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quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Após privatização da Cedae, moradores do Rio de Janeiro sofrem com falta d’água 

Heron Barroso | Rio de Janeiro (RJ)


Desde que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) foi privatizada, em abril de 2021, milhares de moradores do Rio e da Baixada Fluminense passaram a conviver com a falta frequente de água nas torneiras. Nem escolas e postos de saúde têm escapado.

“Antes, com a Cedae, a gente não tinha problema. Nunca faltou água. Mas, agora, com essa nova empresa, virou uma desgraça”, reclama a aposentada Maria do Carmo Santana, de 64 anos, moradora do Morro da Vila Ruth, em São João do Meriti, na Baixada Fluminense. Segundo ela, assim que a nova concessionária Águas do Rio assumiu o serviço, as contas aumentaram e o fornecimento piorou. “A maior parte do tempo, não temos água. Nesta semana, por exemplo, não vai água desde domingo passado. E detalhe: o valor da conta dobrou”, afirma.

Situação parecida vive a desempregada Amanda Viana. “A gente não aguenta. A gente tem que gastar dinheiro comprando água pra poder beber”, diz. “Se paga, tem que ter a água. Mas a empresa vem quando quer. Tá terrível sem água. Como se tivesse numa guerra”.

Na época do leilão da Cedae, o governador Cláudio Castro (PL) prometeu que os serviços iriam melhorar. Disse ele: “Esse leilão é um marco para o estado e nos dá esperança para um futuro melhor para o nosso povo”. Mas, como diz a sabedoria popular, mentira tem pernas curtas. Mal assumiu o abastecimento das cidades de São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Duque de Caxias, Mesquita, Nova Iguaçu e Queimados, além do Centro do Rio e dos bairros das zonas Norte e Sul da capital, a empresa Águas do Rio vem acumulando reclamações da população.

O aumento repentino nas contas, mudanças na forma de cobrança, alterações de cadastro dos imóveis e dos clientes e aplicação de multas que passam de R$ 6 mil estão entre as principais queixas feitas ao Procon/RJ. Segundo Carlos Guedes, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/RJ, as reclamações cresceram 564% em um ano e vão desde “o grande aumento no valor das contas, ao corte indevido no fornecimento, à aplicação de multas indevidas e a cobranças de contas em imóveis sem hidrômetro”.

“Não tenho como pagar”

Um dos casos mais absurdos aconteceu em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. A aposentada Maria da Glória Gabriel Serra, de 92 anos, viu sua conta de água saltar de R$ 150 para R$ 1.660, logo após a Águas do Rio trocar o hidrômetro da casa em que mora com a filha. Também aposentada, dona Márcia Arruda, de 83 anos, moradora de Nova Iguaçu, teve um aumento de 1.000% na conta, apesar de o hidrômetro ser o mesmo de antes. Suas faturas costumavam ser na faixa de R$ 140, mas, referente a outubro do ano passado, o valor foi de R$ 1.307. “Fui até a Águas do Rio para entender e me disseram que o total era a diferença do consumo de um ano, como um valor retroativo. Segundo a empresa, eles cobraram por média durante todo esse período. Tive que pagar esse total porque ameaçaram cortar a água”, explica.  

Ainda em Nova Iguaçu, Marcos Antônio, 63 anos, morador do Bairro da Posse, tomou um susto ao receber a conta de água referente ao mês de dezembro. Morando apenas com a mulher e um filho, numa casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, ele recebeu uma fatura de R$ 1.869,67. Autônomo, Marcos tem renda mensal de dois salários mínimos e diz que não tem condições de pagar. “Não tenho como pagar isso. É alto demais. O valor da conta deu um salto inexplicável. Entre junho e outubro, paguei, por mês, no máximo, R$ 200. Em novembro, passou para R$ 415,41. E agora, para mais de R$ 1.800. Isso só pode estar errado”, resume.

Em muitas favelas e comunidades, é comum faltar água pelo menos duas vezes por semana. Na comunidade da Mangueirinha, em Duque de Caxias, moradores reclamam das torneiras vazias e, mais uma vez, dizem que tudo começou após a Águas do Rio assumir a distribuição no local. O pedreiro Humberto Cardoso, de 53 anos, diz que sempre paga as contas em dia, mas a falta de água continua. “Não adianta ter tanta gente da Águas do Rio por aí, mas não resolverem nosso problema. Não adianta a gente ligar, abrir protocolo de reclamação e eles só enganarem a gente. O pessoal da Cedae conhecia essa região e conseguia resolver os problemas de forma rápida, mas a Águas do Rio, sinceramente, deixa a desejar. Agora, se você atrasa o pagamento, vem com ordem de corte na sua residência”, afirmou.

Água não é mercadoria!

Reclamações e denúncias parecidas ocorrem em praticamente todos os bairros atendidos pela Águas do Rio. Com o aumento do calor nos últimos meses, a situação é ainda mais grave.

A empresa e o governador colocam a culpa no povo, que, segundo eles, desperdiça a água. Mentira! Como podemos desperdiçar água se falta água na torneira todos os dias? Como podemos viver com dignidade se nem água na torneira temos para cozinhar, tomar banho ou beber?

O acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente é um direito que não pode ficar nas mãos de empresas privadas, que olham apenas para o lucro. Em outros estados do país, os governos também querem privatizar as companhias públicas de saneamento e, para isso, usam o mesmo discurso falso do governador do Rio de Janeiro. Privatizar a água é um crime contra a população. Se isso acontecer, todos nós ficaremos reféns dos maus serviços, das contas caras e dos abusos dessas concessionárias privadas.

Matéria publicada na edição nº 286 do Jornal A Verdade

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