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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Moçambique: como vencer nosso maior inimigo

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“O maior desafio é vencer o inimigo que está instalado dentro de nós”

(Samora Machel, em mensagem aos combatentes da Frelimo)

José Levino | Historiador


LUTAS DO POVO – Moçambique é um país situado no sudeste da África, com 32 milhões de km², banhado pelo Oceano Índico. Foi colônia de Portugal por quase 500 anos. Teve, como as demais colônias, os seus recursos naturais explorados e levados para a Europa. A dominação não foi apenas econômica, mas política, cultural, religiosa, etc. Foi também vítima do tráfico de escravos.

Onde há dominação, surge o seu contrário, a resistência, a luta por liberdade, que existiu desde o início da colonização e deu um salto de qualidade com a fundação da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), em 1962. A Frelimo, então, desencadeia a luta armada de libertação. Durante dez anos, com inúmeras perdas e sacrifícios, o povo moçambicano enfrentou bravamente o poderoso exército português. Estava vencendo, quando a Revolução dos Cravos, vitoriosa em Portugal (A Verdade, nº290) apressou a retirada das tropas de ocupação e a Independência foi proclamada em 25 de junho de 1975.

O Governo da República Popular de Moçambique foi assumido por Samora Moisés Machel, comandante da Frelimo. Samora Machel liderava a Frelimo desde os primeiros anos de sua fundação. Era filho de agricultores e exercia a profissão de enfermeiro quando ingressou na organização. A Frelimo, além da independência nacional, tinha como objetivo a implantação do socialismo no país.

A etapa mais difícil

A reconstrução não foi fácil. A Proclamação da Independência e da República Popular não significou a paz para o povo moçambicano. Os portugueses provocaram sérios danos ao processo de reconstrução nacional com a saída em massa do país de cerca de 200 mil pessoas.

Mas os esforços do governo revolucionário deram resultado. O Estado iniciou a planificação da economia com o objetivo de “garantir o aproveitamento correto das riquezas do país e sua utilização em benefício do povo moçambicano”. Foi definida a agricultura como base e a indústria como fator dinamizador do desenvolvimento econômico em vista da liquidação do subdesenvolvimento e criação de condições para elevação do nível de vida do povo. A Revolução Agrária se daria com a implementação das machambas (grandes projetos estatais).

Os projetos foram bem planejados e bem estruturados, mas não obtiveram o êxito esperado, graças ao financiamento de uma guerra, por parte da África do Sul e da Rodésia, de beneficiários da colonização e até dos que tinham apoiado a luta pela independência, mas esperavam um modelo de desenvolvimento capitalista, visando a se tornarem grandes empresários ou grandes latifundiários. Os países citados não só financiaram a reação interna, como participaram diretamente da guerra contra o Poder Popular, junto com a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Os alvos prioritários dos atos terroristas da Renamo foram exatamente a infraestrutura: pontes, estradas, centros de saúde e aldeias comunais.

Mesmo enfrentando obstáculos colossais, o Estado Socialista desenvolveu um grande programa de conscientização da Nação, em vista da superação das divisões etnicorraciais estimuladas pelos colonizadores, além de um sistema de educação aberto para toda a população, tendo como meta a “Formação do Homem Novo e a Construção do Socialismo”.

No dia 19 de outubro de 1986, desgraçadamente, Samora Machel, já denominado “Pai da Nação”, morre tragicamente num acidente suspeitíssimo, quando sobrevoava a África do Sul.

O retrocesso

Os sucessores de Samora Machel não tinham a mesma têmpora revolucionária e cederam aos encantos dos caminhos mais fáceis.  Em vez de intensificarem a resistência ao inimigo, buscaram negociar a paz, o que acontece a troco da virada para o capitalismo, desmontando os avanços socialistas, por meio de processos de privatização, grandes projetos agrícolas e submissão ao programa do Fundo Monetário Internacional (FMI), a partir do final dos anos 1980. Os sucessores foram Joaquim Chissano (1986 a 2005) e Armando Guebuza (2005 a 2019), que haviam sido dirigentes junto com Machel, mas traíram a Revolução. Certamente, contribuiu para a sua involução o fim da União Soviética (1991), que apoiava a Reconstrução Nacional e a construção do Socialismo, dando, ainda, suporte militar para o enfrentamento da Renamo. O sucessor de Guebuza, Filipe Nyussi (2015 a 2024) ainda participou do último ano da guerra de libertação, mas hoje é um dos homens mais ricos do país.

Símbolos da reinserção de Moçambique no capitalismo são os projetos de mineração pelos quais a multinacional brasileira Vale explora minas de carvão no país, e o Pró-Savana JBM, uma parceria Japão-Brasil-Moçambique, que consistia em expulsar os camponeses da terra e destruir as savanas para produzir alimentos para exportação, atendendo aos interesses do mercado internacional. Gerou tanta revolta entre os camponeses, que foi encerrado em 2020.

O inimigo dentro de nós

O fato é que, voltando ao regime de dependência do capital internacional, Moçambique permanece inserido entre os dez países mais pobres do mundo e vivendo uma situação preocupante de desigualdade social, de acordo com avaliação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Em outubro deste ano, haverá eleições gerais, mas a perspectiva é de que nada mude, pois o candidato da Frelimo, Daniel Chapo, é um advogado sem nenhuma relação com a guerra de libertação.

Apesar da insatisfação popular com o Governo, o povo, certamente, elegerá mais uma vez o candidato do partido governamental, pois o opositor principal é exatamente a direitista Renamo, que tantos males causou ao povo. Pelo menos, a Frelimo carrega a aura de ter sido a promotora da independência e seu primeiro líder continua sendo venerado como “Pai da Nação”.

Para os combatentes de hoje, a experiência moçambicana comprova de que não há solução dentro do capitalismo, para os graves problemas que afligem o povo e toda a Humanidade. O afrouxamento dos sucessores de Machel faz-nos rever a lição deixada pelo grande revolucionário moçambicano na sua exortação aos guerreiros da Frelimo, de que o maior desafio não é vencer um poderoso exército colonial e imperialista, mas sim “VENCER O INIMIGO QUE SE INSTALA DENTRO DE NÓS”.

Matéria publicada na edição nº 295 do Jornal A Verdade.

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