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domingo, 22 de dezembro de 2024

A mulher trabalhadora e o movimento sindical

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Lenilda Luna | Coordenação do MLC


Muito se fala da dupla e tripla jornada de trabalho da mulher: tarefas domésticas, maternidade, profissão. Mas, muitas mulheres se desdobram ainda mais para dar conta de outra jornada, nada fácil, que é a militância sindical. 

São obstáculos que nem sempre são compreendidos nas disputas políticas: ter que abandonar a reunião para levar o filho ao médico, faltar a um congresso por não ter com quem deixar as crianças, ter dificuldades para ler e estudar a conjuntura e conseguir fazer o discurso posicionado com os acontecimentos mais recentes.

É bem mais confortável para o movimento sindical e, muitas vezes, para a própria mulher, que ela fique no sindicato na posição de cuidados: organizar as atas, garantir a manutenção da sede, supervisionar a decoração do auditório nos eventos e questões que não se diferenciam muito do que a companheira já faz em casa, na escola, na vida.

Mas as mulheres que, na década de 1980, saíram às ruas contra a carestia e pressionaram a ditadura militar a recuar, as mulheres que enfrentaram torturas e prisões para defender direitos.

Cotas para mulheres

Não foi um debate fácil. Muitas discussões acaloradas e reuniões de base aconteceram pelo Brasil afora, até que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) aprovasse, em 1993, a cota mínima 30% de mulheres nas direções sindicais.

Essa decisão obrigou os sindicatos a debater a formação de lideranças femininas. Os programas de formação política passaram a incluir cursos específicos para capacitar as companheiras a assumirem as posições de direção com uma intervenção de qualidade. As categorias do serviço público foram as que mais apresentaram um contingente de mulheres de destaque. 

Quatro décadas de muitas lutas se passaram, e ainda lidamos com altos índices de violência contra a mulheres; pouca disponibilidade de vagas em equipamentos de cuidados coletivos, como creches; e precarização dos direitos trabalhistas, principalmente para as trabalhadoras, com jornadas exaustivas e salários mais baixos que os dos homens.

Todas essas questões reforçam que, para o conjunto da classe trabalhadora, e especificamente para as mulheres, não há como falar em igualdade no marco de uma sociedade baseada na exploração da força de trabalho. Não é possível conquistar direitos com conciliação de classes. A corajosa posição das mulheres na luta sindical tem que colocar em xeque a sociedade capitalista e patriarcal.

É preciso ter sonho sempre

O jornal A Verdade entrevistou duas dessas mulheres sindicalistas combativas são Ludmila Outtes, 35 anos, presidenta do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco (Seepe) e diretora da Federação Nacional dos Enfermeiros, e Alda Lúcia, 60 anos, presidenta do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro-MG) e da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro).

Ludmila, conte como você iniciou a militância e conciliou com o trabalho.

Eu fui do movimento estudantil, da ala dos independentes. Mas já participava da militância, mesmo meio desorganizada. Quando me formei, parei de militar por uns seis meses até conhecer o PCR. No período que fiquei sem militância, eu senti muita falta, então foi muito tranquila a volta à ação coletiva.

Eu trabalhava inicialmente dando aulas para curso técnico, depois comecei a trabalhar em hospital, na semi-intensiva. Apertou mais quando entrei pra residência, porque a carga horária é altíssima, 60 horas semanais, então era bem pesado conciliar com a militância, mas eu me esforçava. Participava das atividades à noite e nos fins de semana em que não tinha plantão.

No final da residência, comecei outro emprego no hospital privado e minha militância se direcionou para o trabalho sindical. Sempre que largava do plantão, ia fazer uma panfletagem em um hospital perto (não fazia no meu mesmo por causa da perseguição). Pouco tempo depois, fui eleita para a Cipa e, em seguida, ganhamos a eleição do sindicato.

O que mudou e quais foram os principais desafios depois do nascimento da sua filha?

Nossa, mudou tudo. Primeiro que, durante a licença maternidade, eu me sentia muito só. Minha primeira gestação foi durante a pandemia, então já tinha a complicação de não poder sair por causa da ameaça do vírus. Depois, veio o puerpério e eu me senti, na verdade, esquecida. Não podia participar das atividades e não tinha contato com a organização, o que me deixou mal. Senti que os companheiros poderiam ter dado mais atenção, sabe?! Fazer visita, levar o jornal, acompanhamento individual. Não tive. Acho que precisamos pensar nisso nos nossos coletivos também.

Minha primeira atividade pós-parto foi quando Marina tinha um mês e pouco, durante as eleições municipais. Meu companheiro foi candidato à Prefeitura de Recife pela Unidade Popular (UP), então fui pra uma plenária nas vésperas da eleição. Foi ótimo pra mim essa retomada! Mas só depois de um tempo que consegui voltar com ritmo para as atividades. O diferencial era ter que organizar os horários com meu companheiro ou ver alguém pra ajudar com a bebê.

Meu segundo filho foi para a militância mais cedo. Primeiro, que foi no meio da campanha do Piso da Enfermagem. Lembro que, no último ato que fui, estava com oito meses de gestação, em cima do carro de som, debaixo do sol. A repórter do telejornal que estava cobrindo a atividade, ficou impressionada, destacando minha “situação” sempre que podia

Como você se organiza para uma jornada tripla? 

Hoje eu concilio trabalho de enfermeira, sindicato, organização, maternidade e casa. Puxado! Mas tenho uma rede de apoio fundamental. Meu companheiro participa bastante e o fato de ele ser da militância tem um lado bom e um ruim. O bom é porque ele entende e apoia minha luta, tem a consciência de entender que as tarefas também são dele e ele tem obrigação de fazer comigo. O ruim é porque ele também tem uma agenda apertada por conta das atividades.

Também tenho o apoio fundamental da minha mãe. Eu realmente não conseguiria fazer um terço do que faço sem ela. Nem imagino o quão difícil é pra quem não tem essa rede de apoio. Minha sogra também ajuda bastante.

Quais seriam as políticas públicas e equipamentos para facilitar a vida das mulheres que são mães, trabalhadoras e militantes?

Em primeiro lugar, a garantia de creche e escola em tempo integral. Grande parte das mulheres largam o emprego após serem mães simplesmente porque não têm com quem deixar os filhos.

Também deveriam existir lavanderias e cozinhas coletivas. Se já é difícil ser mãe e trabalhadora, gastar mais duas a três horas por dia cuidando da casa é absurdo. Países que construíram o socialismo demonstraram que isso é possível e que é sim tarefa do Estado suprir essa necessidade.

E sobre a militância, ainda precisamos avançar muito na consciência de nossos companheiros e companheiras para entender e apoiar as mulheres mães nessas dificuldades. Dar apoio não só em congressos ou encontros, mas nas reuniões semanais, nas atividades menores, nas brigadas.

Alda Lúcia, 60 anos, presidenta do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro-MG) e da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro). Foto: JAV.

Alda, como você iniciou a militância e conciliou com o trabalho?

A minha militância começou no ensino médio, mas se firmou mesmo com os metroviários. Quando fazíamos as greves, eu sempre manifestava minhas opiniões e fui chamada para fazer parte da diretoria do sindicato. Meu primeiro cargo foi a pasta das mulheres. Nunca tive receio em emitir as minhas opiniões, seja no sindicato seja dentro das reuniões da empresa. Mas não foi fácil.  

Com o nascimento de sua filha, quais foram os principais desafios? E nos dias atuais, como se organiza para uma tripla jornada?

Tenho uma filha com 31 anos, porém entrei no movimento sindical após o nascimento dela. E meu companheiro sempre dividiu comigo os cuidados com ela e as tarefas de casa. Na realidade, minha organização se dá junto com a participação ativa do meu companheiro, que sempre me ajudou e, muitas vezes, fazendo todas as funções da casa sozinho, e eu na luta.

Como você alcançou essa posição de liderança sindical nacional?

Através da minha participação ativa dentro do sindicato, em Belo Horizonte. Eu lutei por uma posição maior e me tornei tesoureira, também passei a participar ativamente das lutas do sindicato e, com isso, as pessoas foram me conhecendo. Como nunca tive receio em manifestar as minhas posições e lutar por elas, fui me tornando conhecida dentro do movimento sindical, e me tornei a primeira mulher presidenta do sindicato. Uma coisa eu posso falar: não foi fácil! Como, até hoje, não é fácil para as mulheres porque nós temos que nos reafirmar sempre para conseguir cargos de liderança.

Matéria publicada na edição nº 286 do Jornal A Verdade

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