As mulheres são as mais prejudicadas com o sucateamento da universidade, Por diversos motivos relacionados ao machismo e à violência de gênero no ambiente acadêmico, as mulheres são as mais prejudicadas com o sucateamento da universidade pública, e o Movimento Correnteza se destaca na luta por mais permanência estudantil e por uma universidade que acolha todas as mulheres
Gabrielle Batista | Rio de Janeiro (RJ)*
O Movimento Correnteza, consolidado em 2017 como um movimento de unidade e centralidade política nas lutas travadas pelo movimento estudantil brasileiro e pelos estudantes independentes no geral, desde então se destaca por formar uma juventude comprometida com a luta cotidiana nas universidades, lutando por mais assistência estudantil, moradia, alimentação, segurança nos campus e para o acesso e permanência das mulheres estudantes na universidade.
Além disso, o Correnteza enquanto movimento dos estudantes da classe trabalhadora, se compromete a estar cada vez mais inserido nos espaços sociais dentro e fora da universidade, buscando sempre disputar a consciência dos jovens estudantes e trabalhadores de todo o país, para a organização popular e resistência frente aos desafios de acesso à uma universidade de qualidade, à saúde e segurança no país.
Atualmente, com a política de teto de gastos na educação, há grande dificuldade para conseguir auxílios de alimentação, moradia e transporte, o que faz com que muitos estudantes – e sempre a parcela mais periférica e, sobretudo, as mulheres da classe trabalhadora e pobre do país – desistam em massa da universidade.
Nesse sentido, as mulheres são as mais prejudicadas com o sucateamento da universidade pública, pois, muitas vezes, são impedidas de irem às aulas, pois não podem levar seus filhos e também não há creches para deixá-los, acabam evadindo do espaço acadêmico, pois também sofrem com a sobrecarga da maternidade solitária e do aborto paterno de seus companheiros. Outras vezes, ao entrarem na universidade também são vítimas de assédios e violências constantes.
Por esses motivos, universidade está longe de ser um espaço seguro para nós que precisamos enfrentar os inúmeros desafios postos pelo machismo, como a violência de gênero, que nos submete a situações de assédio sexual e moral, por exemplo. E como resposta, além de não termos nenhum amparo institucional para acolhimento das vítimas ou políticas de combate e prevenção aos assédios na universidade, muitas vezes, os agressores, que na maioria das vezes são professores ou outros funcionários da universidade, que não só continuam em seus cargos, como também, em muitos casos, são promovidos e passam a receber um salário maior, enquanto as mulheres agredidas sentem medo de continuar na universidade e muitas delas acabam desistindo da graduação.
Quando as mulheres são mães e universitárias, elas precisam escolher se vão ou não à aula, pois não há creches para deixar seus filhos, tampouco fraldários e locais de amamentação dignos e seguros . A questão da pobreza menstrual também é um grave problema enfrentado por nós mulheres que muitas vezes não encontramos absorventes nos banheiros do nosso prédio e, também, por dificuldades socioeconômicas também não podemos comprar.
Essa conjuntura deplorável enfrentada pelas mulheres na universidade ainda é uma realidade a ser vencida. Nas universidades, as mulheres representam mais da metade da população brasileira matriculada em instituições de ensino superior no Brasil, representando 57,2%. Em relação às mulheres mães, apenas 17% delas conseguem concluir a graduação.
No entanto, se por um lado, isso representa uma situação favorável a nós mulheres, que somos a maioria em um espaço tão importante de formação social como a universidade, somos também as principais vítimas de assédio na universidade. Pelo menos 67% das estudantes afirmam já terem sofrido algum tipo de violência no ambiente acadêmico. Isso quer dizer que, mesmo sendo a maioria na universidade, nós somos ainda a minoria que consegue entrar e permanecer em segurança.
Consequentemente, podemos notar a ausência de políticas públicas de qualidade em defesa da vida das mulheres brasileiras que, além de lutarem diariamente pelo acesso a direitos básicos como educação e saúde, precisam lidar com o medo constante de serem mortas simplesmente por serem mulheres.
Nesse sentido, o papel do Movimento Correnteza frente a essa conjuntura inaceitável para as mulheres na universidade, atua de diversas maneiras, juntamente com coletivo de mulheres jovens, mães e trabalhadoras, além da luta diária com os movimentos sociais como o Movimento de Mulheres Olga Benario, para criar melhores condições de acesso e permanência para as mulheres nas universidades. Realizamos plenárias sobre a luta das mulheres na universidade, no mercado de trabalho e como podemos inseri-las cada vez mais nos espaços onde elas podem ter voz ativa e maior participação política.
Juntamente com o Movimento Olga Benario, o Correnteza também fortalece a campanha por creches, que o Olga realiza anualmente, no intuito de denunciar o descaso que muitas mulheres mães que precisam trabalhar e estudar e não conseguem vagas em creches para seus filhos. Além disso, uma das principais lutas tocadas também pelo Movimento Correnteza são campanhas pelo fim dos assédios na calourada, pois é nas festas universitárias que as mulheres mais sofrem assédios e, assim, não tem o direito ao lazer em segurança. O correnteza juntamente com as entidades estudantis e Movimento Olga Benario realizam tendas de acolhimento nas festas, como forma de denunciar esses casos.
Quando vemos a força de mobilização que o Movimento Correnteza tem nas universidades percebemos que isso se dá pois o movimento luta principalmente ao lado das mulheres na universidade e também são as mulheres as principais dirigentes e agitadoras do movimento nas universidades.
Camile Gonçalves, estudante de Engenharia Civil, presidente do Centro Acadêmico do seu curso, Caeng e também conselheira no Conselho Universitário, pelo DCE Mário Prata explica como o Movimento Correnteza impulsiona a luta das mulheres na universidade, principalmente no curso de Engenharia: “Meu curso é muito masculino, e isso se demonstra muito, como o machismo é muito impregnado, na propria questão com os professores, mas dentro do centro acadêmico eu não sinto isso. Eu acho que a gente conseguiu, inclusive, enquanto correnteza, criar um ambiente, que não só é dirigido por mulheres, mas que respeita todas as mulheres e as suas posições e as suas falas.
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Eu com certeza acho que o Correnteza ajuda a impulsionar a luta das mulheres no movimento estudantil porque a gente ainda enfrenta machismos muito cotidianos, seja nos conselhos pelos professores ou pelos próprios embates com os movimentos sociais dentro da universidade. E o Correnteza ajuda muito a gente a fortalecer essa perspectiva que independemente de qualquer coisa, nós, por sermos mulheres, temos uma função muito importante na universidade e no movimento estudantil”.
Erika Cabral, estudante de pedagogia na Universidade Estadual do RJ no campus da Caxias, pela Febef-Faculdade de educação da baixada Fluminense, é coordenadora do Movimento Correnteza na Baixada Fluminense e no estado também fala sobre a importância da correnteza na luta das mulheres na universidade: “Eu acho que o correnteza ajuda a impulsionar a luta das mulheres por conta das lutas específicas que a gente se preocupa dentro da universidade, porque a gente entende que na universidade a gente não tem só estudante, temos estudantes que são mulheres, que são mães, e em todos esses casos o Movimento Correnteza pensa em como tornar o ambiente acadêmico em todos os cursos, um ambiente próprio pras mulheres, como através da criação de campanhas contra os assédios, por mais creches.
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O Movimento Correnteza por ser alinhado à linha do Movimento de Mulheres Olga Benario se torna um movimento combativo também. A minha universidade é um campus externo e também uma Faculdade de Educação, então o maior curso do campus é pedagogia, que é majoritariamente ocupado por mulheres e hoje em dia temos uma carência muito grande sobre essas pautas dessas lutas do movimento estudantil que estava presente antes do Correnteza chegar. Atualmente a gente consegue pensar mais profundamente nas questões de ser mulher na universidade, principalmente no meu caso que sou uma mulher trans, numa zona periférica do estado do RJ. Então eu acho que não tem como pensar em movimento estudantil no meu campus sem pensar em elevar a consciência das estudantes presentes e incentivar elas a se organizar e a lutar contra as opressões que a gente sofre todo dia dentro da universidade.
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Então é entendendo a revolta das mães com o atraso das bolsas , onde as mães recebem uma bolsa da universidade que é responsável por suprir a necessidade dela e dos filhos , ou no geral onde a gente pode ver nas universidades inúmeros casos de assédios contra as mulheres, que o Correnteza junto com o movimento de Mulheres Olga Benario se propõe a ter uma linha acertada nessa luta e uma combatividade pra pra falar que o movimento correnteza mostra que não tem como separar a luta do movimento estudantil da luta diária das mulheres que lutam para permanecer na universidade”.
Alexandra, Tavares, estudante de Letras da UFRJ e também coordenadora-geral do Centro Acadêmico do seu curso (CALET), fala sobre como o movimento correnteza incentiva a luta das mulheres universitárias em um curso extremamente feminino, como o curso de Letras “No meu curso, a maioria das estudantes são mulheres e a gente tem infelizmente um problema muito grande que são os casos de assédios e nós do movimento correnteza juntamente com o coletivo de mulheres da letras o Lélia Gonzalez , tivemos tocando uma ampla campanha no último período dentro da faculdade contra os assédios pra gente conseguir pensar em formas de combater o assédios na universidade e conseguir que esse problema seja cada vez mais extinto. E inclusive conseguimos a aprovação de um Grupo de Trabalho da Faculdade de Letras junto com a direção da faculdade pra pensar com mais qualidade nos debates de luta contra os assédios na universidade.
No curso de Gestão Pública a realidade das mulheres não é muito diferente, a estudante e representante discente pelo DCE Mário Prata na pasta de assistência estudantil, Rute Moraes explica que mais de 80% do curso é feminino. Ela ainda afirma que “No movimento estudantil consegue-se ver que melhorar o espaço universitário, com bolsas, auxílios, estrutura (creches e locais de amamentação), também é impactar a vida das mulheres. O Movimento Correnteza é uma parte importante da linha de frente das mulheres, tanto porque as mulheres são as que mais sofrem dentro da universidade, em espaços de opressão, assédio e constrangimento. Ter um movimento estudantil ativo é o primeiro passo para resistência e permanência feminina na universidade. Estamos com uma luta importante, que, como é um curso que não tem Prédio, estamos alocados na Letras e, um prédio com problemas estruturais, falta um suporte para as estudantes mães. Para isso, estamos reivindicando um espaço abandonado do lado do DCE Mário Prata, que sirva de espaço de amamentação e organização política dessas mães.
Com isso, vemos que o movimento correnteza tem um papel crucial para incentivar a luta em defesa da vida das mulheres que querem ter uma vida digna, querem melhores condições de trabalho, querem entrar na universidade e permanecer sem precisarem passar por qualquer tipo de assédio.
Viva a luta das mulheres estudantes e trabalhadoras. Estaremos sempre na luta por um mundo melhor para nós!
*Militante do movimento correnteza na UFRJ