Gramsci foi um pensador revolucionário que fundou o Partido Comunista Italiano, além de ter papel de destaque na luta operária e antifascista em seu país. Marxista-leninista, seu pensamento foi muitas vezes distorcido ao longo da história, até mesmo por supostos seguidores. Conheça as ideias de Antonio Gramsci (1891-1937) com este artigo da revista italiana Teoria & Prassi, traduzido pelo jornal A Verdade
Plataforma Comunista da Itália
Uma das maiores mentiras difundidas pelos oportunistas e pelos intelectuais burgueses sobre o revolucionário italiano Antônio Gramsci é sobre uma suposta distância, ou mesmo contraste, entre suas posições e aquelas sustentadas por Lênin e Stálin.
Essa lenda tem origens remotas e bem definidas. Começou com o jornal fascista “O Mensageiro”, que, em 12 de maio de 1937, ao anunciar a morte de Gramsci, falou de modo tão ignorante quanto covarde de “uma fidelidade a Trotsky”.
Sucessivamente, nos anos 1960 e 1970, o “trotskismo” de Gramsci foi o pão de cada dia dos falaciosos revisionistas, que, deste modo, construíram o indigno e injusto mito da separação, inclusive, da aversão, entre o “bom” Gramsci e “o mau” Stálin.
Mas o exame dos escritos de Gramsci mostra exatamente o oposto, isto é, revela uma concordância com as posições bolcheviques e uma dura crítica das posições trotskistas e de outros opositores de Stálin. Deixemos, pois, a palavra a Gramsci.
Na atividade de dirigente do Partido Comunista da Itália
Em 1924, Gramsci, em seu discurso na Conferência de Como*, estabeleceu, pela primeira vez, um paralelo entre Bordiga e Trotsky (também havia diferenças entre eles), criticando ambos:
“A atitude de Trotsky, num primeiro momento, pode ser comparada com a do companheiro Bordiga. Trotsky, inclusive participando ‘disciplinadamente’ nos trabalhos do Partido, com sua atitude de oposição passiva – parecida à de Bordiga – criou uma sensação tão grande de mal-estar em todo o Partido, que esta situação não pôde passar desapercebida. […] Isso demonstra que uma oposição – ainda que mantida nos limites de uma disciplina formal – por parte de destacadas personalidades do movimento operário, não só pode impedir o desenvolvimento da situação revolucionária, como também pode pôr em perigo as próprias conquistas da Revolução.”
No ano seguinte, Gramsci, levando adiante a luta pela bolchevização do Partido, afirmou que as posições de Trotsky sobre o “supercapitalismo americano” foram perigosas, devendo ser rechaçadas, já que, “postergando a Revolução por tempo indeterminado, modificariam toda a tática da Internacional Comunista […] e modificariam a tática do Estado russo, pois, se a Revolução Europeia fosse postergada por toda uma fase histórica, isto é, se a classe operária russa não pudesse, por um longo tempo, contar com o apoio do proletariado de outros países, é evidente que a Revolução Russa precisaria se modificar.” (Gramsci, Informe ao Comitê Central do Partido Comunista da Itália, 06 de fevereiro de 1925)
Gramsci sempre foi consciente da importância da luta contra os desvios do leninismo e do fracionismo. Portanto, no mesmo informe, declarou: “A resolução também deve dizer como as concepções de Trotsky e, sobretudo, sua atitude, são um perigo, já que a falta de unidade no Partido, num país onde há um só Partido, rompe o Estado. Isto produz um movimento contrarrevolucionário […]. Desde a questão Trotsky, finalmente, devemos deduzir lições para nosso Partido. Trotsky, antes das últimas medidas, encontrava-se numa posição na qual atualmente está Bordiga em nosso Partido: um papel puramente figurativo no Comitê Central. Sua posição era a tendência à fração, assim como a atitude de Bordiga mantém em nosso Partido uma situação de fração objetiva. […] A atitude de Bordiga, como foi a de Trotsky, tem repercussões desastrosas.” (Ibid.)
Também em 1925, por ocasião da 5ª Sessão Plenária do Comitê Executivo ampliado da III Internacional, a delegação italiana, dirigida por Gramsci, pronunciou-se, sem reservas, a favor das posições de Stálin de crítica a Trotsky.
Para Gramsci, a decisão da construção do socialismo na URSS, nas condições de cerco capitalista, convergia perfeitamente às necessidades de um período caracterizado por uma relativa estabilização do capitalismo e o desaceleramento da onda revolucionária.
Daí a crítica, sem concessões, a Trotsky e a sua estratégia da “revolução permanente”, que Gramsci considerava equivocada, simplista, inadequada, e seu firme compromisso com a estratégia e a política da direção bolchevique.
Em Gramsci sempre esteve presente a preocupação pela coesão do Partido russo, que o proletariado necessitava em nível nacional e internacional.
Naqueles anos, durante os quais as divergências entre o Partido, encabeçado por Stálin, e o bloco de Zinoviev e Trotsky converteram-se em divergências programáticas, Gramsci advertiu repetidamente sobre os riscos de ruptura, através da qual a burguesia internacional poderia aproveitar para derrocar o poder proletário na Rússia.
Acerca da luta empreendida pelo Comitê Central do Partido Comunista da Rússia (bolchevique) contra o bloco da oposição de Trotsky, Zinoviev e Kamenev, escreveu Gramsci: “Uma questão é deveras de suma importância nas decisões tomadas coletivamente pelo Comitê Central e pela Comissão de Controle do Partido Comunista da URSS: a defesa da unidade organizativa do Partido. É óbvio que, neste terreno, não são possíveis concessões aos compromissos de nenhum tipo, qualquer que seja o promotor da obra de desintegração do Partido, de qualquer natureza e amplitude sejam seus méritos passados, qualquer que seja a posição que desempenha como dirigente da organização comunista […]. Portanto, cremos que toda A Internacional deve estreitar firmemente laços em torno do Comitê Central do Partido Comunista da URSS para aprovar sua energia, rigor e espírito de decisão de golpear de maneira implacável a quem quer que atente contra a unidade do Partido”. (Medidas do CC do PCUS na defesa da unidade do Partido e contra o trabalho de fração, em “l’Unità”, 27 de julho de 1926)
Da mesma preocupação para a unidade organizativa e ideológica do Partido soviético, e suas implicações em nível nacional e internacional (em particular a luta que estava levando a cabo na Itália para o desenvolvimento do Partido), se inspira a famosa “Carta ao Comitê Central do Partido Comunista Soviético”, escrita em outubro de 1926 (publicada em: Gramsci, Escritos Políticos, 1973).
Nesta carta, Gramsci interveio, em nome do Birô Político do Partido Comunista da Itália, na dura batalha política que se estava desenvolvendo na URSS entre o grupo dirigente bolchevique e a oposição de Trotsky e Zinoviev, declarando “fundamentalmente justa a linha política da maioria do CC do Partido Comunista da URSS”, liderado por Stálin.
Ainda que Gramsci estivesse apenas parcialmente informado sobre a situação na Rússia, seu alinhamento com as posições da maioria leninista foi vigoroso e inequívoco. Sua acusação contra o bloco de oposição foi muito dura e motivada por uma razão principal, que assinalou em termos claros:
“Repetimos que nos impressiona que a posição das oposições [Zinoviev, Kamenev e Trotsky] afete o conjunto da linha política do CC, o coração mesmo da doutrina leninista e da atividade política do nosso Partido da União. O que se discute é o princípio e a prática da hegemonia do proletariado, são as relações fundamentais de aliança entre operários e camponeses o que se põe em discussão e em perigo, quer dizer, os pilares do Estado Operário e da Revolução.”
Sendo um partidário dos princípios leninistas, Gramsci, na mesma carta, criticou “a raiz dos erros do bloco das oposições e a origem dos perigos latentes contidos em sua atividade”, identificando-a na “tradição da socialdemocracia e do sindicalismo, tradição que impediu, até o momento, o proletariado ocidental de se organizar em classe dirigente”.
É uma postura que Gramsci fortaleceu ainda mais na “Carta a Togliatti”, de 26 de outubro de 1926, na qual, refletindo sobre a lentidão do processo de bolchevização dos partidos ocidentais, escreveu:
“A discussão russa e a ideologia das oposições desempenha nesse atraso um papel tanto mais importante quanto as oposições representam na Rússia todos os velhos preconceitos do corporativismo de classe e do sindicalismo, que pesam sobre a tradição do proletariado ocidental e freiam seu desenvolvimento ideológico e político.”
E conclui afirmando: “Toda a nossa carta era um questionamento contra as oposições, mas sua redação não estava feita em termos demagógicos e, precisamente por isso, era mais eficaz e mais séria”.
Portanto, resta completamente sem fundamento uma interpretação destas cartas dirigida a passar a visão de um “Gramsci trotskista” ou oscilante. Ao mesmo tempo, fica muito claro de que lado Gramsci esteve na luta desenvolvida no Partido russo: do lado da maioria bolchevique dos membros do Partido.
Matéria publicada na edição nº 293 do jornal A Verdade. Artigo publicado originalmente na revista italiana Teoria & Prassi, da Plataforma por um Partido Comunista do Proletariado da Itália