Com o apoio do MLB, quilombolas de Minas Gerais ocuparam o Território Kewá Matamba. Localizada na Serra do Curral, em Belo Horizonte, as terras fazem parte de região histórica para a cultura e ancestralidade e do grupo
Christino Almeida e Mariana Fernandes | Belo Horizonte (MG)
No dia 24 de maio, em um ato histórico de resistência e afirmação, cerca de 200 pessoas ocuparam o Território Kewá Matamba, aos pés da Serra do Curral, em Belo Horizonte (MG). Com o apoio do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e da Teia dos Povos de Minas Gerais, o Kilombu Manzo Ngunzo Kaiango reivindica a manutenção da posse do território Kewá Matamba. Esse local é utilizado há tempos como espaço sagrado e guarda elementos fundamentais da cultura e ancestralidade quilombola.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 68, garante direitos aos quilombolas. No entanto, segundo o último censo do IBGE, o Brasil possui mais de 1,3 milhão de quilombolas, dos quais menos de 5% estão em territórios demarcados. São quase 6 mil comunidades quilombolas espalhadas pelo país, e apenas 147 tiveram seu título emitido. Enquanto isso, licenciamentos ambientais para mineradoras e condomínios de luxo são obtidos em tempo recorde.
O Kilombu Manzo passou por um violento despejo em 2012, na gestão do prefeito Marcio Lacerda, com uma ação carregada de preconceito racial e intolerância religiosa. Esse despejo resultou no aumento do desmatamento na região e na separação das famílias quilombolas, levando muitos moradores a vivenciarem situações de extrema vulnerabilidade social.
Organização da retomada
O Kilombu buscou o apoio do MLB para discutir a possibilidade da retomada e reatar laços importantes na luta contra o capitalismo, a mercantilização da terra e o apagamento de suas práticas de comunidade e religiosas. Há cerca de um ano, já atuavam em conjunto com a Teia dos Povos de Minas Gerais, propondo o plantio e a gestão sustentável do território.
Makota Kidoialê, liderança do Kilombu Manzo, afirma: “Somos nós que temos que fazer o território, pois não há Estado e governo que darão essa condição”. A luta pela terra é, portanto, uma questão de necessidade e de acordo com o território, é uma resistência contínua para garantir a dignidade e os direitos dos quilombolas.
A retomada do território exigia uma organização precisa e eficiente. Em apenas 40 minutos, foi possível estruturar uma cozinha, uma escola, cercar a área, montar duas portarias com revezamento para garantir a segurança do terreno, além de levantar 30 barracas. Uma bandeira branca foi hasteada para marcar a retomada do território Kewá Matamba.
Histórico de luta e resistência
Mesmo diante da legitimidade na retomada do território, a Fundação Benjamin Guimarães/Hospital da Baleia, organização filantrópica localizada na Serra do Curral, e representantes do Estado (por meio da Polícia Militar) estiveram no local, com a intenção de declarar propriedade sobre as terras retomadas.
Apesar do desconhecimento da PM sobre a legislação específica para Povos e Comunidades Tradicionais, foi proposta uma mesa de negociação entre o Kilombu Manzo Ngunzo Kaiango e a Fundação Benjamin Guimarães. Em assembleia com as famílias e apoiadores, decidiu-se pela retirada provisória do território. Em nota, o Kilombu afirmou:
“Diante da legitimidade da demarcação de nosso Território Kewá Matamba, nos retiramos fisicamente, com a certeza de que nosso território continua protegido por nossa ancestralidade e permanece sendo quilombola.”
A luta pela terra e dignidade
A retomada de territórios é essencial para a garantia de dignidade aos povos quilombolas. O ato de ocupar e demarcar terras também reivindica a luta contra o colonialismo, o latifúndio e a necessidade urgente de uma reforma agrária e urbana que reconheça a falta de reparação histórica pelos séculos de escravização e trabalho forçado do povo negro.
Os quilombolas se organizam coletivamente e desejam que sua mão de obra sirva aos seus próprios interesses, sem a necessidade de negociar com seus algozes que os exploram, muitas vezes sem direitos trabalhistas formais. A realidade do povo pobre deve ser discutida também como uma questão racial e ambiental, pois a ausência de território implica na ausência de identidade e dignidade.
Retomar territórios é um ato de resistência e um direito democrático. A terra, apropriada para o lucro, deve ser socializada com quem dela necessita para plantar, colher e sobreviver. Em relato das famílias quilombolas, o tom é de que, ainda que as leis sejam morosas e os licenciamentos ilegais persistam, os quilombolas não devem esperar. Devem ocupar e libertar suas terras para viver em liberdade!
As famílias seguem agora no processo de articulação de novas lutas, a fim de agilizar a demarcação do território junto ao Incra e nas negociações, com a convicção de reocupar o território, à sua maneira, quantas vezes forem necessárias, para exigir que os direitos sejam cumpridos e o território efetivamente demarcado.
Que Kewá Matamba seja exemplo!