Além de serem tratados como um problema para as escolas, neurodivergentes são forçados a se adaptar a um sistema já falho para os neurotípicos. Priorizando o lucro, esses alunos são empurrados para instituições de caridade, terapias caras e remédios inacessíveis. Isso não aconteceria se a vida humana fosse prioridade.
Ingrid Costa | Rio de Janeiro
EDUCAÇÃO – A aprendizagem tem sido tratada cada vez mais como uma corrida. E vence aquele que aprende mais rápido e com menos esforço. Não há espaço nem interesse das instituições de ensino em adaptar seus métodos. Com a luta das pessoas com deficiência pela substituição da lógica das escolas especiais por escolas inclusivas, as escolas estão se vendo obrigadas de um jeito ou de outro a lidar com esses indivíduos. Seja forçando-os à norma, seja empurrando a responsabilidade para as instituições de Educação Jovens e Adultos (EJA).
Os alunos neurodivergentes acabam sendo colocados para a sociedade como se fossem uma “dor de cabeça” para as escolas que têm cada vez mais ignorado essas pessoas. No ensino particular essa corrida fica mil vezes mais evidente, já que o lucro é o objetivo dessas empresas-escolas. Quando não são recusados nas escolas, por serem prejuízo a elas, são aceitos com o convite “inocente” à medicalização, ou com preços extras pelos profissionais especializados contratados. E no ensino público muitas vezes são todos agrupados em salas de mediação, onde são muitas vezes convidados a fazerem trabalhos recreativos (desenhos, pinturas) e são aprovados automaticamente e ou são segurados até a idade de ingressarem à EJA.
Além de serem tratados como problemas escolares, alunos com TDAH e autistas são obrigados a se adaptarem a uma relação ensino-aprendizagem já muito limitada para os próprios alunos neurotípicos (sentado, calado, ouvindo e escrevendo). A diferença material é que um aluno neurotípico aprende, mesmo sem gosto ou vontade; o aluno neurodivergente, de maneira geral, só não absorve o conteúdo se não tiver estímulo ou suporte.
É muito mais simples culpar eles de serem quebrados, do que cobrar o sistema educacional a adaptar-se. E quando os responsáveis veem todos os “normais” passando com notas boas ou razoáveis, e seus filhos presos em loopings de reprovação, eles acabam por ceder ao convite tão facilitador da medicação, afinal eles (os médicos) são os profissionais, acusando seu filho como problema.
E a adaptação é muitas vezes tratada como uma impossibilidade, já que eles são “neurologicamente comprometidos”, “para quê esforçar?”, “não aprendem nada mesmo!”.
Muito pelo contrário! É só uma questão de olhar com o cuidado de não enxergar problemas e sim diferenças. Se o aluno não fala, se comunica de outra forma; Se o aluno não senta quieto, pode ser avaliado em pé, andando, se movimentando; entre outros vários exemplos. O mesmo vale para as clínicas de psicopedagogia, no auxílio desses indivíduos em adaptá-los à norma.
Um bom exemplo é a Terapia de fala que sempre é primeira opção enquanto as tecnologias de Comunicação Alternativa Aumentativa (CAA) são quase sempre o último recurso. Para a ciência burguesa, é preferível um possível trauma linguístico, forçando um modelo de comunicação verbal à pessoa. Quando a tecnologia CAA e ou até o uso de Libras (Língua brasileira de sinais) são métodos além de mais eficazes, mais respeitosos.
Porque a insistência na terapia de fala como regra é problemática?
Para que haja desenvolvimento cognitivo é preciso ter pensamentos. Para haver pensamentos, é necessário uma língua materna base, para que o cérebro se desenvolva. Para a burguesia, é preferivel tardar esse processo até idades mais avançadas, no âmbito de pessoas autistas não verbais, do que oferecer tecnologia assistiva de qualidade.
Com o processo de absorção de uma linguagem tardio, há um déficit intelectual/comportamental, muito melhor documentada na comunidade surda, quando a língua de sinais foi proibida (Congresso de Milão – 1880). Todo esse processo promove uma clara separação do trigo e o joio.
Em outras palavras, há os alunos que, por bem ou por mal, aprendem a mutilarem suas necessidades e se adaptam. E há aqueles que não conseguem se adequar a essa expectativa, a eles sobram somente a persistência, na tentativa de adequação a esse modelo burguês de produtividade e lucro.
Para a burguesia, se sua força de trabalho não consegue ser explorada, então sobra explorar sua existência. Seja te obrigando a viver medicado, com remédios inacessíveis, para que seja produtivo, seja condenando à uma vida inteira de terapias eternas, caras e ineficazes. Forçando esses indivíduos a uma vida dependente de associações de caridade, e da indústria farmacêutica.
Só em um sistema não controlado pela burguesia, onde o lucro não seja o que valha, será possível reverter essa realidade. Um sistema que tenha como valor a vida, o progresso humano, e a cooperação, ou seja uma sociedade socialista, onde ser diferente não é ser prejuízo, onde não exista caminho único de existência válida.