nos ensina que nenhum governo burguês é efetivamente leal às pessoas com deficiência, e apenas conquistando o poder para os trabalhadores poderemos conversar sobre a verdadeira libertação das PcDs. Enquanto isso, devemos nos organizar entre nós para expandir os limites dessa democracia, mais e mais, até mandá-los pelos ares e construir um novo mundo: justo, acessível, fraterno e socialista.