A privatização da energia no Brasil, iniciada nos anos 1990 não entregou as melhorias prometidas. Os resultados dos contratos com empresas foram dois: piora no serviço e aumento nas tarifas
Heitor Scalambrini Costa* | Recife (PE)
Desde os anos 1990, o setor elétrico brasileiro vem passando por uma reforma institucional cujos objetivos seriam, segundo seus promotores, o aumento da competição, a modicidade tarifária, a melhoria da qualidade dos serviços e uma maior participação de recursos privados na distribuição, transmissão e geração de energia.
A reestruturação do setor elétrico, iniciada no Governo FHC, seguindo o neoliberalismo vigente, priorizava a participação do mercado em setores estratégicos do Estado brasileiro. Foi adotado um modelo de concessão alienígena para a distribuição de energia elétrica, transferindo ao mercado a responsabilidade pelo suprimento e fornecimento de energia elétrica.
O modelo mercantil imposto desestruturou o planejamento, privatizando empresas e criando regras regulatórias quase que diariamente. Próximo de completar 30 anos, a privatização do setor teve um resultado catastrófico para a sociedade.
Os brasileiros herdaram, além dos apagões, racionamento de energia, baixa qualidade nos serviços oferecidos, aumentos extorsivos nas tarifas, possibilitando uma transferência de renda brutal para as grandes corporações internacionais do setor.
Os lobistas do segmento de distribuição de energia elétrica reunidos na Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, ávidos por lucros crescentes, exercem forte pressão (para ser delicado) nos membros do Congresso Nacional, para que leis sejam aprovadas em benefício de seus associados. Também os grandes meios de comunicação abrem espaço para os “especialistas” (reconhecidos por sua “capacidade e neutralidade”), sempre prontos para defender seus próprios interesses e de seus contratantes. Estudos técnicos, encomendados sob medida, estão disponíveis em profusão para sustentar argumentos falaciosos.
Os impostos e encargos, contidos nas contas de luz, são usados para justificar as altas tarifas. Fazem de tudo para convencer a sociedade que, diminuindo os tributos, as tarifas cairão, e não os lucros astronômicos das empresas, verificados nos balanços contábeis anuais, e revertidos a um punhado de acionistas.
Todavia, nada dizem sobre a questão de fundo, que realmente influencia na tarifa final ao consumidor, que são as cláusulas draconianas dos contratos de concessão dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica, também conhecidos como “contratos de privatização”. Nestes contratos, estão as mazelas das tarifas exorbitantes e a impunidade das empresas, por não cumprirem a prestação adequada e contínua do serviço em sua área de concessão.
Tais contratos, apresentados como “juridicamente perfeitos”, garantem que não haja a diminuição dos lucros das empresas. A noção de equilíbrio econômico-financeiro, funciona como um mecanismo de proteção ao capital investido no setor elétrico, garantindo que seja sempre remunerado. Criaram, assim, no setor elétrico, o “capitalismo sem risco”. E quem paga a conta é o consumidor, a sociedade brasileira.
Na prática, os aumentos nas tarifas, concedidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), estão previstos nos contratos. As distribuidoras são ressarcidas, desde que ocorra qualquer interferência que afete os preços da energia por elas adquirida. Assim, é o consumidor que sempre paga, via aumento das tarifas, subsidiando a saúde financeira das empresas, e seus ganhos estratosféricos.
É nos contratos de privatização da energia que a fórmula de cálculo dos índices de reajuste aparece, garantindo que, além do reajuste anual, haja também reajustes extraordinários e a revisão tarifária a cada cinco anos. As bandeiras tarifárias, criadas em 2015, foram outro mecanismo para aumentar o caixa das concessionárias.
Na maioria dos contratos, as tarifas estão indexadas ao Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), que tem forte influência do dólar, e cujos valores são superiores aos índices de inflação. Seria mais justo seguir o índice de reajuste salarial, ou de ganho real do trabalhador. Com o índice utilizado, verifica-se que as tarifas sobem pelo elevador, enquanto os salários, pela escada.
Os contratos de concessão das distribuidoras começam a expirar em 2025. O primeiro é o da EDP-ES (antiga Escelsa, privatizada em 1995). Assim, as diretrizes, regras e regulamentações para a prorrogação das concessões de distribuição de energia, ou para uma relicitação das mesmas, deveriam ter sido estabelecidas pelo Governo Federal em julho de 2022, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Todavia, as discussões estão em andamento e, recentemente, foi criado um grupo de trabalho para analisar questões relativas ao setor elétrico, inclusive os contratos de concessão que expirarão nos próximos anos.
O que fica claro é que as distribuidoras, de maneira geral, não têm cumprido os regramentos, os requisitos e indicadores para a qualidade dos serviços, para a continuidade do fornecimento. Nem a revisão das tarifas tem beneficiado a modicidade tarifária. Assim, evidencia-se uma “quebra de contrato”. E a existência e continuidade das concessões como estão, com uma simples prorrogação dos contratos por mais 30 anos, continuarão penalizando o povo brasileiro. O setor elétrico seguirá como um dos principais algozes do consumidor.
*Heitor Scalambrini Costa é professor da UFPE
Matéria originalmente publicada na edição nº 294 do jornal A Verdade
Não falha nunca o capitalismo em destruir o nosso patrimônio público e nossos direitos. Olha o que aconteceu aqui no Paraná recentemente- https://g1.globo.com/pr/parana/economia/noticia/2024/07/15/copel-questiona-decisao-da-aneel-e-conta-de-luz-nao-ficara-mais-barata-no-parana.ghtml